Acórdão nº 689/08.2TBOHP.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 12-11-2013

Data de Julgamento12 Novembro 2013
Número Acordão689/08.2TBOHP.C1
Ano2013
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

I- RELATÓRIO
1. O A. L (…) instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinária, contra os RR. A (…) e M (…), pedindo a condenação dos réus a restituir ao autor a quantia de € 42 398,00, actualizada à taxa média liquida anual de 4%, correspondente ao período de 58 meses, no total de € 8 196,95 acrescida dos juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral restituição daquela quantia.
Para tanto, alegou, em síntese, ter celebrado e reduzido a escrito, no dia 12 de Julho de 2002, contrato-promessa de compra e venda, que teve por objecto metade de um prédio urbano, sito em Galizes – Nogueira do Cravo, pelo preço ajustado de € 42 398,00; no acto de assinatura do contrato, o autor entregou ao réu, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 12 398,00, entregando, por conta do preço, em Outubro de 2002 e em Janeiro de 2003, outros € 30 000,00, assim pagando a totalidade do preço estipulado; na data da outorga da escritura pública, os réus recusaram-se a fazê-lo, sob o pretexto de nela constar não só a metade indivisa do prédio prometido vender, como metade indivisa de um outro prédio de que são donos, que não havia sido objecto deste contrato-promessa; a execução específica já não é possível na medida em que a metade indivisa do prédio objecto do contrato-promessa deixou de pertencer aos réus, tendo sido vendida em acção de divisão de coisa comum; estão assim os réus impossibilitados, objectiva e subjectivamente, de cumprir especificamente com a prestação a que se obrigaram, apesar de o autor ter realizado integralmente a prestação a que, por sua vez, estava obrigado, pelo que a este deve ser restituída a prestação nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa, devidamente actualizada à taxa média líquida de 4% ao ano, equivalente ao valor médio das taxas de juros de depósitos a prazo que vigoram nesse período, acrescendo juros de mora desde a data da citação.

2. Devidamente citados os RR. contestaram, aduzindo em tal contestação que em 25 de Janeiro de 2000, o filho do autor e os réus adquiriram, por compra, sem determinação de parte ou direito, um prédio urbano e um prédio rústico, sitos em Nogueira do Cravo, sendo certo que todo o negócio, incluindo o pagamento do preço, foi feito pelo autor; aquando da celebração do contrato-promessa em causa nos presentes autos, autor e réu acordaram na promessa de compra e venda de metade indivisa do prédio urbano; apesar disso, aquando da celebração da escritura pública, os réus constataram que nela constava igualmente metade do prédio rústico, que não tinha sido objecto do contrato-promessa, razão pela qual se recusaram a outorgar a escritura, mantendo, contudo, a disponibilidade para o fazer em relação à metade indivisa do prédio urbano; entretanto, os réus foram citados para a acção de divisão de coisa comum intentada pelo filho do autor, o que levou os réus a marcar a escritura pública, recusando-se então o autor a celebrá-la, o que motivou a instauração de acção judicial com vista à execução específica do contrato-promessa, que se tornou inútil pela adjudicação da metade indivisa ao filho do autor; assim, o atraso na outorga do contrato prometido é imputável ao autor, tendo sido por culpa deste que a prestação se tornou impossível.
Concluíram pela improcedência da acção.

3. Replicou o autor alegando estar em causa uma única unidade predial, a qual, apesar disso, passou a estar incluída em duas inscrições matriciais, sendo o alegado prédio rústico apenas o quintal do prédio urbano; aquando do contrato-promessa celebrado em 1999, tendo por objecto o prédio urbano, não foi mencionado o prédio rústico, que, todavia, foi acrescentado na escritura na medida em que vendedores e compradores sabiam tratar-se de um só prédio.
Concluiu como na petição inicial.

4. Após realização de audiência preliminar foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância e se procedeu à selecção da matéria de facto assente e controvertida com relevo para a decisão de mérito, em termos que suscitaram reclamação dos réus, que foi parcialmente deferida.

5. Procedeu-se ao julgamento, o qual decorreu com observância do legal formalismo, não tendo a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto sofrido reclamação das partes.

6. Proferida sentença, veio nela a decidir-se a parcial procedência da acção, e a condenação dos RR. A (…) e M (…) a restituir ao autor L (…) a quantia de € 42 398,00 (quarenta e dois mil trezentos noventa e oito euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação e até integral e efectiva restituição.

