Acórdão nº 717/13.0PBFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14-10-2014
Data de Julgamento | 14 Outubro 2014 |
Número Acordão | 717/13.0PBFAR.E1 |
Ano | 2014 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na Secção Criminal:
1.No Processo nº 717/13.0PBFAR do 2º juízo criminal do Tribunal Judicial de Faro foi proferida sentença em que se decidiu absolver o arguido A, do crime de violência doméstica do artigo 152.º, n.º1, als. a) e c) do Código Penal, antes o condenando como autor de um crime de injúria do artigo 181º do Código Penal na pena de 1 (um) mês de prisão suspensa na execução por um ano.
Inconformado com o decidido, recorreu o Ministério Público, concluindo:
“A) Face à absolvição do arguido pela prática do crime de violência doméstica, e consequente autonomização do crime de injúria, o Tribunal recorrido não poderia condenar o arguido pela prática do aludido crime de injúria, atenta a não constituição da ofendida como assistente e ausência de acusação particular.
B) Com efeito, nos crimes particulares para que o Ministério Público possa exercer a acção penal é mister que o titular do direito de acusação particular se queixe, se constitua como assistente e deduza a sua acusação – vd. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo I, p. 261.
C) Assumindo a acusação particular a veste de autêntica condição de prosseguibilidade, cuja falta implica sempre a extinção do procedimento criminal – neste sentido Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, p. 120 e Américo Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, Coimbra Editora, 1997, págs. 242 e seguintes.
D) Estipulando o artigo 50.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que, “quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular”.
E) Trata-se, assim, de um pressuposto processual que condiciona a legitimidade do Ministério Público para também nessa parte acusar, e cuja falta dita, nessa parte, a não valia da relação processual.
F) E, como tal cognoscível oficiosamente e a todo o tempo. É uma questão prévia que condiciona o conhecimento de mérito já que a falta dum pressuposto processual dá sempre lugar a uma decisão de cariz meramente processual.
G) Daí que, à luz do direito vigente e não encontrando a situação versada nos autos expressa consagração, o tribunal deve abster-se de se pronunciar de mérito sobre um crime de injúria, por falta de acusação particular, apesar da respetiva factualidade estar integrada na acusação pública por violência doméstica e constar dos factos provados.
H) Ora, carecendo o Ministério Público de legitimidade para acusar quanto a factos autonomamente integrados num crime de injúria, não podia o Tribunal a quo condenar o arguido pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, do Código Penal, por falta de acusação particular. (neste sentido Acórdão da Relação de Évora de 28-01-2014 in www.dgsi.pt).
I) Foram assim violadas as normas contidas nos artigos 181.º e 188.º do Código Penal e 50.º, n.º 1 do Código do Processo Penal.
J) E, em suma, devendo a douta sentença ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido da prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, pelo qual foi condenado.”
O arguido recorreu também, concluindo por seu turno:
“A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença, na qual o arguido A., foi absolvido da prática do crime de violência doméstica, p.p. pelo artigo 152.º, n.º1, alíneas a) e c) do C.P., de que se encontrava acusado, sendo, porém, condenado na prática do crime de injúria, p. p. pelo artigo 181.º do C.P., na pena de 1 (um) mês de prisão, suspensa pelo período de um ano, acrescido do pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça criminal em 2 UCs, e demais encargos legais.
B) Face a absolvição do arguido pela prática do crime de violência doméstica, e consequente autonomização do crime de injúria, que é de natureza particular, o tribunal “a quo” não poderia condenar o arguido pela prática do crime de injúria, tendo em conta a ausência de pressupostos processuais essenciais ao crime de natureza particular, designadamente, a constituição de assistente e a acusação particular por parte da ofendida.
C) O crime de injúria está previsto no Código Penal, no artigo 181.º, no Livro II, Título I, no Capítulo VI.
D) Para os crimes previstos no capítulo supra referido, o procedimento criminal depende de acusação particular, nos termos do disposto no artigo 188.º do mesmo ordenamento.
E) Nos termos do n.º 4 do artigo 246.º do CPP., tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular é obrigatório a constituição de assistente do denunciante.
