Acórdão nº 7222/15.8T8VIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 05-05-2020

Data de Julgamento05 Maio 2020
Case OutcomeNEGADA A REVISTA.
Classe processualREVISTA
Número Acordão7222/15.8T8VIS.C1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça



PROC. Nº 7222/15.8T8VIS.C1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I ZEEVA – DECORS LDA instaurou a presente ação declarativa, com forma de processo comum, contra COMPANHIA DE SEGUROS TRANQUILIDADE, SA, alegando para tanto, em síntese, dedicar-se à construção e venda de móveis de madeira possuindo uma unidade fabril que laborava desde maio de 2012 no ..., Estrada ..., …, …, sucedendo que por força de incêndio ocorrido em 2 de agosto de 2014 tal unidade fabril ficou completamente destruída, e a ré, com quem a autora havia celebrado seguro de incêndio, não assumiu a responsabilidade pela regularização do sinistro; certo é que por força do referido incêndio ficou destruído todo o material existente em stock nas instalações em questão, no valor de € 66.489,23, assim como todo o material informático, no valor de € 4.045,84, e ainda máquinas cuja aquisição, em estado novo, importa no valor de € 339.707,55 e que, na data, valiam € 115.387,72; assim, concluiu a autora que, não estando provada qualquer causa de exclusão da sua responsabilidade, a ré deve ser condenada a indemnizá-la nos valores indicados, acrescidos de juros a partir da citação, tendo deduzido pedido subsidiário quanto à indemnização relativa ao valor da maquinaria, considerando que, a improceder o pedido de condenação na quantia de € 339.707,55 necessária para a sua aquisição, sempre a ré deve ser responsabilizada pelo pagamento da quantia de € 115.387,72, correspondente ao seu valor à data do sinistro.

A Ré contestou concluindo pela improcedência da acção.

A autora apresentou ainda o articulado de fls 154 e segs., reafirmando que os bens por si indicados ficaram destruídos pelo incêndio e que por força do contrato de seguro em causa, a ré está obrigada a indemnizá-la dos danos invocados.

A final foi proferida sentença a julgar a acção improcedente com a absolvição da Ré do pedido.

Inconformada, apresentou a Autora recurso de apelação, o qual veio a ser julgado improcedente.

De novo irresignada, recorreu a Autora de Revista excepcional, a qual veio a ser admitida pela Formação a que alude o artigo 722º, nº3 do CPCivil, por Acórdão de fls 56 a 58 do Apenso.

Aduziu o seguinte argumentário conclusivo:

- No caso dos presentes autos, a recorrente invocou na sua exposição dos factos e do direito a posição de Vaz Serra, nessa interpretação.

- O douto tribunal da relação de Coimbra, a fls. 19 do douto acórdão, 2.° parágrafo, diz:

"Sendo que dentro de tal linha de raciocino foi igualmente entendido pela jurisprudência, na sequência do defendido por Vaz Serra, que as circunstâncias de um incêndio ter sido provocado por ato de terceiro, ainda que doloso, não exonerava a seguradora das responsabilidades assumidas pelo contrato seguro. "

- De facto, no seu recurso a recorrente disse o que acima se transcreveu, para cuja exposição se remete os Exmos. Conselheiros.

- Depois o douto acórdão, a fls. 20, no segundo parágrafo, profere o seguinte aresto:

"Por outro lado, a dita solução proposta por Vaz Serra, parece pouco convincente, pois que depende da afirmação de uma premissa que não ter-se por adquirida: a de que o legislador, quando estabeleceu que o segurador respondia por danos causados por caso fortuito ou força

maior, pretendia excluir a responsabilidade deste apenas perante uma atuação dolosa do segurado ou de pessoa por quem este seja responsável."

- Como se verifica, diz o douto acórdão da relação neste aresto que se transcreveu "parece pouco convincente", mas é alguma coisa convincente sendo que a solução deste caso teria que seguir a interpretação do artigo 443.° do Código Comercial, a interpretação do artigo 9.° do Código Civil e ter condenado a recorrida, revogando a sentença do tribunal de primeira instância, o que não o fez, mesmo havendo margem para essa interpretação e linha de raciocínio e solução para o caso.

- Não o tendo feito, os doutos tribunais de segunda e primeira instância, violaram por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 437°, n°3, 443°, 439°, n.° 1 Código Comercial, 342º e 9.° do Código Civil.

Nas contra alegações a Recorrida pugna pela manutenção do julgado.

II O problema que nos é suscitado na Revista, tendo em atenção a delimitação efectuada em sede de admissão da mesma, pelo Acórdão da Formação, reside, na essência, «[n]a delimitação do conceito de incêndio para efeitos de cobertura do contrato de seguro, mais concretamente se o mesmo cobre o incêndio dolosamente provocado por terceiros».

