Acórdão nº 7/21.4GAVRM.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18-06-2024
Data de Julgamento | 18 Junho 2024 |
Número Acordão | 7/21.4GAVRM.G1 |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:
I. RELATÓRIO
1. No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 7/21...., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... - Juízo Local de Competência Genérica de ..., em que é arguido AA, realizado o julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
« VII - DISPOSITIVO:
Pelo exposto, julgo a acusação pública procedente, por provada, e, em consequência, decido:
1. Condenar o arguido AA, como autor material e na forma consumada, da prática de dois crimes de ameaça agravada previsto e punido pelos artigos 153.º e 155.º, n.º1, al.a) do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), por cada um dos crimes;
2. Condenar o arguido AA, como autor material e na forma consumada, da prática de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelos artigo 86.º, n.º1, alínea e) da Lei 5/2006, de 23.02 na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);
3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares elencadas em 1) e 2) condenar o arguido AA na pena única de 170 (cento e setenta) dias de multa, à taxa diária de 5,00€ (cinco) euros, perfazendo o montante global de 850,00€ (oitocentos e cinquenta) euros;
Pedido Cível:
4. Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante/assistente, BB, contra o demandado/arguido, AA e, em consequência condenar o arguido/demandado, a pagar ao demandante a quantia de 500,00€ (quinhentos) euros, absolvendo-o do restante peticionado;
5. Condenar ainda o arguido nas custas do processo, na parte criminal, que compreendem, designadamente, taxa de justiça, que fixo em duas UC’s, e nas demais custas do processo nos termos do artigo 513.º, do Código de Processo Penal.
6. Sem custas cíveis, face à isenção prevista no artigo 4.º, n.º1, alínea n) do RCP – art.º 527.º do CPC ex vi art.º 4.º do CPP.
7. Valor do pedido de indemnização civil: 2.000,00€ (dois mil euros) – art.s 296.º, 297.º e 306.º do CPC ex vi art.º 4.º do CPP.
8. Declarar perdidas a favor do Estado as 49 (quarenta e nove) munições de arma de fogo de calibre 6,35 mm Browning, da marca ...” e as 20 (vinte) munições de arma de fogo (cartuchos) de calibre 12 Ga, da marca ...”, apreendidas à ordem destes autos.
Após trânsito em julgado da sentença:
- remeta boletim ao registo criminal – artigo 374º, n.º3, alínea d), do Código de Processo Penal.
- Cumpra o disposto no art.º 78.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Armas e Munições»
*
2. Não se conformando com essa condenação, o arguido recorreu da sentença, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:“(…)
« CONCLUSÕES:
1. Incorre na prática do tipo legal de crime previsto no art.º 153º, n.º 1 do CPen. “Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade de autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação”.
2. O bem jurídico protegido pelo art.º 153.º é a liberdade de decisão e de acção.
3. De acordo com o disposto no nº 1, al. a) do art. 155º do CPen., a pena prevista naquele artigo sofrerá uma agravação se se consubstanciar com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos, assumindo dessa forma a natureza de crime público.
4. O actual regime da ameaça exige apenas que aquela seja susceptível de afectar, de lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha afectada a liberdade de determinação do ameaçado.
5. Essa exigência da “adequação” é inferida de acordo com as regras da experiência comum, ou seja, quando tendo em conta as circunstâncias em que a ameaça é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do “homem comum”).
6. Em relação aos elementos objectivos, evidencia-se desde logo como característica essencial ao conceito de ameaça o mal futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente, realçando-se a necessidade de que o mal integrador da ameaça, não pode ter um carácter iminente e contemporâneo desta, mas antes constituir o anúncio intimador de uma acção futura.
7. E como elemento subjectivo exige-se o conhecimento de todos os elementos objectivos deste ilícito e a vontade de os realizar, consistindo esta vontade no dolo (dolo genérico) em qualquer uma das modalidades (directo, necessário ou eventual), nos termos do disposto no art.º 14.º, do Código Penal.
8. O ilícito em análise preenche-se, pois, com um comportamento activo do agente susceptível de afetar ou de lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha ficado afetada a liberdade de determinação do ameaçado, bastando que a ameaça seja adequada a tal.
