Acórdão nº 680/07.6TCGMT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15-12-2009

Data de Julgamento15 Dezembro 2009
Número Acordão680/07.6TCGMT.G1
Ano2009
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. RELATÓRIO

B... e C... intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra D..., S.A., com sede ....., em Lisboa.

Alegaram, em suma, que o filho dos autores, E..., faleceu, na sequência de um acidente de viação, que se traduziu no despiste do veículo com a matrícula 47-32-AZ, quando circulava numa auto-estrada ainda em construção, mas com passagem de veículos, cuja ocorrência imputam à conduta culposa do condutor do referido veículo, onde o falecido seguia como passageiro.

Pedem que a Ré seja condenada a pagar-lhes indemnização no montante global de €302.500,00, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação da ré até integral pagamento, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, que alegam, decorrentes da morte do filho, pois que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o referido veículo se encontrava transferida para a ré seguradora.

A ré contestou, impugnando parcialmente a factualidade alegada na petição inicial e alegando que, apesar da via em questão não estar aberta ao público e de no local existir um sinal de trânsito proibido, o lesado quis e solicitou a condução naquelas circunstâncias, para além de não ter colocado o cinto de segurança.

Concluiu pela improcedência da acção.

Os autores apresentaram réplica, impugnando a conduta do lesado descrita na contestação e mantendo a sua alegação inicial.

Foi proferido despacho saneador, onde se julgou válida a instância nos seus pressupostos objectivos e subjectivos. Seleccionou-se a matéria de facto assente e elaborou-se a base instrutória, que não foi alvo de qualquer reclamação.

Designou-se dia para a audiência de discussão e julgamento, que se realizou com observância do formalismo legal.

Decidiu-se a matéria de facto sem reclamação, pela forma e com os fundamentos exarados a fls. 143 a 145 dos presentes autos.

Foi proferida sentença, julgando-se a acção parcialmente procedente, por só parcialmente provada, condenando-se a Ré a pagar aos Autores a quantia de €110.000, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais (indemnização pela perda do direito à vida e danos morais sofridos pelos Autores em consequência da morte do filho), bem como a quantia a apurar em sede de liquidação, relativa a danos patrimoniais (despesas). A Ré foi absolvida do restante pedido, concretamente do pedido relativo aos danos morais sofridos pelo falecido filho e do pedido por danos patrimoniais, no montante de €70.000 relativo à perda de rendimentos futuros, que o falecido auferiria e com que contribuiria, previsivelmente por mais 10 anos, para o sustento dos Autores.

Inconformados com a decisão, dela interpuseram recurso de apelação e por esta ordem, a Ré e os Autores.

Os recursos foram admitidos e os recorrentes apresentaram as respectivas alegações, formulando as seguintes conclusões:

Conclusões do recurso interposto pela Ré

1ª) Vão impugnados os factos tidos como “não provados” sob os quesitos 19º e 18º da BI da acção, respostas essas que devem ser alteradas no sentido propugnado no texto supra, com a fundamentação também dele constante;
2ª) Da projecção duma pessoa dum veículo, quando este se despista e capota ladeira abaixo à margem da via, é normal e até mui natural presumir-se simples e judicialmente a necessária falta de colocação do cinto de segurança automóvel, se outra matéria relativa ao destroçamento do veículo não relevar;
3ª) E do transporte duma pessoa, num sábado à noite, pelas 06H30 já da madrugada de domingo, é natural e mui lógico presumir-se a voluntariedade de tal conduta, se igualmente não vierem a esse(s) outros factos em apoio;
4ª) Bem como duma evidente exposição ao perigo se trata, nesse horário tardio, se tal transporte se faz adentro dum troço de auto-estrada ainda em construção, com piso só em terra e areia, e sem qualquer sinalização de vias;
5ª) A aceitação pela vítima mortal do sinistro desse transporte nessas condições, que lhe são naturalmente voluntárias e não lhe foram impostas por ninguém, ao menos pela notícia dos autos, implica o cometimento de atitudes culposas pelo próprio que relevam do disposto acerca da “culpa do lesado” – v.g. art. 570º CCivil;
6ª) Verifica-se, assim, uma concorrência de culpas na produção do evento danoso e/ou na amplificação dos danos dele decorrentes, mor do resultado fatal para a vítima, conculpabilidade essa que deve estimar-se em 30% a desfavor do lesado, ou agora dos seus familiares directos;
7ª) Deve, pois, reduzir-se de acordo com tal percentagem a indemnização a conferir a estes, bem como deve ser reduzido o valor em absoluto do respectivo dano moral, que se acha mui sobrestimado por ser superior aos critérios jurisprudenciais mais correntes e normais nos tribunais nacionais;
8ª) Decidindo doutro modo, violou-se o disposto nos arts. 349º/351º, 570º e 495º/3 CCivil.
Termos em que, deve o recurso ser julgado procedente, reduzindo-se a condenação da ré em conformidade e com as legais consequências.