As instâncias declararam como assente a seguinte materialidade:

«5.1 – A autora dedica-se à construção e venda de móveis de madeira (artigo 1º da petição inicial);

5.2 – A autora tinha instalada a sua unidade fabril, desde maio de 2012, no ..., Estrada ..., 0000 – 000 …, em espaço que arrendou para o efeito (artigo 2º da petição inicial);

5.3 - No dia 2 de Agosto de 2014, tal unidade fabril ficou completamente destruída, em face de um incêndio ocorrido no local (artigos 3º, 25º, 37º, 41º da petição inicial, artigo 10º da contestação);

5.4 – Por força de tal incêndio foi instaurado nos serviços do Ministério Público de Viseu o inquérito nº 1405/14.5JAPRT, contra desconhecidos, cujos autos se encontram apensos ao presente, no qual, em 30 de maio de 2015, foi proferido despacho de arquivamento, aí se referindo, além do mais:

“Da inspeção efetuada ao local, apurou-se que o incêndio em causa teve origem dolosa, tendo resultado diretamente da ação humana, uma vez que foi detetada a existência de uma substância (não concretamente apurada) aceleradora da combustão que certamente terá levado a um rápido alastrar do fogo a toda a maquinaria e ao restante imóvel.

Mais se apurou que o AA tinha seguro contra incêndio.

Contudo, e do conjunto das diligências de inquérito realizadas, nada resultou que permita concluir quer quanto à causa quer quanto à eventual autoria dos factos aqui participados.

Os factos aqui participados poderiam lograr subsunção à ilicitude do artº 272º, nº 1 al. a) do C.P. – crime de incêndio, explosões e outras condutas perigosas.

Dos autos resulta suficientemente indiciado que tenha havido atuação ou a prática de um qualquer ato doloso tendo em vista deflagrar ou pelo menos acelerar o incêndio em causa, não se apurando, todavia, quem poderá ter praticado tais factos, pelo que por falta de indícios, nos termos do art. 277º nº 2 do C. P determino o arquivamento dos autos” (artigo 4º da petição inicial, artigos 86º, 87º da contestação e autos de inquérito nº 1405/14.5JAPRT apensos);

5.5 – Mediante contrato de seguro celebrado entre a autora e a ré, titulado pela apólice nº 0003000005, aquela transferiu para esta, além do mais, a responsabilidade de risco de incêndio, com um capital seguro de € 500.000,00 (artigos 5º e 24º da petição inicial, 1º da contestação);

5.6 - A referida apólice titula um contrato de seguro “Multirrisco Industrial” e tem como objeto seguro o recheio do local de risco sito no ..., Estrada ... s/n 0000-000, … (artigo 2º da contestação);

5.7 - O mencionado contrato de seguro, celebrado em 16/05/2014, a pedido da autora, garante desde essa data e conforme artigo 2º nº 1, das Condições Gerais da Apólice: “os riscos previstos nas Condições Especiais, quando expressamente contratados e designados nas Condições Particulares, até aos limites nestas previstos” (artigo 3º da contestação);

5.8 – Nas Condições particulares de tal contrato, mostra-se previsto o risco de “Incêndio, Queda de raio e Explosão”, nos seguintes termos:

“Art. 1.º - Âmbito da Cobertura

1. A presente Condição Especial garante os danos diretamente causados aos bens seguros, identificados nas Condições Particulares, em consequência de Incêndio, Queda de Raio e Explosão.

2. A garantia abrange os danos resultantes de incêndio ou meios empregues para o combater, calor, fumo ou vapor resultantes imediatamente de incêndio, ação mecânica de queda de raio, explosão e ainda remoções ou destruições executadas por ordem de autoridade competente ou praticadas com o fim de salvamento, se o forem em razão de qualquer dos factos atrás previsto.

Art. 2.º - Definições

Para efeitos da garantia deste risco, entende-se por:

a) Incêndio: Combustão acidental, com desenvolvimento de chamas, estranha a uma fonte normal de fogo ainda que nesta possa ter origem, e que se pode propagar pelos seus próprios meios;

b) Ação Mecânica de Queda de raio: Descarga atmosférica ocorrida entre a nuvem e o solo, consistindo em um ou mais impulsos de corrente que conferem ao fenómeno uma luminosidade característica (raio) e que provoque deformações mecânicas permanentes nos bens seguros;

c) Explosão: Ação súbita e violenta da pressão ou depressão de gás ou de vapor.

Art. 3.º - Exclusões

Sem prejuízo das exclusões previstas nas Condições Gerais aplicáveis à presente cobertura, não ficam garantidas as despesas de descontaminação ou despoluição do local onde ocorreu o sinistro, bem como dos próprios bens seguros ou escombros resultantes do sinistro.” (artigos 29º da petição inicial e 9º da contestação);

5.9 -De acordo com o preceituado no artigo 4º das condições gerais da apólice, “a determinação do capital do contrato é sempre da responsabilidade do Tomador do Seguro e deverá obedecer aos seguintes critérios: (…) CAPITAL DO RECHEIO:

a) Seguro de mercadorias e matérias-primas: O capital seguro deverá corresponder ao preço corrente de aquisição para o Segurado ou no caso de se tratar de produtos por ele fabricados, ao valor dos materiais transformados e/ou incorporados, acrescidos dos custos de fabrico;

b) Seguro de equipamento industrial: O capital seguro deverá corresponder ao custo do equipamento em novo, deduzido da depreciação inerente ao seu uso e estado;

c) Seguro de mobiliário e equipamento: O capital seguro deverá corresponder ao custo do equipamento em novo, deduzido da depreciação inerentes ao...

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