Acórdão nº 666/14.4T2AVR-H.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 09-07-2020

Data de Julgamento09 Julho 2020
Case OutcomeCONCEDIDA A REVISTA.
Classe processualREVISTA (COMÉRCIO)
Número Acordão666/14.4T2AVR-H.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


Processo n. 666/14.4T2AVR-H.P1.S1

Recorrente: Massa Insolvente dePatrícia Sotto Mayor Alvim, Unipessoal, Ldª”

Recorrida: AA

I. RELATÓRIO

1. AA, residente em …, propôs contra “Patrícia Sotto Mayor Alvim, Unipessoal, Ldª” [sucedida por Massa Insolvente de Patrícia Sotto Mayor Alvim, Unipessoal, Ldª, após declaração de insolvência] e BB [herdeiro habilitado da primitiva Ré, CC] ação declarativa com forma ordinária, pretendendo ver declarada a nulidade dos contratos de trespasse celebrados entre as partes e o cancelamento dos inerentes registos, efetuados com base na nulidade dos contratos decorrente da simulação.

2. Alegou que, em 1972, lhe foi adjudicado um estabelecimento de farmácia, estando na altura a autora inscrita na licenciatura de ciências farmacêuticas. Não tendo ainda a autora concluído aquela licenciatura, em 1980, celebrou com pessoa licenciada em Farmácia uma escritura de concessão de exploração do estabelecimento, que se prolongou por 21 anos, tendo em 2001 celebrado, com a mesma, contrato de trespasse, uma vez que foi notificada, pelo Infarmed, para proceder à regularização da farmácia, sob pena de caducidade do alvará. Todavia, não foi pago qualquer preço, tendo tal negócio tido em vista, unicamente, evitar aquela caducidade.

Tendo falecido aquela trespassária, a farmácia passou por herança para a sua mãe, tendo, após o período de dois anos, e porque aquela não era licenciada em farmácia, sido acordado com a primeira Ré mais um trespasse, em 2004, em que não foi pago preço, nem se pretendia transmitir a propriedade, visando-se apenas evitar a caducidade do alvará.

3. Os demandados contestaram, dizendo serem falsos os factos articulados na petição inicial, tendo a primeira Ré comprado e pago a farmácia, devendo a autora ser condenada como litigante de má-fé.

4. Realizado o julgamento, a primeira instância julgou a ação improcedente, e condenou a autora como litigante de má-fé.

5. Inconformada com essa decisão, a autora interpôs recurso de apelação.

6. O Tribunal da Relação do Porto decidiu: «julgar o recurso procedente e, em consequência, revogar a sentença recorrida, julgando nulos os negócios de trespasse mencionados nos factos provados em 5 e 7, determinando-se o cancelamento de registos que tenham sido efetuados com base em tais negócios

7. Discordando de tal decisão, a ré [Massa Insolvente de Patrícia Sotto Mayor Alvim, Unipessoal, Ldª] interpôs o presente recurso de revista, em cujas alegações formulou as seguintes (extensas e repetitivas) conclusões:

«A. Foi proferida Decisão pelo Douto Tribunal da Relação do Porto, nos autos à margem identificados, tendo-se decidido pelo seguinte: “Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso procedente e, em consequência, revogar a sentença recorrida, julgando nulos os negócios de trespasse mencionados nos factos provados em 5 e 7, determinando-se o cancelamento de registos que tenham sido efetuados com base em tais negócios”.

B. Em primeiro lugar, a douta decisão de que se recorre entende, por um lado, que a douta decisão recorrida se baseia em considerações factuais que não estão provadas;

C. Uma vez que considera que os negócios de trespasse tiveram em vista, além de evitar a caducidade do alvará da farmácia, também manter a propriedade no seio da família;

D. Ora, entende que não só a simulação porventura prescindira desta segunda constatação, como a mesma não consta dos factos provados, mas apenas da motivação de facto.

E. Não pode a Ré /ora Recorrente concordar com tal fundamentação.

F. Assim, quanto à Manutenção da propriedade no seio da família DD: o facto de não estarmos perante factos dados como provados - nulidade da sentença - artigo 615.º n. 1 b), c) e d) do CPC.

G. As causas de nulidade tipificadas nas alíneas b) e c) do n. 1 do artigo 615º, aplicável por força do disposto nos artigos 685º e 666º, todos do Código de Processo Civil ocorrem quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda a decisão (al. b)) ou quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou se verifique alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível (c)).

