ACÓRDÃO Nº 677/2022
Processo n.º 509/20
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Mariana Canotilho
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., vem interposto recurso obrigatório, ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, n.º 3 da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante, LTC), da sentença, datada de 5 de junho de 2020, na parte em que “decidiu recusar a aplicação do disposto no art. 34.º, nºs. 1 e 2 da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado de 2013), com fundamento num juízo de inconstitucionalidade da aludida norma”.
2. A recorrida, na situação de licença extraordinária requerida em mobilidade especial, notificada do ato de processamento da subvenção relativa ao mês de Fevereiro de 2013, «que determinou a redução em mais de 50%» do seu valor mensal, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria ação administrativa especial contra o Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e do Ordenamento do Território (MAMAOT), pedindo: “a) Que seja reconhecida a inconstitucionalidade material supra invocada e, em consequência, desaplicado o n.º 1 e 2 do art.º 34 da Lei 66-B/2012 de 31.12 – LOE/2013; b) Que seja anulado o ato administrativo impugnado de processamento da subvenção do mês de fevereiro de 2013 e que determinou a redução em (mais de) 50% da subvenção mensal da A. em situação de licença extraordinária (e bem assim os atos que se seguiram e seguirão nos meses subsequentes de atribuição e processamento da subvenção da A. se, e quando, obedientes aos normativos citados da Lei do Orçamento); c) Que o Demandado seja condenado à adoção dos atos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, nomeadamente a repor à A. a subvenção a que tem direito nos termos e nos limites da redação do n.º 10 do artigo 32.º da Lei n.º 53/2006, de 7 de dezembro com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 11/2008 de 20 de fevereiro”.
Por sentença, proferida a 5 de junho de 2020, foi a ação julgada procedente e determinada “a anulação dos atos administrativos de processamento de vencimentos do autor e a condenação da entidade demandada à adoção dos atos e à realização das operações necessárias à reposição ao autor da subvenção dos valores mensais devidos, com a desaplicação da norma prevista do artigo 34.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro – Lei do Orçamento de Estado de 2013, por padecer de inconstitucionalidade”.
3. Notificado dessa decisão, vem o recorrente interpor recurso obrigatório, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
4. Admitido o recurso no tribunal a quo, o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, notificado para o efeito, apresentou alegações (cf. fls. 2-7), nas quais pediu a procedência do recurso, com os fundamentos seguintes:
«[…]
2. Apreciação do mérito do recurso
2.1. O artigo 34.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, tem a seguinte redação:
“1 – As percentagens da remuneração ilíquida a considerar para efeitos de determinação da subvenção mensal dos trabalhadores que se encontrem em situação de licença extraordinária, previstas nos nºs. 5 e 12 do artigo 32.º da Lei n.º 53/2006, de 7 de dezembro, alterada pelas Leis n.ºs 11/2008, de 20 de fevereiro, 64-A/2008, de 31 de dezembro, e 64-B/2011, de 30 de dezembro, aplicável às licenças extraordinárias vigentes, são reduzidas em 50%.
2 – O valor da subvenção mensal, calculado nos termos do número anterior, não pode, em qualquer caso, ser superior a duas vezes o valor do indexante dos apoios sociais (IAS).
(…)”
2.2. Por sua vez e quanto ao montante da subvenção, dispunha o artigo 32.º, n.º 12, alíneas:
c) O valor da subvenção mensal corresponde às seguintes percentagens da remuneração ilíquida que o funcionário ou agente auferia à data da licença:
i) 75% durante os primeiros cinco anos;
ii) 65% do 6.º ao 10.º ano;
iii) 55% a partir do 11.º ano;
d) A remuneração ilíquida referida na alínea anterior está sujeita a atualização nos termos em que o seja a remuneração do pessoal em efetividade de serviço;
e) Para base de cálculo da subvenção mensal não é tomada em conta qualquer redução da remuneração ilíquida por aplicação do disposto nos n.ºs 8 a 10 do artigo 29.º (…)”
2.3. Efetivamente o montante da subvenção foi reduzido substancialmente e no caso, segundo a decisão recorrida, com a Lei nº 66-B/2012 passou a ser de 838,44 euros (ilíquido) mensais, quando o valor anterior era de 1913,00 (ilíquido).
