Acórdão nº 6608/20.0T8VNF-H.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27-06-2024

Data de Julgamento27 Junho 2024
Número Acordão6608/20.0T8VNF-H.G1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I.
1) Através de petição inicial apresentada no dia 30 de novembro de 2020, Banco 1..., SA, pediu a declaração de insolvência de AA alegando, em síntese, que: é titular de créditos sobre a Requerida cujo montante total ascende a € 38 067,13; a Requerida tem outras dívidas, ascendendo o total do seu passivo a € 140 545,00; a Requerida não tem património nem aufere rendimentos que lhe permitam suportar esse passivo; também não tem possibilidade de recorrer ao crédito.
Citada, a Requerida admitiu os factos alegados pelo Requerente e pediu a exoneração do passivo restante, alegando, para o efeito, também em síntese, encontrarem-se verificados todos os requisitos previstos nos arts. 237 e 238 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Por sentença proferida no dia 10 de fevereiro de 2021, foi declarada a insolvência da Requerida.
Na sequência, o administrador da insolvência designado (AI) emitiu parecer no sentido do indeferimento liminar do requerimento de exoneração do passivo restante, dizendo que: a insolvente foi sócia e gerente das sociedades denominadas EMP01..., Lda., e EMP02..., Lda., conjuntamente com o seu então marido; no exercício do cargo de gerência, a insolvente avalizou diversas responsabilidades daquelas sociedades junto de várias instituições de créditos; a sociedade denominada EMP01..., Lda., foi declarada insolvente em 26/11/2019, por sentença proferida no processo n.º 6521/19...., que correu termos no Juiz ... do Juízo de Comércio de ... do Tribunal judicial da Comarca de Braga; a insolvência da sociedade denominada EMP01..., Lda., foi declarada com carácter limitado, nos termos do disposto nos arts. 39º e 191º, ambos do CIRE, uma vez que o património da sociedade não era à data suficiente para a satisfação das custas do processo e dívidas da massa insolvente; a sociedade denominada EMP02..., S.A., apresentou resultados líquidos negativos nos anos de 2016 e 2017, nos valores de € 32.451,00 e € 44.456,00, respetivamente; a EMP02..., Lda. apresentou também capitais próprios negativos, nos valores de € 18 139,00 e € 46 007,00, respetivamente; as últimas contas da sociedade denominada EMP02..., Lda., depositadas na Conservatória do Registo Comercial reportam-se ano de 2017, denotando o incumprimento das obrigações legais nos anos seguintes; a sociedade denominada EMP02..., Lda., foi declarada insolvente por sentença proferida em 27/08/2020, no âmbito do processo n.º 3772/20...., que correu termos no Juiz ... do juízo de Comércio de ... do Tribunal Judicial da Comarca de Braga; o processo n.º 3772/20.... foi encerrado por insuficiência da massa insolvente, ao abrigo do art. 230º, n.º 1, al. d) do CIRE, em 21/012/2020; à insolvente apenas é conhecido o salário no valor mensal de € 660,00 que aufere pelo desempenho das funções de assistente técnica por conta do Instituto da Segurança Social, I.P.; não foram localizados e apreendidos quaisquer bens propriedade da insolvente; foram reconhecidos créditos no valor global de € 158 887,85; a insolvente, em Abril de 2020, conjuntamente com o então marido, confessou-se devedora de um crédito de € 100 000,00 a favor do sogro e constituiu uma hipoteca sobre metade de um prédio a favor do sogro, prédio esse que foi, posteriormente, doado à filha menor BB, através de documento particular autenticado, assinado no dia 24 de Abril de 2020; os mencionados negócios não visaram mais do que enganar e prejudicar os credores da insolvente, forjando um crédito que não se encontra demonstrado e, ao mesmo tempo, favorecendo – de forma habilidosa mas inadmissível do ponto de vista legal – o alegado credor em causa – sogro da insolvente – em detrimento de todos os outros e fazendo com esse bem imóvel/direito não integrasse o respetivo património, evitando a necessária apreensão do mesmo no âmbito do processo de insolvência; à data da realização dos negócios em causa, a insolvente estava ciente que as dívidas que tinha avalizado e afiançado reverteriam para si, na medida em que as devedoras originárias não tinham já solvabilidade para honrar as obrigações assumidas.
Os credores Banco 1..., SA, Banco 2..., SA, e Banco 3..., ... SA ..., sufragaram o parecer do AI. Os demais credores nada disseram.
A Requerida, notificada, manteve o seu requerimento e disse, em síntese, que nunca exerceu de facto a administração das sociedades EMP01... e EMP02...; o preço devido pela aquisição do direito de propriedade sobre o identificado prédio doado foi pago com dinheiro emprestado pelo seu sogro; este exigiu que fosse constituída uma hipoteca para garantia da restituição do tantundem e que a propriedade fosse transmitida para a esfera jurídica da sua filha; não atuou, por isso, de má fé.
Foi proferido despacho a: afirmar, em termos tabulares, a verificação dos pressupostos processuais; fixar o valor processual do incidente em € 158 887,85; delimitar o objeto processual; enunciar os temas da prova.
Realizou-se audiência de produção de prova e, no final, foi proferida decisão a indeferir liminarmente o requerimento de exoneração do passivo restante, por se ter entendido não estar verificado o requisito negativo constante da alínea e) do n.º 1 do art. 238 do CIRE, tendo a Requerida contribuído com culpa grave para a situação de insolvência.
***
2) Inconformada com a decisão acabada de referir, a Requerida (daqui em diante, Recorrente) interpôs o presente recurso, no qual, depois de ter afirmado que foi violado o disposto no art. 238 do CIRE, concluiu nos seguintes termos:

