Acórdão nº 697/10.3TXEVR-C.S1. de Supremo Tribunal de Justiça, 24-05-2017
Data de Julgamento | 24 Maio 2017 |
Case Outcome | INDEFERIDO |
Classe processual | HABEAS CORPUS |
Número Acordão | 697/10.3TXEVR-C.S1. |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
I. – RELATÓRIO.
AA, arguido nos autos acima identificados, encontrando-se a cumprir pena de prisão no estabelecimento Prisional de ... e aguardar a concessão da liberdade condicional aos 5/6 da pena de prisão, por decisão proferida nestes mesmos autos, vem, ao abrigo do artigo 31.º da CRP e dos artigos 222.º e 223.º do CPP, requerer providência de habeas Corpus, em virtude de prisão ilegal, com os seguintes fundamentos:
“1.º Em 16/05/2017, o arguido, ora recorrente, deverá ser colocado em liberdade condicional, em virtude de ter atingido os 5/6 da pena de prisão.
2.º Certo é que, o arguido apesar de se encontrar inimputável, por força da doença, esquizofrenia, que adveio posteriormente à condenação, pelo que está a cumprir pena de prisão, não pode ser considerado criminalmente perigoso, nos termos dos artigos 104.º e 105.º do CP, não pode o arguido ser prejudicado no seu direito à liberdade.
3.º Não pode ser condição, nem fundamento para a não apreciação da liberdade condicional, impedindo o arguido de beneficiar da liberdade - direito constitucionalmente garantido – consagrado na CRP.
4.º A aplicação da liberdade condicional assenta num juízo de prognose, que embora ponderado e cuidadoso, não deixa de ser um juízo de probabilidade e não de certeza, daí que, deve aferir-se no caso sub judice.
5.º Entende o arguido, ora recorrente, que não assiste razão ao Meritíssimo Juiz do Tribunal de Execução de Penas, pois a aplicação desta norma, vertida no n.º4 do art.º 61.º do CP, opera de forma automática, o julgador não dispõe de nenhum poder discricionário, nem sequer um poder dever, na aplicação desta norma, nem tão pouco a sua aplicação está sujeita a qualquer outro requisito que não seja o decurso de 5/6 da pena – a imperatividade da norma obriga à sua aplicação, a liberdade condicional aqui é obrigatória por força da lei.
6.º Assim sendo, nos termos do artigo 61.º n.º1 e n.º4 do CP, o arguido é colocado em liberdade condicional quando houver cumprido os 5/6 da pena de prisão, apesar do arguido ter consciência do seu estado de saúde e da necessidade permanente de acompanhamento psiquiátrico, não apresenta perigosidade criminal para a sociedade.
7.º Pois, o arguido tinha fundadas expetativas na concessão da liberdade condicional aos 5/6 do cumprimento da pena de prisão, além do mais, também, deu o seu consentimento para tal, demonstrado, assim, vontade em ir viver para uma instituição, onde poderá efetivamente dar continuidade ao seu tratamento psiquiátrico e manutenção da abstinência.
8.º Face à sua vontade de ser institucionalizado e ao comportamento de consciencialização de tratamento permanente, e, simultaneamente, relatórios médico legais, bem como, as declarações do arguido e respetivo consentimento na liberdade condicional, entende o arguido que não apresenta perigosidade criminal e não pode ser impedida a liberdade condicional além dos prazos fixados por lei, nos termos da alínea c) do artigo 222.º do CPP.
9.º Além do mais, a inimputabilidade a que o arguido está sujeito por força da sua doença, não irá cessar após o cumprimento do termo da pena, não podendo, pois, o recorrente ser prejudicado na sua liberdade pelo facto de permanecer inimputável.
10.º Face a essa inimputabilidade, o arguido, ora recorrente, será atualmente e posteriormente sempre inimputável, pese embora à data dos factos, pelos quais foi condenado a pena de prisão, fosse imputável.
11.º Com o devido respeito pela opinião vertida na decisão de que ora se recorre, entende o arguido, ora recorrente, que verifica-se uma clara violação de um direito consagrado na CRP e, consequentemente, a liberdade condicional automática, prevista no n.º4 do artigo 61.º do CP.
1. Pelo exposto, o requerente encontra-se ilegalmente preso nos termos da al.c) do n.º2, artigo 222.º do CPP, em clara violação dos artigos 27.º CRP, artigo 61.º, artigo 104.º n.º2 e artigo 105.º CP.
2. Assim sendo, deve ser declarada ilegal a prisão após a conclusão dos 5/6 da pena, ou seja, após 16/05/2017, e ordenada a sua imediata libertação, nos termos do artigo 31, n.º3 da CRP, e dos artigos 222.º e 223.º n.º4 al. d) do CPP.
(…) deve ser declarada a ilegalidade da prisão, por ultrapassar os 5/6 da pena de prisão e, consequentemente, ordenada a libertação imediata do recorrente.”
I.a). – Informação a que alude o artigo 223º do Código Processo Penal.
O Senhor Juiz do Tribunal de Execução de Penas do Porto, em face do circunstancialismo que rodeia a situação prisional do arguido estimou dever prestar a informação devida nos termos do artigo 223º do Código Processo Penal, que aqui se deixa transcrito.
