Acórdão nº 6730/08.1TDLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 26-05-2021

Data de Julgamento26 Maio 2021
Case OutcomePROVIDO EM PARTE
Classe processualRECURSO PENAL
Número Acordão6730/08.1TDLSB.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

*

O Supremo Tribunal de Justiça, 3´ª secção criminal, realizada audiência, acorda:



A. RELATÓRIO:

No Juízo Local Criminal .... - Juiz …, no processo em epígrafe. mediante despacho de pronúncia e pedido de indemnização civil deduzidos pelo assistente AA, procedeu-se a julgamento do arguido:

- BB, de 68 anos e os demais sinais dos autos,

O tribunal singular, por sentença de 31-05-2019, decidiu:

- absolver o arguido da prática do crime de homicídio por negligência, previsto e punído pelo artigo 137.º, n.º 2, do Código Penal, pelo qual vinha pronunciado;

- julgar improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil e, em consequência, absolver os demandados BB, AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A. e Centro Hospitalar de ..., EPE, do pedido contra os mesmos formulado.

O Ministério Publico e o assistente também demandante civil AA, insurgindo-se contra a absolvição do arguido e dos demandados recorreram para a 2ª instância.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 14.05.2020, decidiu;

a) julgar improcedente o recurso do Ministério Público;

b) julgando procedente o recurso interposto pelo assistente/demandante civil AA condenou;

c) o arguido BB, como autor de um crime de homicídio negligente previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 2, do CP, na pena de 10 meses de prisão substituídos por igual tempo de multa à razão de €500,00 por dia, multa que, não sendo paga ou substituída por trabalho, será substituída por 200 dias de prisão;

d) os demandados BB e Centro Hospitalar ..., solidariamente a pagar a indemnização de €190.000,00, sendo

- €80.000,00, referentes ao dano-morte de CC, conjuntamente, a AA, DD e EE;

- €10.000,00, relativos a danos não patrimoniais sofridos por CC, conjuntamente, a AA, DD e EE;

- €30.000,00 a título de danos patrimoniais sofridos por cada um dos filhos da falecida, DD e EE; e

- €40.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos por AA, montantes esses acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor desde a data do acórdão até integral pagamento;

e) a responsável civil AGEAS Portugal - Companhia de Seguros, S.A. a pagar €175.000,00 da quantia dos €190.000,00 referidos e respetivos juros de mora, a cada uma das pessoas aí referidas, na proporção do valor aí indicada;

2. os recursos:

Inconformado com a condenação decretada no acórdão da Relação, recorrem o arguido e os demandados agora perante o Supremo Tribunal de Justiça.

i. do arguido:

Impugna o acórdão condenatório na parte penal e também na parte relativa à indemnização civil, invocando o disposto nos “arts. 399.º, 400.º, n.º 2, 401.º, n.º 1, b), 402.º, n.º 1, 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, a) e 408.º, n.º 1, a) do CPP”.

De entrada, deduz duas inconstitucionalidades:

- do disposto nos arts. 432.º, n.º 1, b) e 400.º, n.º 1, e), ambos do CPP, interpretado com o sentido de que “não é admissível recurso para o STJ de acórdãos proferidos em recurso pelas relações que condenem os arguidos em pena de prisão substituída por multa, que, não sendo paga ou substituída por trabalho, seja substituída por prisão, ainda que as decisões recorridas da 1.ª instância tenham sido absolutórias, por violação do art. 32.º, n.º 1 da CRP”.

- do disposto no art. 400.º, n.º 2 do CPP, interpretado “no sentido de que, no recurso relativo à indemnização civil, não é admissível a reapreciação dos pressupostos da responsabilidade criminal de que a lei processual, por força do disposto no art. 71.º do CPP, faz depender o pedido de indemnização civil, por violação do direito a um processo equitativo, nos termos do art. 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP”.

Quanto ao mais, remata a motivação de recurso com as seguintes conclusões (em síntese):

A) O Acórdão recorrido viola os princípios da legalidade, do contraditório, da presunção da inocência, da imediação e do direito a um processo equitativo.

A primeira nulidade

B) O Acórdão considera que padece de ilegalidade o despacho que determinou a realização da segunda perícia que foi confiada ao Conselho da Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos, “erradicando-a” do processo e fundando-se naquilo que é decisivo para a condenação (factos não provados n.ºs 13 a 15, 18, 21, 24, 26 a 34) apenas na perícia de que foi relator o Prof. FF, complementada com o seu depoimento prestado em audiência de julgamento.

C) Tal despacho foi objecto de recurso interlocutório interposto pelo Assistente que, nas conclusões do seu recurso da decisão final absolutória proferida pelo tribunal de 1.ª instância, não especificou manter interesse na sua subida, nos termos do art. 412.º, n.º 5 do CPP, razão pela qual tal recurso deixou de poder ser apreciado, não tendo, de resto, sido objecto de pronúncia no Acórdão recorrido, razão pela qual tal despacho transitou em julgado, cimentando nos autos a legalidade da segunda perícia ordenada.

