Acórdão nº 676/20.2T8AMT-F.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 21-06-2022

Data de Julgamento21 Junho 2022
Case OutcomeNEGADA A REVISTA.
Classe processualREVISTA (COMÉRCIO)
Número Acordão676/20.2T8AMT-F.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça







Processo n.º 676/20.2T8AMT-F.P1-S1
Revista – Tribunal recorrido: Relação do Porto, 3.ª Secção




Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça



I) RELATÓRIO

1. AA e BB intentaram acção declarativa de simples apreciação negativa sob a forma de processo comum, de acordo com o disposto no art. 125º do CIRE, contra «Massa Insolvente de «Alwaysonroud –Transportes, Lda.», representada pela sua Administradora de Insolvência (AI), peticionando a procedência da impugnação das resoluções, comunicadas pela Sra. AI a cada uma das Autoras, relativas às vendas de veículos automóveis realizadas pela sociedade declarada insolvente, constantes das facturas n.º ...20 e ...21, ambas de 22/05/2019 e, em consequência, serem declaradas ineficazes tais declarações de resolução, sendo ordenado, se tal fosse necessário, que se proceda aos actos de registo automóvel necessários à conservação registal dos veículos automóveis em nome da Impugnantes. Em síntese, as Autoras alegaram que não agiram de má fé, desconheciam a existência de dívidas a terceiros ou que a devedora estivesse numa situação de insolvência, não tendo qualquer relação especial com esta, e desconheciam que os negócios fossem prejudiciais uma vez que a compra dos veículos automóveis foi realizada 14 e 13 meses antes do início do processo de insolvência e pagaram os preços correspondentes às vendas realizadas com a Insolvente. Subsidiariamente, pediram a condenação da Ré a reconhecer, na eventualidade de ser mantida a resolução contratual praticada pela AI, o montante do preço pago pelas Impugnantes e recebido pela Insolvente e a restituir por efeito da resolução (art. 126º CIRE), constituindo um crédito sobre a massa insolvente, assim como o reconhecimento do direito de retenção sobre os veículos automóveis até reembolso pela massa insolvente, com prevalência sobre os demais credores (art. 754º CCiv.).

A Ré apresentou Contestação, na qual se manteve que os negócios resolvidos foram prejudiciais aos credores, uma vez que não se verificara o pagamento do preço da venda pelas compradoras, de acordo com os documentos contabilísticos disponíveis, mantendo-se os fundamentos da comunicação de resolução invocados nas cartas remetidas às Autoras, pugnando pela declaração da validade e eficácia das declarações de resolução. Sustentou ainda que a Ré deve ser absolvida da instância quanto ao pedido subsidiário, uma vez que se verificava a excepção dilatória de erro na forma do processo, e, mesmo que assim, não fosse, deveria ser absolvida e tal pedido declarado improcedente por não provado.

2. Foi proferido despacho saneador e fixado o valor da causa em € 75.000, despacho este transitado em julgado.

3. Realizada audiência de discussão e julgamento em várias sessões, o Juiz 1 do Juízo de Comércio de Amarante proferiu sentença, integrada ulteriormente por despacho de rectificação quanto ao segmento de condenação em custas, que julgou improcedente por não provada a acção interposta e, em consequência, declarou “a validade das resoluções comunicadas pela Sr.ª Administradora de Insolvência, por cartas registadas com Aviso de receção com data de 03.02.2021, dos atos de transmissão de propriedade dos veículos com as matrículas ..-XB-.. e ...-XG-..6, para a Autora AA, e do veículo com matricula ..-XG-..5, para a Autora BB, com o consequente cancelamento de tais transmissões de propriedade (vendas) a favor das Autoras na respetiva Conservatória de RegistoAutomóvel, averbadas em 12.03.2019 e em 15.04.2019”.

4. Inconformadas, vieram as Autoras interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto (TRP), que conduziu a ser proferido acórdão que indeferiu a nulidade arguida, julgou improcedente o pedido de aditamento de factualidade indicadas pelas Apelantes e procedeu à eliminação dos factos provados 8.º e 9.º, tendo, por fim, julgado procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e, por isso, declarando ineficazes as declarações de resolução em benefício da massa que se discutem nos autos.

5. Foi então a oportunidade para a Ré relevar a sua não resignação e interpor recurso de revista para o STJ, finalizando as suas alegações com as seguintes Conclusões:

“I – ARé não se conforma com o douto Acórdão que julgou procedente a Apelação e revogou a decisão da primeira instância.

II – Salvo o devido respeito, andou mal o douto Tribunal da Relação do Porto, ao considerar que, do não pagamento do preço declarado da venda, só por si, em negócio de transmissão de bens da insolvente, faturado, e do qual foi emitido recibo, não decorre a existência de um negócio gratuito e que, em tal caso, o que se verifica é o não pagamento do preço devido, devendo a massa insolvente interpor acção com vista a cobrá-lo, salvo se tivesse logrado provar a existência de simulação.

