Acórdão nº 661/18.4T8CSC.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 09-05-2024

Data de Julgamento09 Maio 2024
Número Acordão661/18.4T8CSC.L1-2
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Em 27/2/2018 I … … … … … intentou acção declarativa com forma comum contra AB, pedindo a condenação desta:
i. a retirar todos os conteúdos da sua página de Facebook identificados como documentos 1 a 50, na medida em que contêm expressões ou imputações de factos torpes ou criminosos à A.;
ii. a pagar à A. a quantia de € 250.000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alega para tanto, e em síntese, que:
- É a grande visada da reportagem televisiva, denominada “O Segredo dos Deuses”, transmitida no Jornal das 20h00 da TVI e TVI24, entre os dias 10 e 22 de Dezembro de 2017, de que a R. foi uma das autoras e responsáveis;
- Na sequência da referida reportagem, a A. demandou a R. em acção pendente à data da propositura da presente acção, pela afirmação e divulgação de factos falsos e atentatórios do seu bom nome, nomeadamente, o cometimento de crimes que a R. fez divulgar na TVI e na TVI24, bem como nos respectivos sites, sem que tivesse cumprido as regras profissionais e deontológicas a que está obrigada, tais como as da observância do contraditório e o dever de objectividade e de imparcialidade;
- Pela presente acção a A. pretende ser ressarcida por, simultaneamente e na sequência da referida reportagem, a R. ter afirmado factos, divulgado, instigado e promovido uma verdadeira campanha difamatória e persecutória contra a sua pessoa, na sua página da rede social Facebook, ignorando os deveres e a ética profissionais que se lhe impõem e violando os direitos ao bom nome, à honra e à reputação que lhe são devidos;
- Para tanto, a R. inseriu um conjunto de publicações na página da rede social Facebook que não se limitaram a reproduzir os conteúdos e os títulos que esta utilizou na elaboração da referida reportagem, mas que pelo contrário, se traduziram na imputação à A. de factos falsos e de factos objectivamente difamatórios;
- Foi e é a R. pessoalmente responsável pela instigação das pessoas que contra si constituíram movimentos e petições, tais como o movimento denominado por “#Não adopto este silêncio”, a subscrição da Petição n.º 460/XIII/3.ª, a qual foi apreciada e discutida na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República e a manifestação denominada por “Movimento Verdade”;
- A R. procedeu à divulgação da referida reportagem para o estrangeiro, com a intenção de intensificar, consciente e propositada, os danos causados à A. pelas falsidades, distorções da verdade e gritantes omissões que a peça jornalística em causa continha e, bem assim, das declarações da R. que a acompanharam e por fim, a promoção de um consórcio internacional de jornalistas criado com o objectivo de investigar as “adopções ilegais da cúpula da Igreja … em Portugal e a própria I … nível mundial”;
- A R. aproveitou-se da sua profissão e notoriedade para lançar contra a A. uma campanha de difamação, assente em factos cuja veracidade não foi aferida e cujo contraditório era exigível à luz das regras jornalísticas e jurídicas.
Citada a R., apresentou contestação onde, em síntese:
- Impugna que tenha divulgado ou afirmado factos falsos;
- Impugna que tenha promovido uma campanha difamatória e persecutória contra a A, nas reportagens emitidas pela TVI ou em qualquer outro suporte, nomeadamente na sua página da rede social Facebook, já que actuou no decurso da sua actividade profissional e, em concreto, por ser uma das jornalistas autoras das reportagens identificadas pela A., procedendo à normal promoção e divulgação desse seu trabalho, bem como ao seu acompanhamento e recolha das reacções que suscita ou dos desenvolvimentos informativos que tal provocou;
- Alega que a A. não tem outro intento com a presente acção que não seja o de, através da multiplicação de mecanismos jurídicos aparentemente lícitos de defesa da honra, promover e desenvolver uma estratégia de verdadeiro constrangimento e condicionamento da R., enquanto jornalista, da sua liberdade de expressão e de divulgação de factos com interesse público e jornalístico incontestável;
- Alega que a A. pretende constrangê-la economicamente, pelo menos com o pagamento de avultadas despesas com taxas de justiça e serviços jurídicos, e ainda condicionar a liberdade de expressão da então entidade empregadora da R. e de outros órgãos de comunicação social e jornalistas que ousem abordar nas suas publicações ou emissões qualquer tema que a A. considere desfavorável ou desagradável;
- Alega que a referida reportagem é factualmente correcta e que relata e informa sobre um caso de manifesto interesse público e jornalístico, sendo o fruto de dedicado e exaustivo trabalho de investigação que cumpriu com as regras aplicáveis à profissão de jornalista;
- Alega que actuou com o único intuito de cumprir o direito de informação a que está vinculada, investigando o tema e decidindo divulgar as informações verdadeiras e concretas que obteve, com o objectivo de denunciar as irregularidades nos processos de adopção com que se deparou ao longo de toda a investigação;
- Alega que as suas publicações na sua página da rede social Facebook não permitem efectivar ou mesmo descortinar uma responsabilidade por factos ilícitos diversa da referente ao que foi relatado na referida reportagem, porquanto estas publicações visaram a partilha do trabalho profissional, o seu acompanhamento e recolha de reacções e iniciativas a seu propósito, cuja promoção e divulgação foi a utilização de uma ferramenta da sociedade mediatizada, como é a rede social Facebook;
- Impugna a existência dos danos não patrimoniais invocados.
