Acórdão nº 670/20.3T8CTB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 04-04-2024
Data de Julgamento | 04 Abril 2024 |
Case Outcome | NEGADO PARCIALMENTE A REVISTA DETERMINANDO A REMESSA DO PROCESO À FORMAÇÃO DO Nº 3 DO ARTº 672º CPC |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 670/20.3T8CTB.C1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recorrente: AA
Recorridos: BB e CC
I. — RELATÓRIO
1. AA instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, pedindo
I. — que se reconheça o direito de propriedade da herança aberta por óbito de DD e EE sobre o prédio urbano situado na Rua ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 1.497 e inscrito na matriz sob o artigo 1.525º;
II. — que se determine a restituição do mesmo “à esfera jurídica da herança, livre de pessoas, bens e quaisquer ónus”,
III. — que se declare a nulidade do contrato de compra e venda do referido imóvel celebrado por escritura pública de 30 de Maio de 2018;
iV. — que se determine o cancelamento de todas as inscrições de aquisição registadas no respectivo registo predial com base na referida escritura e de eventuais registos subsequentes.
2. Os Réus contestaram, defendendo-se por impugnação.
3. Em 28 de Junho de 2023, o Tribunal de 1.ª instância absolveu os Réus da instância, declarando estarem preenchidos os pressupostos da excepção dilatória inominada de inadmissibilidade do meio processual.
4. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação.
5. Os Réus contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
6. Em 13 de Dezembro de 2023, o Tribunal da Relação julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.
7. Inconformada, a Autora interpôs recurso de revista.
8. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso, oportunamente interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que, nos autos à margem identificados, julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença recorrida, que declarou verificada a excepção dilatória de inadmissibilidade do meio processual, e, em consequência, absolveu os Recorridos da instância, o qual deve ser admitido, ao abrigo das als. a) e b) do nº 1 do art. 672º do CPC.
II. Suscitam-se, nestes autos, várias questões, que nascem de um processo de inventário, nomeadamente quanto ao instituto do caso julgado, quanto à adequação dos meios processuais usados e quanto ao instituto da simulação.
III. Não obstante as questões em apreço estarem há muito reguladas e previstas no nosso ordenamento jurídico, suscitam-se, ainda assim, dúvidas e divergências de relevo, doutrinárias e jurisprudenciais, assumindo, por isso, especial complexidade e dificuldade na sua aplicação e concretização.
IV. Precisamente porque as questões em causa estão na base de muitos litígios, e porque existe uma pluralidade de teses e soluções jurídicas díspares, a apreciação das questões em causa nos presentes autos, atenta a sua relevância jurídica, claramente torna-se necessária para uma melhor aplicação do direito.
V. Existe a necessidade, por isso, de se obter uma decisão susceptível de contribuir para a formação de uma orientação jurisprudencial, tendo em vista, tanto quanto possível, a consecução da sua tarefa uniformizadora.
VI. A apreciação e resolução das questões em causa nos presentes autos, porque dizem respeito a questões de interesse geral e que afecta muitas pessoas, sejam elas particulares ou colectivas, implicará uma profunda análise da doutrina e da jurisprudência, e necessária e claramente será útil e quiçá inovadora, para o universo jurídico que se debate com estas questões, na esperança de um resultado que sirva de guia orientador.
VII. As constantes alterações legislativas, com a inerente necessidade de recurso às regras de aplicação da lei no tempo, acentuam a dificuldade de interpretação e aplicação de regras e normas quanto às questões que cabem exclusivamente no domínio do processo de inventário, bem como as que podem ser discutidas antes, durante ou após o referido processo, ainda que com aquele conexas.
VIII. Atento o elevado número de processos de inventário, para fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha dos bens, e correspondentes questões conexas, cuja tendência será sempre crescente e nunca decrescente, nos quais impera uma forte conflitualidade, leva à conclusão inequívoca de que os interesses em apreço se revestem de particular relevância social, uma vez que são interesses importantes da comunidade e valores que se sobrepõem ao mero interesse das partes, extravasando, atento o seu forte impacto para social e para a comunidade em geral.
IX. Aos tribunais cabe a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (cfr. artigo 202.º, n.º 2, CRP).
X. Uma das formas de concretização deste dever dos tribunais é através da determinação e direcção das decisões jurisdicionais pelos direitos fundamentais materiais.
XI. Pelo que, justifica-se e deve ser admitida e apreciada a revista ora interposta, à luz do disposto nas als. a) e b) do nº 1 do art. 672º do CPC, o que se requer.
XII. A decisão sub judice mostra-se em clara oposição e contradição com a decisão proferida em sede de audiência prévia, realizada no dia 19.11.2020.
XIII. Não obstante não estarmos perante duas decisões sobre uma mesma questão, sendo que o despacho de 19.11.2020 decide quanto à suspensão da instância, e a decisão ora recorrida decide quanto à verificação da excepção dilatória inominada de inadmissibilidade do meio processual utilizado pela Recorrente, as circunstâncias e pressupostos que sustam uma e outra decisão são os mesmos.
XIV. E o caso julgado formal abrange não apenas a decisão propriamente dita, mas também os pressupostos nos quais cada decisão se fundamentou e considerou.
XV. Neste sentido, atente-se ao ensinamento de Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 578: “O caso julgado abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão, isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos (art. 659.°, n.º 2, “in fine”, e 713.° n.º 2), que pode ser, por exemplo, a condenação ou absolvição do réu ou o deferimento ou indeferimento da providência solicitada. Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos.
Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto os pressupostos daquela decisão.” , sublinhado e realçado nosso.
XVI. Ainda que a decisão do despacho de 19.11.2020 não verse sobre qualquer alvitrada inadmissibilidade do meio processual, é evidente que o despacho proferido na audiência prévia, realizada a 19.11.2020, identificou claramente os pedidos formulados pela Recorrente nos presentes autos,
XVII. Assim como identificou concretamente os fundamentos do recurso interposto da sentença homologatória da partilha.
XVIII. E, expressamente reconheceu “ (…) confrontado o que está em discussão na presente acção e o processo de inventário, não podemos dizer que o processo de inventário está em causa a apreciação de uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada na decisão da presente acção. De facto, já foi proferida sentença homologatória de partilha e a venda objecto da presente acção foi efectuada no âmbito do processo de inventário e, portanto, não está em discussão qualquer questão que possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada na presente acção.
Assim, embora no inventário não se discuta qualquer questão que possa modificar uma situação jurídica a ser apreciada nos presentes autos até porque já foi proferida sentença homologatória de partilha, a verdade é que a decisão do recurso interposto da sentença homologatória de partilha é susceptível de modificar a situação jurídica pressuposto da presente acção.
Por isso, conclui-se que não sendo o processo de inventário causa prejudicial da presente acção, a verdade é que na sequência da interposição de recurso da sentença homologatória de partilha com a invocação de nulidades várias, pode o negócio jurídico em causa nos presentes autos ser anulado o que implicaria que esta acção ficaria sem objecto. Esta situação justifica a suspensão da instância. ”, sublinhado e realçado nosso.
XIX. O referido despacho já há muito transitou em julgado.
XX. A exceção de caso julgado, em nome da segurança e paz jurídica, bem como de imperativos de economia processual, tem por objetivo, por um lado, impedir que qualquer Tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, volte a emitir pronúncia sobre uma determinada questão, e, por outro lado, vincular o mesmo Tribunal à decisão proferida.
XXI. O despacho de 19.11.2020 tem pois força obrigatória no processo, cfr. nº 1 do art. 620º do CPC.
XXII. O juízo quanto à adequação da presente acção, considerando os pedidos formulados na p.i. e o processo de inventário já se mostram devidamente consolidados nos presentes autos, plasmados no referido despacho de 19.11.2020.
XXIII. Pelo que não poderia o Tribunal a quo fazer tábua rasa daquele, ignorando-o, assim como os seus efeitos, tendo em conta que é uma decisão transitada em julgada e que tem força obrigatória no processo.
XXIV. Assim, deve a decisão recorrida ser revogada, cfr. art. 625º do CPC, devendo os autos prosseguir os seus regulares trâmites, o que se requer.
XXV. Mesmo que assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, a verdade é que não se verifica de facto a excepção inominada de inadmissibilidade do meio processual utilizado pela Recorrente.
XXVI. O Acórdão proferido por esse Venerando Tribunal da Relação,...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO