Acórdão nº 72/20.1JAPTM-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09-03-2021
Data de Julgamento | 09 Março 2021 |
Número Acordão | 72/20.1JAPTM-B.E1 |
Ano | 2021 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
I. Relatório
No inquérito nº 72/20.1JAPTM, o MP acusou L…, em processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo, imputando-lhe a prática, em autoria material e em concurso efectivo, de:
- 1 (um) crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. p. pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. c) e e), todos do Código Penal, com a agravante p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02;
- 2 (dois) crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, p. p. pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e), todos do Código Penal, com a agravante p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02; e
- 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. artigo 86.º, n.º 1, alíneas c) e e), com referência aos artigos 2.º, n.ºs 1 als. p), s), ae) e ar), n.º 3, als. e) e p), e 3.º, n.º 5, al. c), todos da Lei n.º 5/2006, de 23.02.sob forma consumada.
Reagindo à acusação contra si deduzida, o arguido requereu a abertura de instrução.
Com vista à apreciação do pedido de abertura de instrução, o processo foi distribuído ao Juízo de Instrução Criminal de Portimão do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, tendo o Exmº Juiz deste Tribunal proferido, em 23/11/2020, um despacho do seguinte teor:
I. Fls. 1002 e s., requerimento para abertura de instrução apresentado pelo arguido L…: visto.
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1. Da admissibilidade do requerimento.
1.1. Apreciando.
Nos presentes autos o Ministério Público acusou o arguido L… pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, de:
- «1 (um) crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. p. pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. c) e), todos do Código Penal, com a agravante p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02»;
- «2 (dois) crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, p. p. pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e), todos do Código Penal, com a agravante p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02»;
- «1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. artigo 86.º, n.º 1, alíneas c) e), com referência aos artigos 2.º, n.ºs 1 als. p), s), ae) e ar), n.º 3, als. e) e p), e 3.º, n.º 5, al. c), todos da Lei n.º 5/2006, de 23.02».
Notificado da acusação, o arguido requereu a abertura da instrução e reagiu apenas em relação às imputações relativas aos crimes de homicídio qualificado, pugnando antes pela pronúncia por três crimes de ofensa à integridade física privilegiada previstos e punidos pelos «art.ºs 146.º/133.º do Código Penal», cf. artigo 47.º do requerimento de abertura da instrução.
O arguido nada disse em relação ao outro crime cuja prática lhe foi imputada, nem alegou qualquer causa de extinção do procedimento processual penal ou requereu fosse o que fosse, para além da discussão em torno dos crimes de homicídio tentado versus crimes de ofensas à integridade física privilegiada, no requerimento de abertura da instrução.
Sustentamos, com o devido respeito por posição diversa, que o requerimento de abertura da instrução não pode ser recebido.
Enunciamos as nossas razões.
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2. As finalidades legais da instrução estão previstas no artigo 286.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
Resumem-se, em uma síntese muito apertada, em averiguar se a decisão de acusar surgiu de modo fáctico e regular como consequência da actividade precedente, o inquérito.
Quando assim suceda, nas mais das vezes, o(a) arguido(a) será submetido(a) a julgamento.
Quando tal não ocorra o processo será arquivado.
A instrução configura um puro momento de controlo de uma actividade pretérita destinada a evitar a prossecução da causa para a fase do julgamento.
Esta actividade de averiguação (comprovação) está incumbida a uma entidade distinta da acusadora, o Juiz, e não tem carácter oficioso.
Depende de um impulso de terceiro. Este impulso, que se concretiza mediante a apresentação do requerimento de abertura de instrução, pode provir do assistente ou do arguido.
Ora, quando o requerimento é apresentado pelo sujeito processual arguido – e por força das referidas finalidades legais da instrução – mister será que ele apresente um conjunto de razões, encurtando agora argumentos e exposições, de onde resulte, caso sejam atendidas, a não submissão da causa a julgamento, isto é, como consequência da procedência das razões invocadas não haverá julgamento, a causa será arquivada, o processo findará.
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2.1. Na situação em apreço o arguido, dos factos que que se lhe imputam na acusação, só reagiu em relação aos que convocariam os crimes de homicídio tentado.
