Acórdão Nº 726/22 de Tribunal Constitucional, 03-11-2022

Número Acordão726/22
Número do processo587/22
Data03 Novembro 2022
Classe processualRecurso

ACÓRDÃO Nº 726/2022

Processo n.º 587/22

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A., B., C. e D. e recorridos E. e F., os primeiros vieram interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no dia 31 de março de 2022 e do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no dia 22 de junho de 2021.

Para o que aqui mais releva, os ora recorridos intentaram ação declarativa na forma de processo comum, pedindo: a) a declaração de resolução por incumprimento definitivo e culposo dos réus, ora recorrentes, do contrato-promessa de compra e venda entre os mesmos celebrado, e a condenação dos segundos à restituição do sinal em dobro, na quantia de € 64.200 (sessenta e quatro mil e duzentos), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4% desde a citação, até efetivo pagamento; e, subsidiariamente, b) a declaração de resolução do contrato-promessa celebrado e a condenação solidária dos réus na restituição aos autores da quantia recebida a título de sinal no montante de € 32.100 (trinta e dois mil e cem), acrescido de € 521,20 (quinhentos e vinte e um euros e vinte cêntimos), relativos às despesas com o processo de financiamento bancário, acrescido ainda de juros de mora calculados à taxa legal de 4% desde a citação, até efetivo pagamento.

Os réus contestaram, invocando abuso de direito por parte dos autores e argumentando terem investido a sua confiança na celebração da compra e venda e assumido compromissos financeiros; que os autores sabiam que a eficácia do contrato-promessa de compra e venda não dependia da aprovação do financiamento e que, apesar disso, os réus estiveram predispostos a devolver o sinal em singelo, até 31 de outubro de 2019. Deduziram ainda reconvenção pedindo que o incumprimento definitivo fosse imputado aos autores e que lhes seja reconhecido o direito de retenção do sinal já entregue.

Os autores deduziram réplica, pugnando pela improcedência da exceção e da reconvenção deduzidas.

Em 29 de janeiro de 2021 a ação foi julgada procedente, através de sentença que decidiu declarar o contrato-promessa resolvido por incumprimento definitivo e culposo dos réus e, em consequência, condená-los a restituir aos autores o sinal em dobro, bem como declarar o pedido reconvencional improcedente.

Inconformados, os réus interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, pelo referido acórdão de 22 de junho de 2021, prolatado após decisão da impugnação, ali havida, da matéria de facto, decidido julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.

Ainda inconformados, os apelantes interpuseram recurso de revista, que foi admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, mas rejeitado por decisão singular do relator no Supremo Tribunal de Justiça, datada de 14 de janeiro de 2022.

Desta decisão foi apresentada reclamação para a conferência no Supremo Tribunal de Justiça, que pelo referido acórdão de 31 de março de 2022 decidiu julgá-la improcedente e manter a decisão singular reclamada.

2. Foi então interposto recurso de constitucionalidade, que apresenta o seguinte teor:

«(...)

I. DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA ADMISSÃO DO RECURSO: ESGOTAMENTO DOS RECURSOS

1. São três as questões de constitucionalidade que os Recorrentes apresentam perante o Tribunal Constitucional, a saber:

a. Prevendo expressamente o artigo 405.º, do CC, que "dentro dos limites da lei as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos", e tendo o contrato celebrado pelas partes feito referência a um prédio, registado, e não à sua concreta configuração (designadamente área), a restrição operada pelo Tribunal de que, apesar do estabelecido, os Promitentes Vendedores têm o ónus de garantir que o prédio registado tem a área exata que se encontra registada, é materialmente inconstitucional por violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção de confiança (art. 1º da CRP), bem como da igualdade (artigo 13.º da CRP), da liberdade (artigo 27.º, n.º 1 da CRP), da propriedade (artigo 62.º, n.º 1 da CRP);

b. Tendo em conta que o recurso de revista ordinário foi admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa - com expressa menção de que não se verificava uma situação de dupla conforme -, e o teor do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, a interpretação do Supremo Tribunal de Justiça de que o recurso pode ser rejeitado, após admissão pelo Tribunal a quo (no caso, pelo Tribunal da Relação de Lisboa), sem que tenha sido dada oportunidade de pronúncia dos Recorrentes sobre a sua não admissão, é materialmente inconstitucional por violação do direito de acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva estabelecida no artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa;

