Acórdão nº 719/10.8GBTMR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 04-11-2020
Data de Julgamento | 04 Novembro 2020 |
Case Outcome | PROVIDO PARCIALMENTE |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 719/10.8GBTMR.E1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I – RELATÓRIO
1. Pelo Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de …, no âmbito do processo coletivo n.º 719/10.8GBTMR, foi efectuado o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido AA, a seguir discriminadas.
Assim, por acórdão proferido em… de Janeiro de 2019 foi deliberado:
«a) OPERAR o cúmulo jurídico por conhecimento superveniente das penas em que o arguido AA foi condenado no processo n.º 259/12.0…, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo Local Criminal de …; no processo n.º 284/12.1…, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo Local Criminal de …; no processo n.º 96/12.2…, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Central Criminal de … - Juiz …; no processo n.º 397/12.0…, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de … -Juízo Local Criminal de …; no processo n.º 35/13.3…, a correr termos Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo Local Criminal de …; no processo n.º 75/13.2…, a correr termos Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Central Criminal de … - Juiz …; no processo n.º 349/12.0…, a correr termos Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Central Criminal de … - Juiz …; no processo n.º 655/10.8…, e nos presentes autos de processo n.º 719/10.8GBTMR, e, em consequência, CONDENAR o arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de 17 (dezassete) anos de prisão;
b) DETERMINAR, ao abrigo do art.º 80.º, n.º 1 do Código Penal, o desconto dos dias de detenção sofridos pelo arguido nos processos mencionados na alínea a) e para efeitos do cumprimento da pena única de prisão;
[…].»
2. De tal decisão interpõe o arguido recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça formulando as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES
1º) Por evidente lapso, ressalvado o devido respeito, o douto acórdão recorrido parte de um pressuposto errado, como os autos evidenciam, podendo ver-se a parte que lhe respeita no texto do acórdão do STJ que fixou o cúmulo jurídico, no proc. nº 349/12.0…, na pena única de 10 (dez) anos de prisão;
2º) Ora, o douto acórdão recorrido assenta na ideia de que a pena única aplicada foi de 15 (quinze) anos de prisão, que foi, realmente, a pena aplicada em 1ª instância, tendo, porém, sido substituída pela pena única de 10 (dez) anos de prisão, por acórdão nos referidos autos proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, que transitou em julgado;
3º) Assim sendo, e adoptando-se o mesmo critério dosiométrico da pena que foi aplicado pelo douto acórdão recorrido, tem de concluir-se que, se não fosse o lapso cometido, a pena única a ser aplicada ao Recorrente não deveria ser superior a 12 (doze) anos de prisão;
4º) Mesmo levando em linha de conta a pena aplicada ao Recorrente no processo nº 719/10.8GBTMR, do Juízo Central Cível e Criminal da … - Juiz …, pelo mesmo critério, a pena única aplicável não seria superior a 12 (doze) anos e 7 (sete) meses;
5º) A personalidade do Arguido, considerada numa perspectiva dinâmica, retrospectiva, mas também prospectiva, levando em conta a maturidade que entretanto desenvolveu, o apoio familiar com que pode contar, conjugada com a natureza dos crimes que praticou, cuja indiscutível gravidade não é, apesar de tudo, tão importante que leve a considerá-lo como portador de uma perigosidade intolerável, bem se podendo dizer que o seu transacto percurso na senda do crime foi o de um pilha-galinhas - justifica, inquestionavelmente, que ao Recorrente se não imponha uma pena que lhe acabe por inutilizar as oportunidades, que se lhe abrem, de regeneração e reinserção social;
6º) O douto acórdão recorrido violou as normas do art. 77º, nº 1, do Cod. Penal, e do art. 410º, nº 2, al. c) do Cod. Proc. Penal.
Termos em que deve conceder-se provimento ao recurso, consequentemente se revogando o douto acórdão recorrido, substituindo-se a pena unitária aplicada ao Recorrente, em cúmulo jurídico, por uma pena não superior a 12 anos de prisão, ou, se se levar em conta a condenação no processo que não foi considerado no cúmulo, numa pena não superior a 12 (doze) anos e 7 (sete) meses de prisão[…]«
3. Respondeu o Ministério Público, concluindo:
«EM CONCLUSÃO
1ª – Resulta dos termos do Acórdão recorrido que o Tribunal a quo, certamente por mero lapso, quando fez operar o cúmulo jurídico das penas, teve em conta que no âmbito do processo n.º 349/12.0…, por Acórdão Cumulatório, ao recorrente foi aplicada a pena única de 15 anos de prisão, quando, em sede de recurso, o Supremo Tribunal de Justiça alterou a decisão recorrida, e condenou o recorrente na pena de 10 anos de prisão.