7. Inconformados com tal decisão dela vieram os RR. interpor recurso, cujas alegações rematam com as seguintes conclusões:
(…)
8. Contra-alegou o A., rematando as contra-alegações que apresentou com as seguintes conclusões:
(…)
9. Dispensados os vistos legais cumpre apreciar a decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC ), são as seguintes as questões a decidir:
I- saber se foi mal valorada a factualidade constante do ponto 14. do elenco dos factos provados vertidos na sentença recorrida e se, por força da alteração no sentido pretendido pelos apelantes a ré mulher deve ser absolvida;
II- saber se é possível a ampliação da matéria de facto nos termos pretendidos pelos apelantes;
III- saber se o autor incumpriu definitivamente o contrato-promessa em discussão nos autos e se o resolveu sem fundamento e se, por força disso, os réus têm a faculdade de fazer seu o sinal entregue.
IV- na hipótese do autor estar colocado apenas numa situação de mora, saber se a impossibilidade superveniente da prestação lhe é imputável, e, nesse caso, não ficando desobrigado da contraprestação devendo no valor desta ser descontado o valor do benefício tido pelo devedor com essa exoneração.

III – FUNDAMENTAÇÃO
A) De Facto
Na sentença recorrida foi considerada assente pela 1ª instância a seguinte a factualidade:
1. Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Oliveira do Hospital, no dia 5 de Janeiro de 2000, perante a licenciada MP (...), compareceram A (…) e M (…), na qualidade de primeiros outorgantes, e A (…) e J (…) , na qualidade de segundos outorgantes, tendo aqueles declarado que vendem aos segundos, em comum e pelo preço de PTE 11 100 000$00, o artigo urbano x (...)º, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Nogueira do Cravo, Concelho de Oliveira do Hospital, e o prédio rústico y (...)º, inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia [alínea A)].
2. O réu, na qualidade de promitente-vendedor, e o autor, na qualidade de promitente-comprador, outorgaram no dia 12 de Julho de 2002, no lugar da Recta da Salinha, pelo seu punho, documento particular que designaram de «contrato promessa de compra e venda» segundo o qual o primeiro declarou ser legítimo possuidor de 50% de um prédio urbano sito em Galizes, freguesia de Nogueira do Cravo, a confrontar de norte com Estrada Nacional nº 17, a sul e nascente com Marquesa de Pomares, e poente com os herdeiros do Comendador Rocha, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo x (...)º da freguesia de Nogueira do Cravo, que prometeu vender ao segundo e este comprar, pelo preço de € 42. 398,00, livre de ónus e encargos.
Mais acordaram ainda que o preço seria pago da seguinte forma: a) No acto de assinatura do contrato, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 12.398,00; b) Até 25 de Outubro de 2002 a quantia de € 15 000,00; c) No ato da escritura de compra e venda a quantia de € 15 000,00 [alínea B)].
3. No cumprimento do acordado em 1. o autor entregou ao réu: a) € 12 398,00, com a outorga daquele acordo; b) Em Outubro de 2002, a quantia de € 15 000,00 e c) Em Janeiro de 2003, a quantia de € 15 000,00 [alínea C)].
4. A celebração do negócio prometido, prevista para Janeiro de 2003, foi adiada, por mútuo acordo e no interesse do autor, a quem competiria designar uma nova data para aquele efeito [alínea D)].
5. Em Setembro de 2005, o autor informou verbalmente o réu que havia marcado a escritura pública de compra e venda do negócio prometido para o dia 13 de Outubro de 2005, onde, nessa data, marcaram as partes presença [alínea E)].
6. Mostra-se inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Nogueira do Cravo, concelho de Oliveira do Hospital, sob o artigo x (...)º, a favor do autor e do réu, na proporção de ½, um prédio urbano sito em Galizes, composto por uma casa de dois andares destinada a habitação, com dependências, pátio e quintal, com áreas declaradas de 300 m2, 200 m2, 80 m2 e 450 m2, respectivamente, a confrontar do norte com estrada, do sul e nascente com Marquesa dos Pomares, e do poente com herdeiros do Comendador Rocha [alínea F)].
7. Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Hospital, pela ficha 2346/20050825, o direito de propriedade, com fundamento em compra – pela Ap. 4 de 25.08.2005 –, de A (…), casado em comunhão de adquiridos com M (…), e J (…), sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo x (...)º e já descrito em 6. [alínea G)].
8. Mostra-se inscrita na matriz predial rústica da freguesia de Nogueira do Cravo, concelho de Oliveira do Hospital, sob o artigo y (...)º, a favor de autor e de J (…), na proporção de ½, um prédio urbano sito ao Lameiro, composto por terra de cultura com 10 citrinos, 4 fruteiras e latada, com uma área declarada de 490 m2, a confrontar do norte com o urbano do próprio, do sul e nascente com MA (...), e do poente com C.T.T. de Lisboa, melhor descrito na
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