Acórdão nº 66/18.7YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça, 10-12-2019

Data de Julgamento10 Dezembro 2019
Case OutcomeJULGADA PROCEDENTE A ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO
Classe processualRECURSO DE CONTENCIOSO
Número Acordão66/18.7YFLSB
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça,


I - Relatório

1. AA, Juiz ..., intentou recurso contencioso[1] da deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura (doravante CSM), de 12 de Junho de 2018, que lhe atribuiu a classificação de “Bom” pela sua prestação funcional no período compreendido de ... a ....

Fundamentou a sua pretensão imputando à referida deliberação (de que foi notificada em ...) os vícios de ilegalidade do fundamento de avocação da deliberação do Conselho Plenário de …. e violação dos seguintes princípios: da fundamentação dos actos administrativos, da legalidade, da audiência prévia, da protecção da confiança, da adequação e da proporcionalidade.

Alegou nesse sentido e fundamentalmente:

- ter sido objecto de inspecção ordinária pelo trabalho prestado durante 4 anos, 5 meses e 8 dias em três tribunais (no extinto ......, no período de 23/03/2013[2] a …, onde exercer como Juiz … em substituição da Juíza titular; no extinto ...de …, de … a …, igualmente como Juiz … em substituição do Juiz titular e no Juízo ... de … a …, como Juiz …a todo o Juízo);

- ter a Senhora Inspectora Judicial proposto notação de “Suficiente”, que representa uma descida (em dois graus) relativamente à sua anterior notação;

- ter respondido ao relatório inspectivo invocando: falsidade de factos; não identificação de uma das fontes (“Contactos com alguns funcionários”), invasão do mérito nas decisões judiciais; invasão no poder funcional; erro palmar na apreensão e qualificação dos factos extraídos dos processos judicias (inclusivamente por meio de uso de documentação desentranhada e/ou extemporânea), erro judiciário na análise de questões solvendas adjectivas de natureza laboral; descontextualização e generalização de condutas e propósitos sem suporte factual; enfoque sectorial do desempenho, circunscrito a 1 ano no Juízo …, ...(o mais complexo de 8 anos experienciados na jurisdição laboral, ignorando-se todo o demais desempenho[3];

- ter a Senhora Inspectora, no relatório final, sem dar resposta às questões por si suscitadas, procedido ao aditamento de factos novos em manifesta violação do princípio da fundamentação dos actos administrativos;

- ter apresentado resposta aos factos novos (entregando directamente no serviço de contencioso do CSM em virtude da Exma. Senhora Inspectora Judicial se ter recusado a recebê-la), a qual foi admitida por despacho proferido pelo Exmo. Senhor vogal relator, Dr. BB;

- ter sido surpreendida em ...[4] (por legitimamente aguardar deliberação pelo Conselho Permanente do CSM) com a decisão do Conselho Plenário do CSM, de ..., que aprovou o projecto de deliberação apresentado pelo Exmo. Sr. vogal relator que lhe atribuía a classificação de “Bom”, avocando a apreciação da proposta de notação ao Conselho Permanente, com fundamento na “urgência da sua apreciação”, para “consideração no âmbito da elaboração do Movimento Judicial Ordinário de 20…”;

- ter, à data da deliberação, a classificação de “Bom com distinção” e encontrar-se colocada, como efectiva, desde ..., no juízo ...;

- ter a descida da notação determinado a perda de um requisito (a notação de mérito para a ... ou não local especializada) e, como tal, a perda do lugar onde já estava colocada como juíza efectiva;

- ter sido colocada (de acordo com o projecto de movimento de 2018 aprovado), como Juiz …, no juízo local criminal ...e, para o lugar onde exerce funções como juíza efectiva (juízo ...), uma colega com menor antiguidade, notada com “Bom com distinção”;

- constituir a avocação da deliberação pelo Conselho Plenário uma decisão surpresa (aguardava decisão do Conselho Permanente e a mesma foi processada produzindo efeitos imediatos no movimento judicial em curso – de 2018 - sem permitir à Demandante acautelar os seus legítimos interesses em função da descida de notação[5]) que inviabilizou o exercício legítimo de um contraditório (às erradas subsunções factuais e jurídicas, ainda a depurar pelo CSM) ao eliminar um grau de reclamação (que tem efeitos e natureza diferente da impugnação do acto atento ao alcance que daí decorre);

- ter a referida avocação obstado ao efeito suspensivo que seria de atribuir à reclamação que viesse a ser apresentada da deliberação do Conselho Permanente para o Conselho Plenário;

- constituir objectivo da avocação da deliberação pelo Conselho Plenário a imediata produção de efeitos da notação deliberada;

Requerendo a junção aos autos de documentação por parte do Demandado, concluiu pela anulação da referida deliberação defendendo que a mesma, independentemente da injustiça da notação atribuída[6], deveria ter sido executada apenas no movimento judicial ordinário de 2019, ou quanto menos, precedida por uma informação (dada a iminência do movimento judicial em curso) de que se projectava a descida de notação e a intenção de avocação por parte do Conselho Plenário[7], sob pena de se ter traduzido, na prática, numa aplicação da pena disciplinar conservatória mais severa.