2.4. O recorrente, na sequência do processo de reestruturação operada pelo Decreto-Lei n.º 134/2007, de 27 de abril, optou pela colocação na situação de mobilidade especial (artigo 11.º da Lei n.º 53/2006) e requereu licença extraordinária ao abrigo do artigo 32.º da Lei n.º 53/2006.
Três aspetos haverá que salientar neste regime e que, para nós, são decisivos para o juízo de não inconstitucionalidade que, em nossa opinião, deve ser proferido.
Em primeiro lugar, como estabelece o n.º 3 do artigo 32.º, o funcionário ou agente pode fazer cessar a situação de licença passado o primeiro ano, sendo nesse caso colocado na fase de compensação, cujos direitos e deveres se encontrem previstos no artigo 29.º e 30.º da mesma Lei.
Em segundo lugar, o n.º 4 do artigo 32.º estabelece que o pessoal na situação de licença não goza dos direitos e não está sujeito aos deveres previstos, respetivamente nos artigos 28.º e 29.º, para os que estão em mobilidade especial.
Em terceiro lugar, como resulta da disposição conjugada dos n.ºs 4, 5, 8 e 9 da Lei n.º 53/2006, a subvenção por licença extraordinária não tem natureza remuneratória.
Na verdade, o funcionário em situação de licença extraordinária não presta qualquer atividade à entidade empregadora pública, ou a qualquer serviço público, pode, sim, exercer qualquer atividade privada remunerada, caso em que é acumula a “subvenção” paga pelo Estado com a remuneração decorrente do exercício dessa atividade.
2.5. Ora, nestas circunstâncias, apesar da redução da subvenção ser substancial, em face da jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente os Acórdãos n.ºs 396/2011, 353/2012 e 187/2013, que apreciaram a constitucionalidade de normas que integravam leis que aprovaram os orçamentos do Estado para 2011, 2012 e 2013, respetivamente, parece-nos que não se mostram violados “o princípio da boa fé e da proteção da confiança” e o “princípio da proporcionalidade”, como se considerou na decisão recorrida.
De referir que a Lei n.º 66-B/2012, foi a que também aprovou o Orçamento de Estado para 2013, sendo que várias das suas normas foram objeto de apreciação por parte do Tribunal Constitucional (Acórdão nº 187/2013).
2.6. No que tange à alteração no tempo de regimes legais respeitantes a subvenções e embora tratando-se de uma subvenção de natureza especial, podemos, no que toca à invocada violação do principio da confiança, referir o Acórdão n.º 428/2018, que não declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos n.ºs 7 e 8 − e, consequentemente, dos n.ºs 9 e 10 – do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, na redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (limites às cumulações das subvenções mensais vitalícias auferidas por ex-titulares de cargos políticos com rendimentos provenientes de atividade privada).
3. Conclusão
1. A norma do nº 1 do artigo 34.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, enquanto estabelece que as percentagens da remuneração ilíquida a considerar para efeitos de determinação da subvenção mensal dos trabalhadores que se encontrem em situação de licença extraordinária, previstas nos nºs. 5 e 12 do artigo 32.º da Lei n.º 53/2006, de 7 de dezembro, alterada pelas Leis n.ºs 11/2008, de 20 de fevereiro, 64-A/2008, de 31 de dezembro, e 64-B/2011, de 30 de dezembro, aplicável às licenças extraordinárias vigentes, são reduzidas em 50% e com o limite constante do nº 2, não viola o princípio da proteção de confiança ínsito no artigo 2º da Constituição, nem o princípio da proporcionalidade (artigo 18º, nº 2, da Constituição), não sendo, por isso, inconstitucional. […]»
5. A recorrida apresentou contra-alegações (cf. fls. 10-12-TC), aduzindo o seguinte:
«[…]
No entender do Recorrente não merece censura a decisão do TAF de Leiria que recusou a aplicação, ao caso concreto, do disposto no art.º 34 n.º 1 e 2 da Lei n.º 66-B/2012 de 31.12, por inconstitucionalidade.
No presente recurso entende o MP existirem três aspectos decisivos para o juízo de não inconstitucionalidade:
1º que no termos do n.º 3 do art.º 32 (da Lei 53/2006 de 7.12), o funcionário ou agente pode fazer cessar a situação de licença extraordinária passado o primeiro ano, sendo nesse caso colocado na fase de compensação;
2º que nos termos do n.º 4 do art.º 32 o pessoal na situação de licença extraordinária não goza dos direitos e não está sujeito aos deveres previstos, respectivamente nos...