2ª - Segundo cremos, se o Tribunal a quo se tivesse apercebido do lapso, a pena única que aplicou ao recorrente na decisão recorrida seria inferior aos 17 anos de prisão que veio a fixar.
3ª – Porém, não podemos concordar com o que é defendido pelo recorrente, que se limita a realizar uma mera operação aritmética, de subtração, para concluir que a pena única aplicada nos presentes autos, em sede de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente de penas, deve ser reduzida de 17 anos de prisão para 12 anos de prisão.
4ª - Com efeito, na determinação da medida concreta da pena no âmbito da punição do concurso de crimes, deverá ter-se em conta os critérios gerais da medida de pena estabelecidos no art.º 71º, do Código Penal, respeitante a exigências gerais da culpa do agente e a exigências de prevenção, e ainda ter-se em conta o critério especial estabelecidos no art.º 77º, n.º 1, do Código Penal, “Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
5ª – Assim, entre o mais, será extremamente relevante analisar o efeito previsível que a pena a fixar venha a ter no comportamento futuro do arguido (exigências de prevenção especial de socialização), conforme ensina o Professor Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, 2005, páginas 291 e 292).
6ª - Donde, a realização de uma mera operação aritmética, como pretende o recorrente, sem ter em conta os referidos pressupostos, afigura-se-nos que não deve proceder.
7ª – Para além disso, no âmbito do citado processo n.º 349/12.0…, o Acórdão do STJ que fixou, em sede de recurso, a pena única em 10 anos de prisão, teve em conta na fixação desse quantitativo, os elementos que então dispunha, que são diferentes dos elementos que o Acórdão recorrido, proferido cerca de 3 anos após a referida decisão do STJ, dispunha.
8ª - Por isso mesmo, outros elementos foram considerados a nível da culpa e das exigências de prevenção, nomeadamente da prevenção especial de socialização do arguido.
9ª – Logo, qualquer possibilidade de aplicação de uma mera operação aritmética para reduzir a pena única não deve proceder.
10ª - Em consequência, consideramos que a pena única aplicada pelo doutro Acórdão recorrido deverá ser reduzida, mas tendo em conta os critérios gerais estabelecidos no art.º 71º e os critérios especiais constantes do art.º 77º, n.º 1, ambos do Código Penal, e não por efeito direto de uma subtração.
11ª - O vício invocado pelo recorrente (erro notório na apreciação da prova) é um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidência pela simples leitura do texto da decisão. Ou seja, é um erro de tal maneira evidente que qualquer leitor médio o identifica de imediato.
12ª - É um vício que traduz um defeito estrutural da própria decisão.
13ª - Conforme se refere no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04-02-2015 (processo n.º 42/13.6GCMBR.C1) “Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e à lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade”.
14ª - Da análise do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, conforme exigência do art.º 410º, n.º 2, do CPP, não vislumbramos a existência do citado vício.
15ª - O que ocorreu, conforme já referimos, foi um lapso na indicação da medida da pena aplicada no âmbito do processo n.º 349/12.0…, que terá certamente tido influência na medida da pena única que veio a ser fixada, mas que não deve ser enquadrado em sede do citado vício.
16ª - Por tudo o que se expôs, afigura-se-nos que a decisão recorrida deverá ser alterada, mas nos termos acima mencionados.
4. Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu o proficiente parecer que se transcreve:
«Do recurso
1 - AA não se conformando com a decisão proferida pelo Juízo Central Criminal de …, do Tribunal Judicial da comarca de …, em …/01/2019, que o condenou na pena única de 17 anos de prisão, em resultado do cúmulo jurídico efectuado, da mesma interpôs o presente recurso.
2 - A decisão recorrida, na efectivação do cúmulo jurídico, englobou as penas parcelares aplicadas ao ora recorrente nos processos indicados no ponto V – al. a), com o fundamento de que os crimes respectivos se encontram numa situação de concurso e se verificam as condições estabelecidas nos arts. 77, nº 1 e 78, nº 1, do Código Penal.
A pena aplicável tem como limite mínimo 4 anos e 3 meses de prisão – a pena mais elevada das concretamente aplicadas aos vários crimes em concurso – e como limite máximo a pena de 25 anos de prisão, nos termos do que dispõe o nº 2, do referido art. 78, tendo o Tribunal recorrido fixado a pena única em 17 anos de prisão.
3 - O ora recorrente insurge-se contra a medida da pena única fixada, considerando-a excessiva e invoca a existência de um erro “que decisivamente inquina o acerto da decisão proferida, visto que parte de um pressuposto inexacto.”
Pressuposto esse que consiste na indicação no Relatório e na Fundamentação do acórdão de que o recorrente foi condenado, no processo nº...
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