Acórdão nº 712/10.0TMCBR-G.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 30-05-2023

Judgment Date30 May 2023
Year2023
Acordao Number712/10.0TMCBR-G.C1
CourtCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I - AA, suscitou o presente incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, contra BB, alegando, em síntese, que o Requerido ficou obrigado a suportar metade das despesas com o filho comum, nomeadamente de saúde médicas e medicamentosas, aparelhos ou materiais médicos, (como, por exemplo, óculos ou de natureza estomatológica), bem como despesas educativas e escolares (nomeadamente as explicações e livros escolares), mediante apresentação dos respectivos documentos comprovativos, e que incumpriu esta obrigação, estando em dívida com o pagamento de € 1.325,65 (mil trezentos e vinte e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescido de juros de mora.
Terminou pedindo o accionamento dos meios para tornar efetivo o pagamento em falta, bem como a condenação do requerido em multa e indemnização em juros de mora.
E atribuiu ao incidente em causa o valor de € 30,000,01.

O Requerido opôs-se, alegando, também em síntese, não ter pago os valores referidos por estarem abrangidos pela pensão mensal de alimentos, conforme sentença proferida no apenso D, à exceção dos valores referentes a metade do custo de carta de condução do filho maior (€ 441) e a metade das despesas com a aquisição de um computador portátil, rato, teclado e adaptador (€731,30), relativamente aos quais entende não estar obrigado, concluindo pela improcedência total do pedido.
Contestou o valor atribuído pela Requerente ao incidente, entendendo que, à semelhança do que sucedeu no referido apenso D, em que se aplicou o estipulado no art 297º/1 do CPC, o valor processual do incidente deverá ser fixado em € 1.325,60, por ser esse o valor que a Requerente pretende nele obter.

Teve lugar conferência de pais, sem acordo.
Os autos prosseguiram para audição técnica especializada, não tendo sido obtido qualquer consenso, assumindo o Requerido o propósito de reatar a relação com o filho, sem correspondência por parte do jovem.
Foi ordenada a continuação da conferência de pais, na sequência da audição técnica especializada, sem acordo.

As partes apresentaram alegações e teve lugar audiência de julgamento, tendo sido ouvidos Requerente e Requerido, o jovem CC e inquiridas duas testemunhas, vindo a ser proferida sentença que julgou improcedente o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais e absolveu o Requerido do pedido, fixando o valor da causa em € 1.325,65 (mil trezentos e vinte e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos).