c. Tendo em conta que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa se ancora em instituto jurídico diverso e autónomo daquele que fundamentou a decisão proferida na sentença de primeira instância - como o Tribunal de Relação de Lisboa expressamente reconhece -, a não admissão do recurso de revista normal nos termos e para os efeitos do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, consubstancia uma interpretação deste preceito materialmente inconstitucional por violação dos artigos 3.º, n.º 3, 13.º, 20.º, n.º 1 e 4, 202.º, n.º 1 e 2, e 210.º, n.º 5, todos da Constituição da República Portuguesa.

2. A primeira questão, relacionada com o objeto material dos autos, diz respeito à interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa ao artigo 405.º, do CC, quando aplicado ao presente caso.

3. A segunda e terceira questões visam a interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça a duas normas de índole processual - no caso, ao artigo 3.º, n.º 3, do CPC, e ao artigo 671.º, n.º 3, do CPC.

4. Tendo em conta que todas as questões suscitadas se fundam no artigo 70.º, n.º l, al. b), da LOTC, importa verificar se os requisitos legalmente estabelecidos se encontram preenchidos.

5. Assim, e desde logo, o n.º 2, do artigo 70.º, da LOTC, estabelece que "os recursos previstos nas alíneas b) ef) do número anterior apenas cabem de decisões que nõo admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência".

6. No caso da primeira questão que se suscita - interpretação e aplicação do artigo 405.º, do CC -, a mesma foi decidida pelo Tribunal da Relação de Lisboa por acórdão datado de 22/06/2021.

7. Os ora Recorrentes apresentaram recurso de revista do referido Acórdão sendo que, apesar de o mesmo ter sido admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o Supremo Tribunal de Justiça não o admitiu - por considerar que se verificava uma situação de dupla conforme.

8. Desta forma, e através dessa decisão do Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se que foram esgotados os recursos que haviam.

9. Questão distinta é a das segunda - interpretação e aplicação do artigo 3.º, n.º 3, do CPC - e terceira - interpretação e aplicação do artigo 671.º, n.º 3, do CPC - questões.

10. Estas duas questões encontram-se relacionadas com a não admissão do recurso de revista.

11. Ora, em complemento do n.º 2, do artigo 70.º, da LOTC, o n.º 3 do mesmo preceito estabelece o seguinte:

"São equiparadas a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência".

12. Não tendo o recurso interposto pelos Recorrentes sido admitido pelo Ilustre Juiz Conselheiro Relator, os Recorrentes apresentaram reclamação para a conferência pelo que, também aqui foram esgotados os recursos que haviam.

13. Analisado este ponto, importa então atentar na forma e momento em que as questões foram suscitadas.

II DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA ADMISSÃO DO RECURSO: DO SUSCITAR DAS QUESTÕES DE FORMA PROCESSUALMENTE ADEQUADA

14. Por forma a verificar que as questões foram suscitadas de forma processualmente adequada, importa recordar alguns elementos da tramitação dos presentes autos.

15. Assim, em 17/07/2019, E. e F. apresentaram uma ação declarativa comum contra os ora Recorrentes no qual solicitaram que fosse declarada a resolução por incumprimento definitivo e culposo dos Réus do contrato promessa de compra e venda celebrado, sendo os mesmos condenados a restituir o sinal em dobro; subsidiariamente, fosse declarada a resolução do contrato promessa celebrado sendo os Réus condenados a restituir aos Autores a quantia recebida a título de sinal acrescido do montante das despesas incorridas.

16. Se atentarmos no articulado apresentado pelos Autores, verificamos que a causa de pedir encontra-se relacionada com a circunstância de os Autores necessitarem de obter financiamento bancário para a realização da compra e venda prometida e que, no entender dos Autores, os Réus impossibilitaram a obtenção desse financiamento e, consequentemente, a realização da escritura de compra e venda.

17. Desta forma, não foi suscitada a questão de que, apesar de o contrato...

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