Conclui pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido, mais pedindo a condenação da A. em multa e indemnização, como litigante de má fé, com fundamento em manipulação da realidade dos factos e utilização do processo para fins reprováveis.
A A. respondeu às excepções constantes da contestação e ao incidente de litigância de má fé, concluindo pela improcedência daquelas e deste, e como na P.I.
Com dispensa de audiência prévia foi proferido em 28/11/2018 despacho saneador tabelar, mais sendo fixado o valor da causa, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Procedeu-se à realização da audiência final, com sessões em 10/12/2021, 15/12/2021, 4/1/2022, 6/1/2022, 24/1/2022, 24/2/2022, 4/3/2022, 16/3/2022, 17/3/2022, 22/3/2022 e 29/3/2022.
No decurso da audiência final a A. requereu a ampliação do pedido relativamente aos danos não patrimoniais, aumentando para € 290,000,00 o valor da indemnização peticionada, e tendo tal ampliação do pedido sido admitida por despacho proferido na mesma audiência final.
Foi proferida sentença em 23/8/2023, pela qual a acção foi julgada improcedente, com a absolvição da R. do pedido.
A A. recorre desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1. O presente recurso visa a impugnação da Sentença, seja no que respeita à decisão proferida sobre a matéria de facto, seja no que respeita à decisão de direito.
2. Em primeiro lugar, ainda que não assuma especial relevância para a boa decisão da causa nos presentes autos ou para a impugnação que ora se vem fazer, cumpre corrigir o que, certamente, será uma gafe dactilográfica e que se prende com o montante vertido no facto provado n.º 289, referente ao valor da acção sob o n.º de processo …/… intentada pela Autora contra a Ré e outros, o qual não é de € 15.000.000,00, como indicado pelo Tribunal a quo, mas antes de € 5.000.000,00, passando o facto provado n.º 289 a ter a seguinte redacção: “289. A autora intentou contra a ré, e outros 9 réus, uma acção declarativa comum, que corre termos sob o n.º …/…, junto do Juiz, destes Juízos Centrais Cíveis de Cascais, com base nos factos relatados na reportagem “O Segredo dos Deuses”, peticionando a condenação dos réus no pagamento da quantia total de 5.000.000,00, a título de indemnização pelos danos causados pela sua transmissão.”
3. No que concerne ao facto provado n.º 276, o Tribunal a quo deveria ter considerado provado que, através da sua página da rede social Facebook, a Ré procedeu à divulgação, instigação e promoção de uma campanha difamatória e persecutória contra a ora Recorrente, por meio da reapreciação da gravação do depoimento da testemunha JB, o qual deveria ter a seguinte redacção: 276. A ré, com as publicações que fez na sua página da rede social do Facebook, contribuiu para a divulgação e incentivou terceiros a juntarem-se a movimentos sociais, como o movimento “#Não Adoto este Silêncio”, a manifestações como a do denominado “Movimento Verdade” e a subscreverem petições públicas apresentadas com referência aos factos relatados na reportagem e que envolviam a autora, entre as quais uma que visava a ilegalização da autora em Portugal, procedendo assim à instigação e promoção de uma campanha persecutória contra a Autora.
4. No que concerne ao facto provado n.º 277 – que teve por base as declarações de parte da Ré e os documentos que se referem às publicações da Ré na rede social Facebook – o Tribunal a quo deveria ter considerado provado que, pese embora a utilização “profissional” que a Ré faz da sua página de Facebook, essa utilização encontra-se fora do exercício da sua actividade profissional como jornalista, nos termos afirmados pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (“CCPJ”) no documento junto aos autos com o requerimento probatório sob a referência citius 30991123, pelo que este facto deveria ser o seguinte: “277.A utiliza a sua página da rede social do Facebook tanto na sua vida pessoal como profissional, como jornalista que se dedica à investigação, não distinguindo os destinatários ou quem visualiza a sua página uma qualidade da outra, pese embora esta utilizaç
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