“1. A Insolvência de AA, adveio do facto de ter avalisado vários pedidos de empréstimos a instituições de créditos, formalizados pelas pessoas coletivas EMP01..., Lda., e EMP02..., Lda.
2. Sociedades comerciais, das quais era sócia conjuntamente com o ex-marido CC.
3. E das quais, durante algum tempo, esteve registada como sua sócia gerente, mas sem que, alguma vez, de facto, exercesse tal função.
4. Sociedades Comerciais, que como consta dos autos e se deu como provado, sempre foram geridas, de facto, pelo CC.
5. Porquanto a Insolvente, desde 2002, sempre foi funcionária Pública, na Escola ... e no Centro Regional de Segurança Social, onde ainda continua.
6. Funções que desempenhou sempre a tempo inteiro, em horário normal de expediente, cinco dias por semana.
7. A Insolvente, filha única é mãe de BB, nascida a ../../2005, fruto do casamento com CC.
8. A Insolvente, aufere, € 876,31, do qual se sustenta e sustenta a filha BB, recém-entrada na Universidade, já que o pai, CC, deixou de liquidar a prestação de alimentos a que estava obrigado (levando a Insolvente a reclamar nos processos 943/21.... – Juízo de Família e Menores de Braga – Juiz ... e apresentar queixa no Ministério Público - Departamento de Investigação e Ação penal de Braga 3ª Secção, Processo Nº. 4598/22....).
9. Com a requerida Insolvência, a mesma, passou a residir, com a filha, em casa arrendada, no concelho ..., deixando livre de pessoas o prédio, onde residia e no qual era proprietária de 1/2 (metade), que detinha conjuntamente com o ex-marido.
10. Imóvel este que a Requerente, em 2017, tinha adquirido com o ex-marido CC, bem assim com o irmão deste e seu cunhado – DD;
11. Imóvel, este, adquirido em grande parte, com dinheiro cedido pelo sogro.
12.Ficando o referido prédio na titularidade de ½ (metade da insolvente e do marido) e a outra metade do cunhado DD.
13. A insolvente divorciou-se em ../../2020.
14. Exigindo ainda, o sogro, a efetivação de uma escritura de mútuo com hipoteca, e a doação da parte do ... e da insolvente à neta, BB (negócios e referências, descritos nos Pontos 7 e 8 da douta sentença).
15. Decorre que, as empresas EMP01... e EMP02..., insolveram em 26/11/2019 e em 27/08/2020 respetivamente.
16.Tendo os credores, reclamado da aqui insolvente os respetivos créditos.
17.Tendo comunicado, de imediato ao Banco 1..., da sua impossibilidade em cumprir com as suas obrigações.
18.Preparando-se para requerer a sua insolvência, atenta a situação em que ficou, pois, desconhecida as situações em que os créditos e o seu cumprimento se encontravam, viu, por antecipação, o credor Banco 1..., requerer a sua insolvência, cuja sentença transitou em julgado em 03/03/2021.
19. Situação de insolvência esta, que apesar de não ter sido requerida pela Insolvente, foi reconhecida, de imediato;
20. Sem que, tal facto, como reconhecido nos autos e respetiva sentença, tivesse originado atrasos, constrangimentos ou prejuízos aos credores.
21.Reconhecendo, assim a requerida AA, a sua efetiva e real situação de Insolvência, para a qual foi “arrastada” em virtude da incúria com que o ex-marido CC, geriu as empresas e os respetivos créditos contraídos, avalizados pela mesma.
22.Pelo que, a insolvência, de AA, não advém, do facto da mesma incumprir com as suas obrigações pessoais, nem da má gestão dos seus recursos financeiros, mas sim do facto, de ter avalizado débitos das referidas empresas.
23.CC, que, como se demonstrou, sempre exerceu uma administração, autocrática, nada conferenciando, com a sua mulher e sócia das empresas.
24.Assim se podendo e devendo concluir, que a insolvente, ainda que quisesse e pudesse, não lhe era permitida, a ingerência nas empresas e assim acompanhar, ainda que superficialmente, a situação económica e financeira das mesmas.
25.Concluindo o tribunal a quo, em jeito de decisão final, que a Insolvente, no processo de doação, á filha, conjuntamente com o ex-marido, quis ocultar o imóvel, casa de morada de família, facto que, salvo o devido respeito, não existiu.
26.Situação, de resto, que a insolvente, justificou nos autos e audiência final, porquanto o comportamento tido, resultou da exigência do marido e do sogro EE.
27.Decorre que, os créditos eram anteriores á compra do imóvel e á doação de parte á filha.
28.Nenhum encargo ou ónus...

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