II – Do assim decidido, apelou a Requerente, que concluiu as respectivas alegações, nos seguintes termos:
Quanto ao segmento de facto da decisão recorrida:
1ª.) – Deve ser aditado a tal decisão a matéria que de imediato se enuncia: 5 -No passado, o Pai pagou as despesas do tipo … , e , posteriormente deixou de as pagar porque as considera irrisórias , e jurisdicionalmente livre delas 6. O Pai deixou de as pagar alegando para justificar tal atitude, que o Filho não tinha a relação afectiva desejada pelo Progenitor Pai (o que se fundamenta na seguinte matéria de facto, provinda do depoimento gravado de BB);
Quanto a decisão de direito recorrida:
2ª.) – A douta sentença recorrida constitui, na parte em que decide pela excepção do caso julgado, uma decisão-surpresa, é processualmente nula por violação do princípio do contraditório, e das garantias constitucionais de um processo justo e equitativo – a qual pressupunha que, antes da sua prolação, a notificação prévia da Recorrente para sobre ela se pronunciar. Atitude processual que contraria as disposições dos arts 2º, 20º da Constituição.
3ª.) – Não ocorre, no caso sub judicio, a excepção invocada do caso julgado, pois que os factos invocados na acção correspondente ao apenso D são diferentes dos invocados no apenso G, no qual foi prolatada a sentença aqui recorrida. Se a excepção de caso julgado supõe a tripla identidade – sujeitos, pedido e causa de pedir, ela não se verifica nesta acção.
4ª.) - Se bem que os sujeitos processuais sejam considerados pela Ex.ma Julgadora do os mesmos, em ambas as lides – o apenso D e o apenso G, são diferentes os factos jurídicos (porque se deve considerar como tal a materialidade de cada concreto acto de despesa feita em benefício do Jovem, na data da sua ocorrência, na sua descrição e o seu montante;
5ª.) - É naturalmente os pedidos não são idênticos. Se bem que enquadráveis na qualificação de pedidos relativos ao estado de pessoas e interesses imateriais são também diferentes os quantitativos reclamados em cada despesa em cada um dos processos, e diferentes os objectos em que tais despesas foram feitas.
6ª.) – O ónus da prova da despesa cumpre-se com a sua alegação e demonstração pelo Progenitor que a fez; e que foi feita documentalmente e por presunções judiciais.
7ª.) - A ora Recorrente, para além de ter cumprido o ónus probatório a seu cargo, por meio de documentos, beneficia, igualmente das presunção judicial. Meio de prova, emergente do direito probatório civil, que a douta sentença recorrida não considerou.
8ª.) - Nessa medida, segundo as regras legais de repartição do ónus da prova, seria ao aqui Recorrido que cumpria provar a sua dispensabilidade segundo o regime legal e jurisdicionalmente aplicável.
9ª.) – A situação configurada pelos autos configura abuso de direito, matéria de conhecimento oficioso. Não tendo considerado o caso sub judicio à luz do princípio da proibição do abuso, a decisão recorrida incorreu, também, em erro de julgamento.
10ª.) – A despesa com tratamento dentário está incluída no compromisso entre os Progenitores- parte da regulação inicial, e nunca alterada – na qual se auto-compuseram, sendo a sentença meramente homologatória do acordo.
11ª.) – As despesas com a obtenção de computador acessórios são para o Jovem CC indispensáveis, dada a sua condição de estudante universitário que estuda Engenharia Informática.
12ª.) – Está na mesma condição de indispensável a despesa com a formação como condutor, isto é a chamada “obtenção” da carta”.
13ª.) – Nunca o Pai pediu a alteração dessa regulação – e apenas por essa via poderia conseguir a mudança desse compromisso, seja mediante novo acordo de pais, seja por decisão directa da Juiz.
14ª.) – Os acordos entre Pais interpretam-se segundo as regras gerais, e tal não pode ser o “thema decidendum“ dos presentes aotos, seja porque a Recorrente não colocou tal questão como pressuposto do pedido deduzido no requerimento inicial; nem a colocou o Réu.
15ª.) - Requerido que se limitou a dizer que “não era obrigado”, sem especificamente ter pedido em Juízo a sua interpretação e deixando a Autora na impossibilidade de exercício do contraditório sobre a questão da interpretação.
16ª.) - Numa lide deste tipo, está sempre em causa o interesse imaterial e o estado das pessoas, pelo que o respectivo valor processual não pode ser inferior a Euro 30,000,01.
17ª.)- A decisão recorrida ofende o caso julgado que se formou através da sentença homologatória do acordo de pais, nunca modificado. Caso julgado que admite o recurso que a Requerente desta decisão aqui interpõe, por considerar-se vencida, como é, e independentemente do valor materialmente peticionado.
19ª.) – A douta decisão recorrida violou, entre outras, as disposições dos arts. 370º. , 351º., 376º., do Cód. Civil, dos arts. 2º., 3º,. 580º., 581º. do Cód. Proc Civil, do art. 2004º. Do Cód Civil, , pelo que deve ser revogada e substituída por outra que conceda provimento ao recurso, julgando o incidente procedente

O Requerido não apresentou contra-alegações.

III - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. CC nasceu a .../.../2001, sendo filho de BB e de AA.
2. As respetivas responsabilidades parentais foram reguladas por acordo dos seus progenitores, homologado por sentença de .../.../2011, transitada em julgado, proferida no âmbito da ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, de que os presentes autos são apenso, tendo ficado estabelecido, para além do mais, o seguinte:
d) O pai pagará, a título de alimentos, a quantia mensal de Euros: 250 (duzentos e cinquenta euros), valor que creditará em conta bancária titulada pela requerente mãe, e de que o mesmo tem já conhecimento, até ao dia 05 do mês a que disser respeito e será atualizado anualmente, no mês de Janeiro, em função do índice de atualização das rendas previsto anualmente para o ano civil seguinte;
e) O montante assim acordado é devido a partir da presente data, pelo que deve o pai proceder ao pagamento de metade da mensalidade até ao final do corrente mês;
f) O pai suportará ainda metade das despesas com o menor, nomeadamente de saúde (médicas e medicamentosas, aparelhos ou materiais médicos, como por exemplo óculos ou de natureza estomatológica), bem como despesas educativas e escolares (nomeadamente as explicações e livros escolares) mediante apresentação dos respetivos documentos comprovativos.
3. A requerente realizou com o filho CC as despesas elencadas no artigo 6.º do requerimento inicial.
4. CC frequenta o ensino superior e estuda engenharia informática na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de .... 5. No âmbito do apenso D, em incidente de incumprimento das responsabilidades parentais que opunha os aqui Requerente e Requerido, em 25 de julho de 2017, foi proferida sentença, nos termos da qual foi decidido, além do mais, o seguinte:
6.- “VALOR DA AÇÃO: Em conformidade com o disposto no artigo 306º, números 1 e 2, do Código do Processo Civil, não comportando a presente ação a prolação de despacho saneador, compete fixar o valor à causa neste momento.
Para tanto, importa ter presente o disposto no artigo 296º, número 1, do Código do Processo Civil, nos termos do qual “A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso
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