Conclusões do recurso interposto pelos Autores

(Restrito à parte da sentença que declarou improcedente o pedido de indemnização pela perda de rendimentos que a morte de seu malogrado filho lhes causa).

A – Por douta sentença proferida nos presentes autos, foi a recorrida condenada a pagar aos recorrentes a quantia de €110.000,00 respeitante aos danos de natureza não patrimonial, acrescida do valor que se vier a liquidar posteriormente, relativamente aos danos de natureza patrimonial apurados.
B – Aos recorrentes nenhum reparo merece a douta decisão proferida no que concerne à indemnização fixada pelos aludidos danos de natureza não patrimonial e aos que de natureza patrimonial sejam apurados.
C – Não podem, contudo e salvo o muito devido respeito, concordar com a douta decisão no que se refere à improcedência do pedido formulado respeitante à indemnização pela perda de rendimentos que a morte de seu filho lhes causou e causará.
D – Na verdade, independentemente do tempo em que os recorrentes continuariam a contar com a ajuda de seu filho, certo é que ele os ajudava imenso e daí a sua morte lhes ter causado dano patrimonial.
E – O filho dos recorrentes vivia com estes em economia comum, contribuindo para as despesas do agregado familiar.
F – Os recorrentes, na qualidade de seus pais, podiam exigir alimentos à malograda vítima, independentemente de os não estarem a receber à data da sua morte e mesmo, independentemente, de não ser previsível a necessidade futura a esses alimentos.
G – Por outro lado, o infeliz filho dos recorrentes, que faleceu apenas dois dias após a lesão que o vitimou, integrou na sua esfera jurídica o direito a indemnização por danos futuros decorrentes da perda de rendimentos do seu trabalho ou actividade.
H – Tal direito a indemnização por danos futuros decorrentes da perda de rendimentos transmitiu-se, por via da sucessão, aos recorrentes, seus únicos e universais herdeiros – artigo 2024º do CCivil.
I – Assiste, assim, aos recorrentes direito à indemnização pelos danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes decorrentes da morte de seu filho, a qual deverá ser quantificada por referência à perda de rendimentos de trabalho por ele auferidos à data da sua morte.
J – A douta sentença recorrida, salvo o devido respeito, violou ou fez incorrecta interpretação, além do mais, do disposto nos artigos 483º, 495º, 562º, 563º, 564º, 566º, 2009º (nº 1 alínea b)) e 2024º, todos do CCivil.
Termos em que, não tanto pelo que se deixa alegado, mas pelo que, doutamente, V. Exª suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, na parte em que absolveu a Ré D..., S.A. de indemnizar os recorrentes pelos danos de natureza patrimonial futura decorrentes da perda de salários ou vencimentos auferidos por seu filho, proferindo-se outra que contemple, a tal título, uma indemnização nunca inferior ao montante peticionado ou outro, fixado segundo critérios de equidade, atentos o vencimento mensal do malogrado filho dos recorrentes e a sua idade, à data do acidente e da sua morte, assim se fazendo, como sempre, inteira.


*

Os recursos vieram a ser admitidos neste Tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados nos despachos de admissão na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DOS RECURSOS.

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, tal como decorre das disposições legais dos artº 684º nº3 e 690º-nº1 e 2 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” ( artº 660º-nº2 do CPC). E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artº 664º e 264º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.

Atentas as conclusões das apelações, supra transcritas, são as seguintes as

QUESTÕES A APRECIAR:

Recurso da Ré

A) Da matéria de facto
1ª Se a prova produzida impõe que se altere as respostas dadas aos números 19º e 18º da Base Instrutória.

B) De direito
1ª - Se, em consequência da alteração da matéria de facto, podemos concluir que facto culposo do lesado concorreu para a produção ou agravamento dos danos, em que proporção e consequente redução do montante indemnizatório.
2º - Se deve ser reduzido o valor em absoluto, do montante fixado pelo Tribunal a quo a título de indemnização do respectivo dano não patrimonial, por ser superior aos critérios jurisprudenciais mais correntes e normais nos tribunais nacionais.

Recurso dos Autores
1ª Se, face à factualidade provada,...

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