Acórdão Nº 72/23 de Tribunal Constitucional, 14-03-2023

Número Acordão72/23
Número do processo1169/22
Data14 Março 2023
Classe processualReclamação

ACÓRDÃO N.º 72/2023

Processo n.º 1169/2022

1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. A.., ré e aqui reclamante, viu-lhe ser instaurada ação por B., pendente no Juízo Central Cível de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, em que o autor pede a sua condenação no pagamento de uma indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome). Ação em que, na 1.ª instância, a ré foi absolvida da instância por ter sido declarada a “incompetência absoluta desse tribunal por infração das regras de competência internacional dos tribunais portugueses”, decisão de que houve recurso do autor para o Tribunal da Relação da Évora, que a confirmou. Na sequência desta última decisão, o autor interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), tendo a ré apresentado contra-alegações de recurso, concluindo as mesmas pela forma que segue:

“a) O presente recurso de revista, interposto pelo autor, visa a revogação do acórdão de 24.02.2022, pelo qual se declarou procedente a exceção de incompetência internacional, porque esta ação não reúne os necessários elementos de conexão com a ordem jurídica Portuguesa.

b) O recurso interposto pelo autor deverá ser rejeitado, improcedendo o único fundamento invocado: erro na aplicação da lei, por alegada violação das regras de competência internacional.

c) In casu, a exceção de incompetência internacional submetida à apreciação deve ser dirimida, exclusivamente, à luz do regime interno, por inexistir qualquer instrumento internacional de regulação do foro aplicável, incluindo de fonte europeia.

d) A ré tem sede nos Estados Unidos da América, não lhe sendo aplicáveis os normativos europeus relativos à competência, já que não tem sede num Estado-Membro da UE.

e) De igual modo, são inaplicáveis aos presentes autos as considerações e princípios desenvolvidos pela jurisprudência europeia, destinados a interpretar os conceitos dos regulamentos europeus em matéria de competência dos tribunais:

– «A Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem considerado que os conceitos expressos nos Regulamentos têm carácter autónomo, ou seja, têm um significado e uma leitura no contexto do Direito da União Europeia e não como suporte densificador do Direito Nacional de cada um dos seus Estados-Membros. – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2020, Proc. 1608/19.6T8GMR.G1.SI, disponível em www.dgsi pt.

f) Por outro lado, a aplicação analógica de jurisprudência europeia redundaria na efetiva aplicação de direito europeu, em contravenção das disposições nacionais e europeias.

g) Acresce que não se identifica qualquer lacuna na regulamentação nacional que careça de «aplicação analógica» de jurisprudência europeia.

h) Para apreciação os fatores de conexão consagrados nas alíneas do art.º 62.º do CPC, importa considerar apenas a factualidade invocada na petição inicial.

i) Tendo-se estabelecido, na decisão revidenda, mutatis mutandis, a seguinte factualidade relevante:

Quanto ao autor:

(i) O autor refere ser jogador de futebol (artigo n.º 3 da petição inicial);

(ii) O autor refere ter atividade profissional na Roménia (artigo n.º 3 da petição inicial);

Quanto à ré:

(iii) A ré é uma sociedade norte-americana, com sede no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América;

(iv) A ré dedica-se à exploração, distribuição e venda de jogos, sendo que o autor não alega que a ré o faz em Portugal (artigo 1.º e 2.º da petição inicial);

(v) O autor refere que "a ré conta com várias subsidiárias, entre as quais se destaca, na Europa, a C. Sarl" (artigo 2.º da petição inicial), o que evidencia que a ré não atua em Portugal ou, sequer, na Europa;

Quanto ao facto ilícito imputado à ré:

(vi) Em parte alguma da petição inicial, o autor afirma que a ré vende, em Portugal, os jogos FIFA e FIFA MANAGER, chegando mesmo a reconhecer, quanto a versões antigas dos jogos que os mesmos são comercializados por terceiros (artigos n.º 27.º e 38.º da petição inicial).

(vii) Nenhum dano é alegado ou concretizado, pelo autor, na petição inicial, como ocorrendo em Portugal.

j) Contra este quadro factual e com vista ao preenchimento do fator de conexão previsto na alínea a) do art.º 62.º do CPC – critério da coincidência – o autor sustenta que o facto ilícito ocorre também em Portugal, porque os jogos FIFA são vendidos em Portugal por terceiros que não a ré.

k) Sucede que o facto ilícito imputado à ré não consiste na venda de jogos em Portugal, mas sim na produção dos mesmos que, reconhecidamente, ocorre no estrangeiro.

l) É o próprio autor quem declara, no já identificado art.º 2.º da petição inicial, que (i) a ré não tem atividade em Portugal e (ii) quanto à comercialização dos jogos, a ré apenas se dedica aos mercados dos EUA, Canadá e Japão.

m) O que significa que a ré não pratica qualquer ato lícito ou ilícito em Portugal e, nessa medida, mesmo em abstrato, o lugar do alegado facto ilícito não ocorre em Portugal.

n) Quanto ao fator de conexão previsto na alínea b) do art.º 62.º do CPC – critério da causalidade –, impunha-se ao autor identificar factos integradores da causa de pedir ocorridos nosso país.

o) No entanto, nem os factos alegados na petição inicial, nem os documentos juntos são, em tese, aptos a tal.

p) Quanto ao facto ilícito atribuível à ré, o mesmo ocorre – centrados na tese do autor – nos Estados Unidos da América, não bastando, neste contexto, sustentar que foram alegados factos praticados em território nacional, indicando, como único exemplo, a afirmação que os jogos FIFA são vendidos em todo o mundo, incluindo Portugal, ainda que por terceiros.

q) De igual modo, não foi concretizado qualquer dano sofrido pelo autor, tampouco em território nacional.

r) O autor, órfão de factos para sustentar a conexão com Portugal, procura compensar esse vazio, retratando, como um único facto, realidades autónomas e com diferentes esferas de imputação, a saber:

(i) alegação de vendas, por terceiros, em Portugal; e

(ii) alegação de atos praticados pela ré no estrangeiro.

s) Partindo dessa conjugação artificial, num único facto, o autor imputa à ré a produção de danos, de forma conclusiva e sem os localizar territorialmente.

t) Sucede que tais factos têm de ser apreciados como realidades individuais e não forjando uma síntese entre ambos. Ou seja, tais factos não se podem confundir porque os atos praticados pela ré ocorrem no estrangeiro e os atos de comercialização em Portugal não são atribuíveis à ré.

u) Nenhum destes factos permitindo, autonomamente, assacar à ré a prática de qualquer ato em Portugal gerador de responsabilidade civil.

v) Mesmo adotando-se a tese do autor, se o dano equivale ao facto ilícito, então este dano apenas poderia ocorrer no local da produção dos jogos.

w) Trata-se de factos ou conclusões sem conexão com o território nacional e muito menos em termos relevantes, para permitir que os nossos tribunais avoquem a competência internacional para este pleito.

x) A comercialização plurilocalizada dos jogos e, na Europa, por entidades que não a ré, não pode ser tida como um fator distintivo no contexto...

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