“Independentemente do facto de o condenado AA (nascido a 14mar1972, titular do BI ...), não se mostrar preso à ordem dos autos deste Tribunal de Competência Territorial Alargada de Execução das Penas Porto (actual Unidade Processual ...– Juiz ...extinto ....º Juízo do Tribunal de Execução das Penas do ...) (PUR 697/10.3TXEVR, apenso A de Liberdade Condicional, ou C de Internamento), mas sim em cumprimento de pena em regime de internamento (MSI) (face a anomalia psíquica posterior, com as características do art. 91.º CP, determinada nos termos do art. 105.ºCP), pena essa a cumprir à ordem dos autos da condenação (NUIPC 113/05.2PDBRR (extinto 1.ºJCrTJBarreiro actual TJComarca Lisboa – Almada – IC 2.ªSCr J2)), o que sempre valeria para os termos da exigida apresentação da petição de Habeas Corpus à autoridade à ordem da qual aquele se mantem preso, o certo é que é face às decisões proferidas em 24mai2014 e 16dez2016, transitadas em julgado, que a questão se mostra colocada, ainda que sob a égide de Habeas Corpus, emitir-se-á de imediato a informação a que se refere o art. 223.º do CPP.
1. AA, por Ac. de cúmulo jurídico, de 9out2008, transitado em julgado em 29out2008, proferido no NUIPC 113/05.2PDBRR (extinto 1.ºJCrTJBarreiro actual TJComarca Lisboa – Almada – IC 2.ªSCr J2), foi condenado na pena única de 14A de prisão e 250D de multa.
2. Tal decisão engloba as penas dos NUIPC’s
a) 113/05.2PDBRR (1.ºJCrTJBarreiro) – 8A6M de prisão – 1 crime de roubo agravado – 210.º/2b)CP
b) 7372/02.0TACSC (2.ºJCrTJCascais) – 150D de multa – 1 crime de dano simples – 212.º/1CP
c) 245/05.2GBSSB (TJSesimbra) – 150 D de multa – 1 crime de detenção ilegal de arma – 86.ºRJAM
d) 1014/04.7PTBRR (2.ºJCrTJBarreiro) – 3M de prisão, inicialmente substituída por 135D de multa, com revogação posterior da substituição – 1 crime de condução em estado de embriaguez – 292.º/1CP
e) 675/05.4PFFAR (1.ºJCrTJFaro) – 7A de prisão – 1 crime de roubo agravado – 210.º/2b)CP + 3M de prisão – 1 crime de detenção ilegal de arma – 86.ºRJAM
f) 294/04.2GBMTA (2.ºJTJMoita) – 11M de prisão – 1 crime de ofensa á integridade física qualificada – 145.º/CP
3. Por decisão de 7abr2011 do TEP-Évora, tendo posteriormente à prática dos factos dos autos da condenação sobrevindo ao condenado uma esquizofrenia paranóide com delírio de identidade, geradora de inimputabilidade com perigosidade, foi ordenado o internamento do condenado, com limite ao máximo da pena a cumprir.
4. Tem ½ de pena de prisão vencido em 28abr20123 e ⅔ a 28ago2014
5. O termo de pena (ora limite máximo do internamento) está fixado para 28abr2019.
6. A este acrescem 166D de prisão subsidiária, pelo que o limite se pode estender até 11out2019.
7. A situação do internado foi apreciada em 26mai2014 e em 16dez2016, ambas com trânsito em julgado, nenhuma sujeita a recurso, mantendo-se o internamento.
8. Na decisão de 16dez2016, transitada em julgado e não sujeita a recurso (tal qual já se havia referido na decisão de 26mai2014, também transitada em julgado e não sujeita a recurso) expressamente se consignou, quanto à matéria de aplicação da regra de ⅚ o seguinte:
“Entendemos que às situações em que no decurso da execução duma pena de prisão sobrevém ao agente uma anomalia psíquica geradora de inimputabilidade perigosa não se aplica a regra de ⅚ de pena.
De facto, especificamente quanto à situação da chamada liberdade condicional necessária ou obrigatória, de funcionamento ope legis, visa-se com a mesma satisfazer objectivos de prevenção especial de socialização relativamente a condenados que, porque sujeitos a uma longa privação da liberdade, deixam antever maiores dificuldades no regresso à vida em sociedade livre (cfr. A. M. de Almeida Costa, in Passado, Presente e Futuro da Liberdade Condicional no Direito Português, em concreto Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, LXV.º Vol., p. 433 e ss.). De facto, o legislador, em sintonia com o quanto da ciência se colheu, consagrou a tese limitativa de execução plena da pena superior a 6 anos, com base no facto de a mesma conter em si mesma e pela sua latitude, comummente, efeitos perversos, dessocializadores e até criminógenos. Nesta medida, com a obrigatoriedade do resultante período de transição, procura-se satisfazer a dupla necessidade da defesa da colectividade e da reintegração dos delinquentes, aqui também, e mais uma vez, em sintonia com as finalidades das penas, enunciadas no art. 40.º/1CP (cfr. Sandra Oliveira e Silva, in A liberdade condicional no Direito Português: Breves Notas, p. 13).
Já tendo operado uma situação de reporte ao art. 105.º/1CP, as regras são as do art 99.º/2, 3, 4 e 5CP, por via do art. 105.º/3CP. E, de acordo com o art. 99.º/5CP, aplica-se o art. 61.º/1 e 5CP, mas já não o art. 61.º/4CP.
E compreende-se, pois o quanto está em causa presentemente é o tratamento de inimputável perigoso, por via de internamento, e este tem em vista, por um lado, livrar a comunidade da presença de um cidadão que a põe em perigo por não se comportar de acordo com os valores éticos, morais e sociais da mesma, mas, por outro, e o mais relevante, fazer cessar no internando o estado de perigosidade criminal que deu origem ao internamento, fazendo regressar ao convívio da...
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