2. O CSM, na sua resposta, defendeu a legitimidade/legalidade por parte do Plenário em avocar competência tacitamente delegada ao abrigo das regras gerais ... administrativo. Sustentou em defesa da legalidade do respectivo procedimento que a Recorrente omite despacho do Vice-Presidente do CSM de que era admissível a avocação da competência pelo Conselho Plenário, justificando-a com a necessidade de celeridade de apreciação das notações de magistrados judiciais que pudessem ser enquadrados na previsão do n.º 5 do artigo 183.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, impugnando, por isso, a existência de qualquer prejuízo para a Recorrente.

Pugnando pela justeza e proporcionalidade da notação atribuída, defendeu ser desprovida de sentido a alegação de intromissão da inspecção no mérito da decisão judicial e referiu não ocorrer qualquer erro na apreciação dos pressupostos fácticos, sustentando que o presente meio processual não comporta uma reapreciação da realidade fáctica.

Por fim, tecendo considerações quanto à natureza da presente acção e aos poderes deste tribunal relativamente à reapreciação da matéria de facto, sustentou que as divergências apresentadas pela Recorrente quanto à notação que lhe foi atribuída não podem ser acolhidas por este tribunal, aduzindo ainda que a notação não infringiu os princípios da igualdade, equidade e proporcionalidade.

Concluiu, assim, pela improcedência do recurso.

3. Em alegações a Demandante suscitou questões prévias e formulou as seguintes conclusões (transcrição):

1) A tramitação do recurso dos autos tem de ser a da ação administrativa (de impugnação de atos) regulada no CPTA com as especificidades constantes dos artigos 168Q a 178s do EMJ;

2) Outra interpretação traduzir-se-ia, por um lado, num "privilégio" (inconstitucional) do Conselho Superior da Magistratura relativamente a outros altos órgãos da Administração Pública e até dos órgãos de soberania do Estado, designadamente Presidente da República, Assembleia da República e seu Presidente, Conselho de Ministros, Primeiro-Ministro, Tribunal Constitucional e seu Presidente, Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Tribunal de Contas e seu Presidente, além de outros [cfr. artigo 249, na 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais];

3) Por outro lado, os magistrados judiciais e outros eventuais interessados deixariam de ter tutela jurisdicional efetiva quanto aos atos do CSM;

4) Ou seja, tal interpretação, além do mais, violaria, por um lado, o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrados e, por outro lado, o direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 1 do artigo 6.º da Constituição Europeia dos Direitos do Homem;

5) Neste sentido, assim tem sido a mais recente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de que é exemplo o douto Acórdão do TEDH de 21 de junho de 2016, [Requêtes n.°- 9023/13 e 78077/13 (CEDH, art.3 6° §1, violação),disponível em htrps://hudoc,echr.coe.mt/eng#f%22itemid%22:[%22001-163823%22]);

6) A não junção do P.A. e restantes documentos requeridos constitui ilegalidade que produz nulidade, já que pode influir no exame ou na decisão da causa - artigos 84.º, n.º1, do CPTA e 195.º, n.º 1, do CPC;

7) A deliberação impugnada do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de … de junho de …, que decidiu atribuir à A. a classificação de "Bom", pela sua prestação funcional no período compreendido de … a …, enferma de invalidades várias, razão pela qual deverá ser anulada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163°, n.º 1, do CPA;

8) Primeiro por manifesta ilegalidade do fundamento da avocação da deliberação do Conselho Plenário de … e violação do princípio da fundamentação dos atos administrativos, porquanto o fundamento usado para a avocação - "urgência na sua apreciação" - é conclusivo e jurídico, não permitindo alcançar, a quem quer que seja, quais foram os factos concretos que determinaram a dita "urgência";

9) Ora, ainda que se faça uma leitura perfuntória da avocação pelo Conselho Plenário da deliberação impugnada, conclui-se que a mesma não cumpre os requisitos de fundamentação legalmente exigidos, visto que não consta da mesma a justificação ou a motivação pelas quais a reclamação apresentada pela A. sobre o relatório inspetivo não foi apreciada e decidida pelo Conselho Permanente, mas sim pelo Conselho Plenário, pelo que a deliberação impugnada é ilegal por violação do disposto no artigo 153s, n.º 2, do CPA, devendo ser anulada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163Q, n.º 1, do CPA;

10) Segundo, por violação do princípio da legalidade porquanto a deliberação impugnada ao ter implicado a movimentação obrigatória da A. por perda de requisitos no "Movimento Judicial em curso" e não no Movimento Judicial...

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