III – “... emtemaderesoluçãoafavordamassa,porforça dodispostonoartigo120º,nº1doCIRE,podemserresolvidososactosquesejamprejudiciaisàmassa,entendendo-seestes,comopredispõeoseunº2,aquelesque«diminuam,frustrem,dificultem,ponhamemperigoouretardemasatisfaçãodoscredoresdainsolvência.»,sendoquetodososactos aludidosnoartigo121ºdoCIRE,sepresumemprejudiciais,abarcando este instituto muitosdoscontornosespecíficosdosvíciosdonegóciojurídicoeque,porisso,osabsorvem,cfrJúlioGomes,NótulaSobreAResoluçãoEmBenefícioDaMassaInsolvente,inIVCongresssodeDireitodaInsolvência,107/129;MariadeFátimaRibeiro,Umconfrontoentrearesoluçãoembenefíciodamassainsolventeeaimpugnaçãopauliana,ibidem,131/178;MariadoRosárioEpifânio,ManualdeDireitodaInsolvência,edição,248/263” (citados no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 2019, proferido no processo 2134/17.3T8EVR.E1.S2, publicado em www.dgsi.pt).

IV – O instituto da resolução de negócios em benefício da massa insolvente, para além de específico destes processos, serve para permitir que o administrador da insolvência, de forma célere, actue para que os direitos dos credores sejam salvaguardados, podendo, quando constate que o insolvente praticou actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência, usar mão desta prerrogativa para que o património transmitido seja rapidamente reintegrado na massa, ao invés de iniciar acções judiciais para obter cobrança de dívidas, declarações de nulidade de negócios, etc.

V – Este instituto abarca muitos dos contornos específicos dos vícios do negócio jurídico, e que por isso os abarcam. Seria o caso de ter ocorrido uma simulação de negócio, no entanto, a situação em causa no presente processo não seria passível de ser enquadrada na previsão do art. 240º do Código Civil.

VI – A Autora AA celebrou efectivamente um negócio de compra e venda, com um terceiro, que foi o comprador, que não representava a insolvente, e que pagou parte do preço dessa compra com a entrega dos veículos automóveis discriminados nas facturas emitidas em nome das Autoras, mas estas nada compraram nem venderam à insolvente e a Autora BB não celebrou qualquer negócio. Entre as Autoras e a insolvente o que ocorreu foi uma transmissão de bens, gratuita para aquelas.

VII – A Ré não alegou nem provou a existência de um acordo simulatório porque não é esse o fundamento da resolução que operou por carta registada com aviso de recepção, o fundamento, além dos restantes, é que o preço não foi pago.

VIII – O facto de terem sido emitidas facturas e recibos, salvo o devido respeito, não permite concluir que ocorreu um negócio de compra e venda, como defende o douto tribunal aquo.

IX – Asituação a que se reporta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, citado na decisão em crise, proferido no processo 3512/17.3T8STR-C.E1.S1, salvo o devido respeito, não é equiparável à da presenteAcção.

X – Ali, procurava a massa insolvente a resolução de um negócio de cessão de quotas e de transmissão de imóveis, celebrado entre a Ré e a insolvente, e aqui ocorreu uma transmissão de bens de avultado valor para a esfera jurídica das Autoras, mas estas não celebraram qualquer negócio com a insolvente e não é o (mero) facto de terem sido emitidas facturas em nome daquelas que permite concluir que o negócio foi oneroso.

XI – Se ficou provado que as Autoras não quiseram comprar à insolvente, que o preço dos bens em causa não foi pago e que aquelas os receberam em pagamento de uma venda que fizeram a um terceiro, a conclusão do tribunal de primeira instância é a correcta.

XII – O douto Tribunal da Relação do Porto, salvo o devido respeito, errou na determinação das normas aplicáveis aos factos provados na primeira instância, violando o disposto nos artigos 120º n.s 1 e 2 e 121º n. 1 al. b) do CIRE.”

As Autoras e Recorridas apresentaram contra-alegações, pugnando pela inadmissibilidade da revista em função do que alegam ser o valor da causa e o seu confronto com o art. 629º, 1, do CPC, e, se assim não for, pela confirmação do acórdão recorrido, concluindo que “a verdade é que tendo a AI invocado nas declarações de resolução a onerosidade do negócio e a existência de um acordo simulatório, ao contrário daquilo que vem agora apregoar, e nada se tendo provado quanto à simulação de má fé (bem pelo contrário), impunha-se a procedência da acção e a declaração de ineficácia das declarações resolutivas dos negócios jurídicos”.


Consignados os vistos nos termos legais, cumpre apreciar e decidir.



II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS


1. Admissibilidade e objecto do recurso

1.1. Estão verificados os requisitos gerais e especiais da revista, nos termos dos arts. 629º, 1, 631º, 1, e 671º, 1, sem aplicação dos termos restritivos e atípicos da revista contemplada pelo art. 14º, 1, do CIRE, uma vez proferidas as decisões das instâncias em apenso
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