Acórdão nº 7/14.0T3MFR.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 17-12-2015

Data de Julgamento17 Dezembro 2015
Número Acordão7/14.0T3MFR.L1-9
Ano2015
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1. No âmbito do processo comum n.º 7/14.0T3MFR, da Comarca de Lisboa Oeste – Instância Local de WW– Secção Criminal – J1, foram submetidos a julgamento, com intervenção de Tribunal Singular, os arguidos AA (…) e BB (…), acusados da prática, em coautoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de falsificação, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 255.º, al. a), 256º, nºs 1, al. c) e 3, e 30.º, n.º 2, e de um crime de burla, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 217.º, n.º 1, e 30.º, n.º 2, todos do Código Penal.

Realizado o julgamento vieram os arguidos a ser absolvidos, por sentença proferida e depositada em 11 de Junho de 2015, da prática dos crimes pelos quais estavam acusados.

2. O Ministério Público, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

"1 - Os arguidos AA e BB vinham acusados da prática, em co-autoria material de crime de falsificação, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 256º,nº1, al. c) e nº 3 e em concurso efectivo com um crime de burla, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 217º, nº1, todos do Código Penal.

2 - Realizado julgamento foi proferida sentença absolutória de ambos os arguidos. Os factos que constam do elenco probatório não autorizam a ilação jurídica de absolvição de ambos os arguidos.

3- O Tribunal conclui que não foi feita prova da especial intenção que ambos os crimes exigem, valorando a versão apresentada pela arguida de que vinha adiantando dinheiro em nome do condomínio e que falsificou os cheques, depositando-os, para reaver esse dinheiro.

4 - Sucede que a sentença não indagou quais os concretos valores em dívida e quais os cheques que a arguida utilizou para se ressarcir desse valor.

5 - O arguido foi absolvido porque não se provou que tivesse conhecimento da conduta da arguida, pois a esta cabiam as tarefas administrativas e financeiras da gestão do condomínio.

6 - Contudo o tribunal não indagou, nem fixou, na matéria de facto dada como provada, a divisão de tarefas dos arguidos e quais as que cabiam em concreto ao arguido.

7 - Verifica-se a insuficiência para a decisão da matéria de facto provado, vício previsto no artigo 410º, nº2 do C.P.P., o qual se arguiu para os devidos efeitos.

8- O facto dado como provado em 9) e o facto dado como não provado em 1) espelham a mesma realidade, pelo que não podem estar simultaneamente no elenco dos factos provados e dos não provados.

9 - O facto dado como não provado em 3), ou seja que arguida se apropriou da quantia de €3.815,95 está em contradição com o facto dado como provado em 9), no qual são descritos os nove depósitos efectuados pela arguida, na sua conta, no valor global de €3.815,95. Se a arguida logrou o depósito dos cheques apropriou-se do dinheiro.

10 - Na fundamentação a Meritíssima Juiz a quo incorre em contradição quando, na mesma frase, afirma que as testemunhas de acusação confirmaram a repartição de tarefas admitida pelos arguidos e, logo a seguir, conclui que as mesmas testemunhas não confirmaram nem infirmaram o relato dos arguidos.

11 - As apontadas contradições integram o vício previsto no artigo 410º, nº2, al. b) do CPP, pelo que a sentença é nula.

12 - A sentença deu como provado que a arguida falsificou nove cheques e que procedeu ao depósito dos mesmos em conta por si titulada.

13 - Incorre a sentença em erro notório na apreciação da prova quando dá como assente que a arguida falsificou nove cheques e os depositou na sua conta, não sendo a absolvição compaginável com tal realidade.

14 - A consciência da falsidade, concretizada na assunção dos factos pela arguida, por si só, é suficiente para dar como provada a intenção de causar prejuízo ao condomínio e a intenção de enriquecimento ilegítimo e, consequentemente, concluir-se pela condenação da arguida.

15 - O erro na apreciação da prova é notório a qualquer pessoa que leia a sentença, pois não se percebe perante os factos provados a absolvição da arguida, pelo que incorre a sentença no vício previsto no artigo 410º, nº2, al c) do C.P.P., que se arguiu para os devidos efeitos.

16 - Na fundamentação o Tribunal limitou-se a sumular as declarações dos arguidos e das testemunhas e a indicar as folhas onde estão os documentos juntos aos autos pelos arguidos.

17 - Que documentos relevaram, e para que efeitos, isto é, para que concretos factos provados contribuíram, directa ou indirectamente, isoladamente ou em conjunto com outros meios de prova, para a formação da convicção é o que se desconhece, porque a sentença não o diz.

18 - O princípio “in dubio pro reo” não serve para colmatar as insuficiências do exame crítico da prova.

19 - Se o Tribunal não examinou criticamente a prova não pode concluir pela dúvida razoável; a dúvida surge depois de uma actividade de reflexão e depois de esgotadas as possibilidades de investigação, percursos racionais que não se encontram espelhados na sentença.