F) Nos termos do artigo 50.º, n.º 1, também do CPP, “Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistente e deduzam acusação particular.”
G) Quanto a alteração substancial dos factos, decorre do disposto no n.º 3 do artigo 359.º do CPP, que os factos alegados pela defesa que alterem substancialmente a acusação não são livremente conhecidos pelo tribunal, exigindo para o efeito o acordo do arguido, do Ministério Publico e do assistente.
H) É evidente que o legislador, na redacção do n.º 3 do artigo 359.º, levou em consideração as situações em que a figura do assistente é imprescindível, nomeadamente, nos crimes de natureza particular.
I)Não havendo assistente constituído no processo, embora seja imprescindível a existência deste, pela natureza particular do crime, não foi possível obter a concordância do mesmo para a continuação do julgamento, restando prejudicado a alteração substancial dos factos descritos na acusação e a alteração da qualificação jurídica, de um crime de natureza pública (violência doméstica) para um crime de natureza particular (injúria), consequentemente, impossibilitando a continuação do julgamento.
J) O tribunal “a quo” em carácter preliminar, no seguimento da absolvição do arguido, do crime de que vinha acusado, deveria ter questionado da valia duma acusação pública não precedida de uma acusação particular, no segmento da alteração substancial dos factos, integrando a conduta do arguido no crime, autónomo, de injúria, uma vez que no crimes de natureza particular, para que o Ministério Público possa exercer a acção penal, é necessário que o titular do direito de acusação particular se queixe, se constitua assistente e deduza a sua acusação particular, pois só partir daí, o Ministério Público terá legitimidade para prosseguir na acusação e só assim, o tribunal terá jurisdição para dirimir o conflito.
K) Para além de o tribunal “a quo” ter decidido mal quanto à condenação do arguido, ora recorrente, no crime de injúria, sem que para o efeito, tivesse havido a constituição de assistente e a acusação particular, por parte da ofendida, com a devida vénia, o tribunal “a quo”, também decidiu mal quanto à determinação da natureza e da medida da pena aplicada, pois a mesma é excessiva e extrapola as determinações legais contidas nos artigos 40.º, 43.º, n.º 1, 70.º e 71.º, ambos do Código Penal.
L) Ao crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º do Código Penal, o legislador determinou uma punição com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.
M) Da motivação da decisão quanto à matéria de facto, melhor identificada no articulado 3 do presente recurso, constata-se que o arguido, utilizou-se por duas vezes de uma expressão injuriosa para apelidar a sua ex-companheira, no segmento de desentendimentos, motivados pelo facto de a ex-companheira o ter afastado da sua filha, dificultando e impedindo que o mesmo a visitasse, o que o deixava bastante revoltado, levando a que o mesmo desabafasse por intermédio das trocas de mensagens.
N) Toda a factualidade supra referenciada e constante da douta sentença, da qual se recorre, evidencia que a fixação da pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução é excessiva e extrapola a sua finalidade.
O) Nos termos do n.º 2 do artigo 40.º do Código Penal, “ em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
P) Ora, dos factos provados e da motivação da decisão constantes da douta sentença, constata-se que a aplicação de uma pena de multa ao arguido se mostra suficientemente capaz de atender as necessidades de prevenção geral e especial.”
Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-geral Adjunta pronunciou-se no sentido da procedência dos recursos.
Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.
2. Na sentença consideraram-se os seguintes factos provados:
“1. O arguido e B., viveram em condições análogas às dos cônjuges, entre Agosto de 2008 e o início do ano de 2011, tendo dessa relação nascido, em Fevereiro de 2009, uma filha.
2. Todavia, apesar da separação, entre os dias 1/07/2013 e 24/07/2013, o arguido enviou diversas mensagens escritas para o telemóvel da sua ex-companheira B. e a ela dirigidas.
3. Designadamente:
- No dia 01/07/2013, pelas 13:42h: “cuanto mais guzares comigo mais a tua vida anda paara tras não esquesax disse”
- Nesse mesmo dia, pelas 14:00h: “So um homem que não consegues meter os dedos nus olhos e ise um dia vais arependerte i a tarde tude acaba cuando samos apanhados”;
-...
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