O arguido “deixou de fora” os factos que se lhe imputam na acusação e que convocam a prática de outro (e de distinta natureza) crime: o crime de detenção de arma proibida p. artigo 86.º, n.º 1, als. c) e e), da Lei 5/2006, de 23/02
O arguido não reagiu contra a acusação quando nesta também se imputa o referido crime de detenção de arma proibida.
Qual a consequência imediata desta opção do arguido?
É que aceita ser submetido a julgamento pela factualidade que integra o crime de detenção de arma proibida.
O que significa inexoravelmente que a causa terá sempre de avançar para a fase do julgamento.
Portanto, em face do concreto “cardápio” oferecido no requerimento de abertura da instrução pelo arguido, a submissão da causa a julgamento é inevitável.
2.2. Em relação à discussão sobre a alteração factual e a pretensão da pronúncia pelos crimes de ofensa à integridade física privilegiada, única matéria que traduz a exposição de razões de discordância no requerimento de abertura da instrução, bom é de ver que a mesma pressupõe também a aceitação da realização da audiência de julgamento por parte do arguido.
O arguido contrapõe às imputações assacadas no libelo três outras para ficarem no lugar daquelas.
O arguido pretende a prolação do despacho de pronúncia pela prática dos crimes de ofensa à integridade física privilegiada.
O arguido não aduz qualquer matéria que impeça a realização julgamento, nem é esse o fito que se descortina no requerimento de abertura da instrução.
Logo, da discussão proposta pelo arguido, da definição do objecto da instrução concretamente recortado no requerimento de abertura da instrução, somos forçados a concluir que, também por aqui, a submissão da causa a julgamento é inevitável.
2.3. Razão porque a admissão do requerimento de abertura de instrução está irremediável e originariamente impossibilitada porquanto:
(i) o arguido exclui do âmbito da discordância, e por aí do objecto da comprovação jurisdicional, a matéria da acusação que convoca o crime de detenção de arma proibida, a decisão tomada pelo Ministério Público de o acusar por tais factos, crime distinto dos outros que no libelo se imputam;
(ii) o arguido cinge a discordância às imputações relativas aos crimes tentados de homicídio e sustenta, ao invés, que no lugar daqueles ficassem os crimes de ofensa à integridade física privilegiada, formulando pedido expresso de pronúncia por estes últimos, assim configurando um objecto da instrução do qual nunca resultará a não submissão da causa a julgamento.
O que significa que a causa terá sempre que prosseguir para a fase subsequente, que haverá sempre julgamento, cf. os Acórdãos da Relação de Évora datados de 08/05/2012, Relator Edgar Valente; de 14/07/2015, Relator Maria Isabel Duarte e de 6/12/2016, Relator João Amaro, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
No último dos Acórdãos referidos exararam-se, para além das teses ou perspectivas em confronto, os seguintes excertos que transcrevo:
«Ora, e a nosso ver, se a finalidade da instrução, determinada no artigo 286º, nº 1, do C. P. Penal, é a decisão acerca da submissão (ou não) dos arguidos a julgamento, o requerimento para abertura da instrução apresentado pelos arguidos não pode, obviamente, exorbitar dessa finalidade, sob pena de, fazendo-o, ser legalmente inadmissível.
A esta luz, não sendo os arguidos eximidos ao julgamento, face aos próprios termos constantes do requerimento para abertura da instrução apresentado pelos mesmos, deve, logo à partida, ser rejeitado pelo juiz de instrução o requerimento para abertura da instrução assim apresentado». (O sublinhado é meu).
Mais recentemente, também da Relação de Évora, no Acórdão de 8/10/2019, Relator Carlos Berguete, acessível em www.dgsi.pt (Proc. 1003/17.1GBABF-A.E1), exarou-se a propósito das duas questões nucleares aqui em causa:
«(…) Ora, por referência àquele art. 286.º, n.º 1, a instrução, no que aqui interessa, visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação “em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”, o que deve ser visto como tendo por subjacente o objecto do processo, ou seja, a causa que esteja sob análise.
Tendencialmente, a instrução abarcará, então, a apreciação desse objecto, ainda que, inevitavelmente, o impulso tenha de pertencer ao requerente, ora arguido/recorrente, que, desse modo, como se referiu, delimitará o âmbito da mesma, nos termos do art. 288.º, n.º 4, do CPP.
Por seu lado, olhando ao art. 287.º, n.º 1, alínea a), aqui se alude a factos pelos quais foi...
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