20 - A falta de exame crítico das provas, imposto pelo artigo 374º, nº2 do Código de Processo Penal e a consequente insuficiência da fundamentação determina, nos termos do artigo 379º, nº1, al. a), a nulidade da sentença.

21 - No âmbito do inquérito foi requerido ao LPC da PJ exame pericial à letra dos arguidos, dos representantes do condomínio e das assinaturas constantes dos cheques descritos na acusação, concluindo-se no que respeita aos cheques com os números 3600547167 e 6100547175 (os únicos que admitiram a realização do exame por se tratarem de originais), concluindo-se como muito provável que a assinatura dos mesmos tinha sido feita pela arguida AA.

22 - A Meritíssima Juiz a quo fez tábua rasa do exame pericial à letra junto à acusação, omissão que até compreenderíamos perante a admissão dos factos por parte da arguida.

23 - Já não compreendemos tal omissão quando o Tribunal conclui que: “olhando às assinaturas dos cheques logo ressalta dos mesmos que foram assinados pelo mesmo punho, de imediato se descortinando uma situação de falso grosseiro, juridicamente enquadrável numa tentativa impossível e não punível, nos termos do artigo 23º , nº3 do Código Penal.”

24 - O Tribunal ao concluir em sentido diverso do exame pericial, sem fundamentar e sem fazer referência ao mesmo, violou o disposto nos artigos 126º e 127º do Código de Processo Penal, sendo a sentença nula por omissão de pronúncia nos termos do disposto no artigo 379º, nº1, al. c) do Código de Processo Penal.

25 - Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 412.º nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que respeita à arguida AA por se entender que o Tribunal a quo apreciou erradamente a prova, resultando tal erro da análise da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, interpretada à luz das regras da lógica, da experiência e da normalidade.

26 - O Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos descritos nos pontos 1), 3), 4), 6), 7), 8) e 9) (verifica-se que os factos na sentença não estão numerados sequencialmente, inexistindo facto nº 5) dos “Factos Não Provados”, no que respeita à arguida AA.

27 - A prova produzida impõe decisão diferente no que respeita à arguida.

28 - A arguida no seu depoimento, na sessão de julgamento de 4/06/2015 (acta de fls. 338), declarou o seguinte (gravação digital 01506040902_3550863 _2871369.wma, 01:05 a 02h43):

Arguida: “(…) eu admito que assinei cheques que não deveria ter assinado...ha…assinei no sentido de porque eu…como é que eu hei-de explicar…havia alturas em que o prédio não tinha dinheiro suficiente em conta e eu para não depositar cheques que me tinham sido passados e depois correr o risco de virem devolvidos e depois originar problemas ao prédio, eu por vezes adiantava do meu dinheiro. Eu não o deveria ter feito e de facto assinei cheques, falsificando assinaturas de ambos os titulares para fazer levantamentos para reaver desse dinheiro que eu tinha pago”.

Juiz: “A senhora está a dizer que os condóminos, que CC e DD… essas duas pessoas tinham conhecimento que a senhora fazia isto?”

Arguida: “Não, não. Que eu tinha os cheques no escritório… não tinham conhecimento disso.”

(gravação digital 201506040902_3550863_2871369.wma, 07:01 a 08:20)

Juiz: “Os cheques que estão aqui elencados na acusação, a senhora admite que foi a senhora…que assinou?”

Arguida: “sim, sim…”

Juiz: “Aqui diz-se que os senhores se apropriaram da quantia de €3,815,95 que pertenciam ao condomínio.”

Arguida: “Não, não senhora doutora juíza. Isso não é verdade. Eu de facto falsifiquei as assinaturas, levantei os cheques, mas foi para me pagar das despesas que eu tinha pago. Aliás todos os cheques estão justificados com essas mesmas despesas e os comprovativos de depósitos e transferências. Eu levantei exactamente para me poder pagar senão também ficava eu prejudicada. E hoje estou arrependida porque sei que não o devia ter feito. Tentei ajudar e acabei…se calhar também ficava prejudicada de outra forma porque automaticamente prejudicava o prédio (…).”

(gravação digital 20150604100311_3550863_2871369.wma, 00:00 a 01h16)

Procuradora-Adjunta: “Porque é que não pediu ao Sr. CC e à Sra. DD para passarem os cheques?”

Arguida: “Olhe Senhora Doutora por parvoíce (…)”.

29 - Na sessão de julgamento de 4/06/2015 (acta a fls. 339), a testemunha CC declarou, além do mais, o seguinte:

(gravação digital 20150604102629_3550863_2871369.wma, 08h20 )

Procuradora-Adjunta: “(…) como é que teve conhecimento destes cheques que estamos aqui a tratar hoje?”

Testemunha: “(…) fui alertado pelo Banco ZZ por um telefonema, atenção que temos aqui um cheque para pagamento que não tem cobertura. A conta não tem dinheiro. (…) Fui alertado por isso porque nessa altura era o nosso nome, meu e da D....

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