Ainda que assim não se entendesse, teria de ser apreciado tal recurso interlocutório no Acórdão em apreço, o que não aconteceu, não podendo, assim, ser determinada a ilegalidade do despacho que determinou a segunda perícia.

D) Deste modo, o Acórdão recorrido, pronunciando-se sobre a legalidade de um despacho que transitou em julgado ou, pelo menos, que está pendente de um recurso sobre o qual a Relação não se pronunciou, julgando sobre questão de que não podia tomar conhecimento, o que gera a sua nulidade, nos termos do art. 379.º, n.º 1, c) do CPP, aplicável por força do art. 425.º, n.º 4 do mesmo Código.

A segunda nulidade

E) Ainda que se pudesse considerar a segunda perícia inválida – o que se equaciona apenas por absurdo –, sempre teria o relatório pericial subscrito pelos três peritos de ser considerado, no mínimo, como prova documental, e as declarações prestadas em audiência por tais peritos como declarações de Consultor Técnico ou, no limite, como prova testemunhal, o que não aconteceu, tendo o Tribunal a quo descartado tais elementos como se eles não tivessem existido.

F) Deste modo, desconsiderando aquilo que não podia ser desconsiderado, até porque a sentença da 1.ª instância se funda nessa perícia e nas declarações prestadas pelos peritos, que transcreve e utiliza para fundamentar a sua divergência em relação ao parecer do Conselho Médico-Legal (cfr. pág. 154 da sentença de 1.ª instância), o Acórdão recorrido não se pronuncia sobre aquilo que não podia deixar de se pronunciar – o valor documental dessa perícia e das declarações dos seus autores, resumidas na sentença da 1.ª instância –, o que gera uma segunda nulidade, nos termos do art. 379.º, n.º 1, c) do CPP, aplicável por força do art. 425.º, n.º 4 do mesmo Código.

A terceira nulidade

G) A sentença de 1.ª instância não fundou a sua divergência sobre o juízo pericial da perícia de que foi relator FF apenas na segunda perícia ordenada, mas também nas declarações do Consultor Técnico GG, sintetizadas a páginas 42 a 49 da sentença, nas incongruências apontadas ao juízo do Prof. FF, referidas a páginas 154, e ainda em toda a outra prova que analisou numa circunstanciada fundamentação, de páginas 24 a 156.

H) Tudo o Acórdão recorrido ignorou, não fazendo referência a esses outros elementos em que se fundou o juízo de divergência da Senhora Magistrada de 1.ª instância, como tinha obrigação de fazer, ainda que de forma sumária, o que gera uma terceira nulidade do Acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, n.º 1, c) do CPP, aplicável por força do art. 425.º, n.º 4 do mesmo Código.

A quarta nulidade

I) O afã do Tribunal a quo em condenar o Arguido era tal, que nem se deu ao trabalho de fazer uma ponderação própria dos elementos constantes dos autos, limitando-se praticamente a uma reprodução daquilo que consta do recurso do Assistente, ignorando a fundamentação constante da sentença de 1.ª instância e, bem assim, o que foi alegado na resposta ao recurso do Assistente, não ponderando a argumentação expendida pelo Arguido na resposta àquele recurso, nem tão-pouco a prova para onde se remetia em tal resposta.

J) Tal desconsideração do que consta da sentença da 1.ª instância e das respostas dos Recorridos, sustentando-se apenas no que consta do recurso do Assistente que, nessa parte, praticamente reproduz, consubstancia uma omissão de pronúncia sobre aquilo que devia ter ponderado e não ponderou, o que gera uma quarta nulidade do Acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, n.º 1, c) do CPP, aplicável por força do art. 425.º, n.º 4 do mesmo Código.

A quinta nulidade

K) O Acórdão recorrido condena o Arguido por um crime de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo art. 137.º, n.º 2 do Código Penal, não tendo, no entanto, remetido para quaisquer factos reveladores de tal negligência grosseira, consubstanciados num censurável descuido ou leviandade na sua actuação, em desrespeito das mais evidentes regras de cuidado para com a doente.

L) Não basta considerar que o Arguido, sendo dotado de uma especial aptidão - na sua qualidade de médico –, violou as leges artis da sua profissão, isto é, violou determinadas regras técnicas que, pela sua qualidade de médico, tinha a obrigação de conhecer e aplicar no caso concreto; sempre seria necessário demonstrar que tal violação evidenciou uma leviandade e uma incúria graves (como seria, por exemplo, se o Arguido tivesse tomado a decisão que tomou sem realizar qualquer avaliação clínica ou sem mandar fazer qualquer exame complementar de diagnóstico).

Não o tendo feito, cometeu o Tribunal a quo uma quinta nulidade, nos termos do art. 379.º, n.º 1, c) do CPP, aplicável por força do art. 425.º, n.º 4 do mesmo Código, uma vez que não se pronunciou sobre a verificação ou não dos elementos típicos do crime por que, a final, condenou o Arguido, não lhes fazendo sequer a mínima referência.

A sexta nulidade

M) O Tribunal a quo não ponderou – e nem sequer apurou – as circunstâncias económico-sociais do Arguido, o que se lhe impunha fazer previamente à condenação que levou a...

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