ACÓRDÃO N.º 723/2020
Processo n.º 952/2020
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro
Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é reclamante A. e reclamado o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana, I.P., foi apresentada reclamação, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho do Relator no citado Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de setembro de 2020, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.
2. A ora reclamante, na qualidade de ré em ação de reivindicação, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, do saneador-sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância que reconheceu o autor, aqui reclamado, como proprietário do imóvel objeto do litígio e condenou a ré a desocupá-lo, bem como a pagar determinada indemnização.
Por acórdão proferido em 21 de abril de 2020, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Notificada de tal aresto, a ré dele interpôs o presente recurso de constitucionalidade.
O relator no Tribunal da Relação de Lisboa não admitiu o recurso com fundamento em extemporaneidade. Tal decisão tem o seguinte teor:
«Em 21.4.2020, foi proferido o acórdão desta Relação que julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Tal acórdão foi notificado à Autora, por notificação eletrónica datada de 21.4.2020 (fls. 97), a qual produziu efeitos no 3º dia após a sua remessa eletrónica (cf. Artigo 137º, nº2, do Código de Processo Civil).
Em 18.6.2020, vem a Autora interpor recurso do acórdão para o Tribunal Constitucional (fls. 99).
Ora, nos termos do Artigo 7º, nº1 da Lei nº 1-A/2020, de 19.3, «Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica -se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV -2 e da doença COVID -19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.» Ou seja, os prazos judiciais em processos não urgentes ficaram suspensos (cf. Artigo 138º, nº1, do Código de Processo Civil) a partir do dia 9 de março de 2020, consoante resulta do Artigo 5º da Lei nº 4-A/2020, de 6.4 («O artigo 10º da Lei nº 1-a/2020, de 19 de março, deve ser interpretado no sentido de ser considerada a data de 9 de março de 2020, prevista no artigo 37º do Decreto-lei nº 10-A/2020, de 13 de março, para o início da produção de efeitos dos seus artigos 14º a 16º, como a data de início da produção de efeitos das disposições do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março.»)
Posteriormente, o Artigo 8º da Lei nº 16/2020, de 29 de maio, revogou o artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, sendo que tal revogação operou no 5o dia posterior ao da publicação da Lei nº 16/2020 (Artigo 10º desta Lei), ou seja, em 3 de junho de 2020.
Assim sendo, face a tal revogação, a suspensão dos prazos em processos não urgentes cessou no dia 3 de junho, data em que os prazos retomaram o seu curso normal.
Neste contexto, o prazo de 10 dias que a apelante dispunha para recorrer par ao Tribunal Constitucional (Artigo 75º, nº l, da Lei do Tribunal Constitucional) findou em 12 de junho de 2020 (sexta-feira). Ao interpor tal recurso em 18.6.2020, a apelante fê-lo intempestivamente.
Termos em que não se admite o recurso por ser intempestivo.»
3. Notificada de tal decisão, a ré apresentou reclamação da não admissão do recurso de constitucionalidade, nos termos do artigo 76.º, n.º 4, da LTC.
Na parte relevante, tal reclamação tem o seguinte teor:
«(…)
8. Salvo devido respeito, que é todo, incorre o referido despacho de uma incorreta interpretação das normas em causa;
9. Atente-se:
10. Nos termos do Artigo 7º, nº1 da Lei n.º 1-A/2020, de 19.3, «Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica -se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV -2 e da doença COVID -19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.»
11. Ou seja, os prazos judiciais em processos não urgentes (como é o caso) ficaram suspensos (cf. Artigo 138º, n.º 1, do Código de Processo Civil) a partir do dia 9 de março de 2020, consoante resulta do Artigo 5º da Lei n.º 4-A/2020, de 6.4 (« O artigo 10º da Lei n.º 1-a/2020, de 19 de março, deve ser interpretado no sentido de ser considerada a data de 9 de março de2020, prevista no artigo 37º do Decreto-lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, para o início da produção de efeitos dos seus artigos 14º a 16º, como a data de início da produção de efeitos das disposições do artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.»).
12. Posteriormente, o Artigo 8º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, revogou o artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, sendo que tal revogação operou no 59 dia posterior ao da publicação da Lei n.º 16/2020 (Artigo 10º desta Lei), ou seja, em 3 de junho de 2020.
13. Assim sendo, face a tal revogação, a suspensão dos prazos em processos não urgentes cessou no dia 3 de junho, data em que os prazos retomaram o seu curso normal.
14. Ou seja, e em suma, os prazos estiveram suspensos entre 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020.
15. Do que se pode entender, começa aqui o “desacordo” entre a Recorrente e o constante no despacho sob censura.
16. Ou seja, e colocando a questão nos termos mais cristalinos possíveis: o despacho sob censura começou a contar o prazo constante no artigo 75.º da Lei do Tribunal Constitucional no dia 3.
17. E esse entendimento não é correto, salvo devido respeito, que é todo.
18. O recurso interposto para este Venerando Tribunal foi feito em tempo.
19. Dispõe o artigo 70º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional que “Os recursos previstos nas alíneas b) e f)...