H. O dever de fundamentar as decisões tem consagração expressa no artigo 154º do Código de Processo Civil e impõe-se por razões de ordem substancial, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstrata soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respetivo fundamento ou fundamentos (cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9.12.1987, in BMJ 372/369).

I. Não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 668º

J. Nele foram discriminados e analisados criticamente os factos considerados provados no âmbito do julgamento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e proficientemente integrados dando-se cumprimento ao comando legal inserto nos artigos 662º, 607º nº 5 e 608º nº 2 do Código de Processo Civil

K. O acerto ou desacerto da respetiva decisão é questão diversa, que não cabe no campo dos vícios geradores de nulidade, mas no domínio do eventual erro de julgamento.

L. Não ocorre, por conseguinte, a invocada causa de nulidade previstas na al. b) do n. 1 do citado artigo 615º.

M. No tocante à causa de nulidade prevista na al. c) do n.1 do mesmo preceito, vem-se entendendo, sem controvérsia, que a oposição entre os fundamentos e a decisão constitui um vício da estrutura da decisão.

N. Radica na desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso.

O. Tecidas estas breves considerações e volvendo ao caso em análise, verifica-se que a douta decisão se baseia num argumento que, salvo devido respeito, não caracterizou qualquer situação evidenciadora da invocada contradição entre os fundamentos e a decisão insertos no acórdão recorrido, o qual está estruturado numa linha de argumentação – factual e jurídica – lógica, emergindo a decisão como a consequência natural e plausível dos fundamentos em que se alicerça.

P. São perfeitamente apreensíveis e claros quer o sentido da fundamentação, quer do segmento decisório do acórdão recorrido, os quais não se prestam a interpretações dúbias.

Q. A nulidade da sentença por falta de fundamentação não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final.

R. O que não se verifica no presente caso, uma vez que a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância refere claramente que estes negócios foram realizados com o propósito de evitar a caducidade do Alvará da referida farmácia, em respeito pelo disposto nas Bases III e IV da Lei nº 2125, de 20.03.1965, que impunham que os estabelecimentos de farmácia fossem titulados por farmacêuticos, motivo pelo qual não foi pago qualquer preço nos aludidos negócios.

S. Porém, pese embora o intuito destes negócios fosse legalizar a farmácia e manter a validade do respetivo Alvará, apenas em face desta factualidade, não podemos concluir pela simulação absoluta e consequente nulidade destes negócios, uma vez que não se provou que esse tenha sido o único propósito de tais contratos, e que as outorgantes nas respetivas escrituras reconheciam que a real proprietária da farmácia continuaria a ser a Autora.

T. Como resulta da motivação da matéria de facto – cfr. factos provados 8 a 15, aqueles negócios visaram, também, manter a propriedade daquela farmácia na família DD, constituída, numa fase inicial, pela Autora, seu irmão EE e a mãe destes, tendo sido, certamente por este motivo que, logo aquando da primeira escritura de trespasse, em que foi trespassária a Dra FF, esta outorgou procuração àquele EE que, assim, continuou a gerir aquele estabelecimento de farmácia.

U. A segunda escritura de trespasse, realizada já pela mãe da Dra FF, aqui Ré CC, sua herdeira, terá tido em vista repor a situação jurídica da farmácia, fazendo “regressar” a sua titularidade à família DD, desta vez na titularidade de uma sociedade unipessoal constituída pela sobrinha da Autora e filha do seu irmão EE, a Dra GG, única licenciada em farmácia que poderia assegurar a validade do respetivo Alvará.

V. Não pode decorrer, pois, dos factos atinentes à realização daqueles contratos, qualquer nulidade que tenha como consequência a restituição do estabelecimento de farmácia à esfera jurídica da Autora, como consequência típica da nulidade, prevista no art.º 289.º, n.º 1 do Código Civil.

W. Não estamos perante uma situação em que o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usou de fundamentos ou razões não invocados pelas mesmas.

X. O tribunal não conheceu questões de que não devesse conhecer ou usou de excesso de pronúncia suscetível de integrar nulidade.

Y. O tribunal limitou-se a dar como provado determinados factos, deu cumprimento integral ao disposto no art.713º do CPC, e ainda foi mais longe, pois que fundamentou, quer de facto quer de direito a decisão tomada

Z. Por falta absoluta de motivação deve entender-se ausência total de fundamentos de direito e de facto.

AA. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n. 2 do art. 668º” [in "Código de Processo Civil Anotado", V, 140].

BB. Deste modo, face à doutrina exposta, se...

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