9. “Mas, para que haja ameaça, é também necessário que esta se traduza na prática de um crime contra a liberdade pessoal, devendo a conduta típica do agente gerar insegurança, intranquilidade ou medo no visado, de modo a condicionar as suas decisões e movimentos dali em diante, o que não acontecerá se a ameaça for de um mal a consumar-se no momento, porque entra já no campo da tentativa do crime integrado pelo mal objecto da ameaça”. (cfr. ac. TRP de 17/11/2004, in www.dgsi.pt).
10. Assim, pressuposto típico nos termos já supra referidos, é o anúncio de um mal futuro.
11. “Há o anúncio de um mal futuro sempre que as palavras suscetíveis de provocar medo ou intranquilidade não tiverem sido proferidas na iminência da «execução» do crime anunciado, no sentido em que esta expressão é tomada para os efeitos de tentativa.” (cfr. ac. TRG de 18/11/2013, in http://www.dgsi.pt)
12. A sentença em apreço apenas relata que o arguido, no dia ../../2020, cerca das 11h30, disse ao assistente e seu irmão, em tom sério “dou-te uma bofetada na cara e dou-te um tiro”, e que no dia ../../2021, cerca das 09h30, disse novamente ao seu irmão, em tom sério e grave “dou-te uma bofetada na cara e um tiro”. 13. Daqui decorre, de forma evidente, que tais expressões deixam antever que não houve o anúncio de um mal futuro, mas antes de um mal imediato, ou iminente, ou no decurso de tentativa de execução do crime da ofensa à integridade física.
14. Com tal expressão há o anúncio de um mal presente, que começa e acaba ali: ou porque é executado de imediato, ou porque o arguido desiste de o executar, sem que o mal anunciado se projete na liberdade de decisão e de acção futura do assistente.
15. Pelo que não é correcto concluir que tais frases foram adequadas a provocar no assistente medo e inquietação e capazes de lesar a sua paz e liberdade de autodeterminação.
16. De resto, no contexto fáctico dado como provado, ao proferir tais expressões o arguido não queria advertir o assistente para a ocorrência de um mal futuro; quando muito, tais expressões traduzem um aviso hipotético que, a acontecer, seria logo executado.
17. Além de se tratar de duas expressões crédulas, que denotam uma certa ingenuidade e brandura, estranha e curiosamente iguais, apesar de separadas por quase um ano de intervalo, corroboradas apenas pela enteada e pela esposa do assistente, é também certo que o arguido e assistente são irmãos, desavindos há vários anos.
18. É, pois, forçada e descontextualizada, e por isso não se pode aceitar, a conclusão do Tribunal a quo quando afirma que “não teve quaisquer dúvidas de que nas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritas nos factos provados, o arguido dirigiu ao assistente as ameaças constantes dos factos provados, com a intenção de causar medo e inquietação àquele constrangendo-o na sua liberdade de determinação, bem sabendo que o seu comportamento era adequado a causar temor, o que representou e ainda assim actuou da forma descrita”.
19. É certo que no caso sub judice a ponderação da prova foi realizada ao abrigo do princípio da sua livre apreciação, ínsito no art.º 127.º do CPPen., onde se estipula que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”
20. Contudo, sendo esta uma apreciação discricionária, não é a mesma arbitrária, tendo a referida apreciação os seus limites. 21. Ou seja, a livre apreciação da prova tem sempre de se traduzir numa valoração “racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência (…), que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão” de modo a que seja possível, por qualquer pessoa, entender porque é que o tribunal se convenceu de determinado facto. 22. Ora, nessa avaliação probatória e na aferição global de toda a prova produzida, designadamente, como a da situação presente, o juiz deve fazer essa exegese segundo as regras da experiência comum, com bom senso e de acordo a normalidade da vida e o sentido das coisas. 23. Sucede que o cenário factual dos autos não se mostra suficientemente objectivado e motivado, isto é, de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada.
24. É que o conceito de ameaça, como já antes se referiu, preenche-se apenas com um mal futuro que constitua crime, de natureza pessoal ou patrimonial, cuja ocorrência dependa da vontade do agente. 25. “Quando da prova não resulte inequivocamente se o mal anunciado é ou não futuro ou, sequer, que qualquer homem médio, com as caraterísticas do ofendido, o entendesse como exprimindo uma ideia de futuro, levantando-se dúvida séria sobre a verificação de tal elemento de facto, deverá ela ser solucionada a favor do...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO