Acórdão nº 6670/21.9T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 14-09-2023

Data de Julgamento14 Setembro 2023
Case OutcomeNEGADA
Classe processualREVISTA
Número Acordão6670/21.9T8LSB.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. Relatório

1. AA, residente na Travessa ..., n.º 6, ...., ..., ... ..., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, residente na Rua da ... – Condomínio ..., ..., ... ..., peticionando que:

a) seja declarado transmitido a favor da A. o direito de propriedade da fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio urbano sito na Rua ..., nº. 16, em ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo 664 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ....

b) Seja a Ré condenada a entregar à A. o montante que se encontrar em dívida do débito garantido pela hipoteca, registralmente averbada pela apresentação nº. 4162 de 20 de fevereiro de 2015, sobre a fração autónoma identificada em I, cujo capital inicial era de € 32.000,00, bem como o dos juros vencidos e vincendos, até integral pagamento.

2. Para tanto, alegou, em síntese, que celebrou com a Ré um contrato-promessa de compra e venda, sendo que perante o incumprimento do mesmo por parte desta pretende executar especificamente o mesmo.

3. Regular e pessoalmente citada para contestar, no prazo e sob a cominação legal, a Ré não apresentou contestação.

4. Seguidamente, o tribunal “a quo” proferiu sentença que terminou com a seguinte decisão:

“Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação improcedente e, consequentemente, absolvo a BB do pedido.”

5. Não se conformando com o assim decidido interpôs a autora recurso de apelação sustentando que deve ser concedido provimento à apelação, sendo revogada a sentença recorrida e declarado transmitido a favor da apelante o direito de propriedade da fracção autónoma ajuizada e melhor identificada no art. 1º. da petição inicial, tendo para tanto apresentado as respectivas conclusões.

6. O Tribunal da Relação conheceu da apelação, tendo procedido à alteração da matéria de facto apurada e concedido provimento ao recurso, que culmina com o seguinte segmento decisório:

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal em conceder provimento ao recurso e, revogando a sentença recorrida, julgam procedente, por provada, a presente ação e, consequentemente, nos termos do art.º 830º, nº 1, do Código Civil, declaram transmitida para a Apelante, o direito de propriedade da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio sito na Rua ..., nº. 16, em ..., atualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo 664 (anteriormente sob o artigo 302 da extinta freguesia do ...) e descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº. 133 da (extinta) freguesia do ..., pelo preço de € 140.000,00 (cento e quarenta mil euros), já integralmente pago.

Custas da ação e do recurso, pela Apelada. Notifique.”

7. Não se conformando com o acórdão dele veio apresentado recurso de revista pela Ré, admitido no Tribunal da Relação, com a prolação do despacho onde se diz:

Por ter legitimidade, estar em tempo e a decisão ser recorrível, admito o recurso de revista interposto pela Ré, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, artigos 631.º, 638.º, 671/1, 674º/1, al a), 675º e 676º, todos do CPC.”

8. No recurso de revista a Ré, vencida, conclui nos seguintes termos (transcrição):

“A) A Recorrente é proprietária da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio sito na Rua ..., nº. 16, em ..., atualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo 664.

B) A fração autónoma identificada no número anterior é considerada objecto num contrato de arrendamento, com uma cláusula de opção de compra, celebrado entre a recorrente e a recorrida.

C) “Acordaram quanto ao preço, que findo o prazo dos 5 (cinco) anos, o INQUILINO irá proceder à opção de compra pelo valor de € 140.000,00 (cento e quarenta mil euros” (…).

D) Sob a égide da reapreciação da matéria de facto, o Tribunal ‘a quo’, ora recorrido, alterou a decisão da matéria de factos e, entendeu, por sua vez, que “Desta factualidade, não é possível, concluir que se tratou de um contrato de arrendamento com opção de compra, porquanto, dali não resulta que foi concedida ao arrendatário a possibilidade, dependente da sua vontade, de adquirir o local arrendado”, o que se discorda em virtude do, claramente, disposto no nº 3 da cláusula 8ª - “Fica expressamente acordado que este contrato tem a duração efetiva de 5 (cinco anos), com opção de compra, aceitado o Segundo Outorgante perder todos os valores entregues até essa data”.

E) Tal como se pode, comummente, retirar que ninguém, no seu perfeito juízo aceita celebrar um contrato de arrendamento com opção de compra onde aceite, sem qualquer segurança jurídica, perder o imóvel caso opte por não dar a opção de compra.

Mais,

F) Não se pode aceitar quando o Tribunal ‘a quo’ conclui que “As partes fizeram um negócio simulado – o contrato de arrendamento com opção de compra – que é nulo, art.º240º,nº2, do CC, e sob esse negócio fizeram um negócio dissimulado– o contrato promessa de compra e venda. Trata-se de um caso de simulação relativa, art.º 241º do CC, e o contrato dissimulado será válido desde que tenha sido observada a forma exigida por lei, cf. nº 2 do mesmo normativo” e depois, simplesmente não considerar a nulidade como consequência directa da inobservância da forma exigida por lei.

G) Não obstante, e considerando-se este contrato como contrato de arrendamento, ainda que com opção de compra, é essencial alcançar ao que ao momento e forma de aquisição da propriedade diz respeito, pois dispõe o artigo 1316º do CC que o “O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei”, que o “O direito de propriedade adquire-se por contrato (…)” e, na mesma senda, o artigo 1317º, al. a) do mesmo diploma dispõe que, no caso de contrato, o momento da aquisição do direito de propriedade é o designado nos artigos 408º e 409º do CC.

H) E atentos ao teor do n.º 1 do artigo 408º do CC, não se pode ignorar que a lei pode sujeitar a validade de um contrato a determinada forma especial, como vai até mais longe ao sujeitar a escritura pública ou documento particular autenticado os contratos preparatórios de alienação de direitos sobre imóveis, se conjugarmos com o disposto no artigo 875º do mesmo diploma: “o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado” - parece razoável conceber que qualquer contrato preliminar a este e que verse sobre um determinado bem imóvel, também ele esteja sujeito a igual exigência de forma.

I) Sendo que o desfecho da falta de forma legalmente exigida é a nulidade conforme dispõe o artigo 220º do CC ex vi artigo 219º do mesmo diploma.

J) E a natureza formal aqui opera pelo conteúdo e efeito do objecto do contrato que, in casu, seria a opção de compra de um imóvel, o que, atendendo-se ao disposto no artigo 364º do CC, sob a epígrafe “Exigência legal de documento escrito”, que vem reforçar que a regra é a de que o documento escrito, autêntico, autenticado ou particular, é exigido como forma ad substantiam.

K) Já refere Pedro Pais de Vasconcelos que “Para além das exigências legais de forma estatuídas a propósito de tipos contratuais, existem também na lei exigências de forma estatuídas a propósito do conteúdo e efeitos dos contratos e que se aplicam para além dos tipos contratuais. É o caso, por exemplo, do nº 1 do artº 80º do Código do Notariado, que determina a obrigatoriedade de escritura pública para todos e quaisquer contratos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou de servidão sobre coisas imóveis. (…) As exigências legais de forma, como estas, são aplicáveis a todos os contratos, sejam eles de que tipo forem e sejam eles típicos ou atípicos. Assim, devem ser celebrados por escritura pública todos os contratos atípicos com eficácia real que tenham por objeto imóveis.”

L) Face ao exposto, conclui-se que estamos perante um contrato insusceptível de ser executado especificamente, devendo o Acórdão proferido ser revogado e consequentemente, manter-se a subsistência da sentença proferida no Tribunal da 1ª instância.

9. A autora apresentou contra-alegações, onde se conclui (transcrição):

“a) A presente acção tem por objecto um contrato-promessa de compra e venda de fracção autónoma que foi dissimulado sob as vestes de um contrato de arrendamento com opção de compra, por a Ré estar sujeita a uma cláusula de inalienabilidade que apenas cessaria a sua vigência cinco anos depois;

b) Não podendo a Ré vender, de imediato (em 2015), a fracção autónoma em causa, mas querendo encaixar imediatamente uma parte do preço, a sua mãe dissimulou um contrato-promessa de compra e venda sob a forma de um contrato de arrendamento simulado, do qual constam todas as cláusulas essenciais do negócio efectivamente desejado por ambas as partes (preço, forma de pagamento e tempo de celebração do contrato prometido, com indicação da contraente sobre quem impendia o dever da marcação da escritura de compra e venda);

c) O preço, de € 140.000,00, deveria ser pago pela A. à Ré: (i) € 50.000,00 a título de sinal, até à assinatura do contrato-promessa; (ii) € 60.000,00, a título de reforço de sinal, em prestações mensais, de € 1.000,00 cada uma, entre Julho de 2015 e Junho de 2020 e (iii) € 30.000,00 no acto da outorga da escritura de compra e venda;

d) Por escrito de 9 de Junho de 2020 (autuado sob doc. nº. 33 da petição inicial), a A. notificou a Ré de que a escritura teria lugar no dia 30 desse mês, no Cartório Notarial da ...;

e) A Ré fez-se representar validamente pela...

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