ACÓRDÃO Nº 658/2023
Processo n.º 786/2022
2ª Secção
Relatora: Conselheira Mariana Canotilho
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte, em que é recorrente A., Lda. e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), foi interposto recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), do Acórdão proferido por aquele Tribunal, que negou provimento ao recurso interposto de sentença, a qual decidiu absolver a AT da instância de impugnação judicial deduzida contra liquidação de adicional IRC, com fundamento na sua inimpugnabilidade.
2. Na parte que releva para a apreciação do presente recurso, pode ler-se na decisão recorrida:
«(…)
Por despacho judicial proferido em 26/11/2021, o tribunal recorrido reparou a sentença, por não ter conhecido da inconstitucionalidade suscitada, na sequência do recurso interposto em 23/09/2021, no qual a impugnante suscitava tal nulidade, por omissão de pronúncia.
Tendo a sentença recorrida sido complementada com a apreciação de tal vício e passando este aditamento a fazer parte integrante da mesma, após, foi a impugnante notificada, nos termos do artigo 617.º, n.° 3 do Código de Processo Civil, que dispõe que, neste caso, pode o recorrente, no prazo de 10 dias, desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o respectivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença.
Nessa sequência, a Recorrente alargou o âmbito do recurso, por requerimento apresentado em 09/12/2021, sendo as conclusões das alegações nessa data apresentadas que delimitam o objecto do presente recurso.
Desta feita, a Recorrente insiste na nulidade da sentença, mais uma vez por omissão de pronúncia, mas com novos fundamentos:
(i) O Tribunal a quo não cuidou de analisar a questão da preterição de formalidade legal essencial - ilegal extravasamento da extensão da acção inspectiva, que configura um vício autónomo do acto de liquidação impugnado, cuja apreciação não depende da existência do procedimento de revisão da matéria colectável;
(ii) Tratando-se esta de questão sobre a qual se lhe impunha tomar conhecimento, a decisão que não a conheceu incorre em nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 125.° do CPPT e na alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e), do CPPT.
Como bem alerta o tribunal recorrido, na nossa óptica, o Recorrente extravasou a faculdade concedida pelo artigo 617.º, n.° 3 do CPC, vindo suscitar nova nulidade, que não havia suscitado na peça recursiva apresentada em 23/09/2021. De facto, este novo vício assacado à sentença recorrida não está relacionado com a alteração que a decisão sofreu, por força do conhecimento da suscitada inconstitucionalidade. Claramente, aproveitando-se do aditamento que integrou a sentença, a Recorrente introduziu no seu recurso uma nova questão, o que não se mostra em conformidade com o disposto no artigo 617.º, n.° 3 do CPC, que, efectivamente, permite o alargamento do objecto do recurso, mas em conexão com a alteração sofrida pela sentença; pelo que entendemos ser impossível, nesta parte, este Tribunal tomar conhecimento dessa questão, dado que tal arguição de nulidade, por omissão de pronúncia, se mostra intempestiva.
Porém, mesmo que assim não fosse, não vislumbramos que tenha sido invocada na petição de impugnação, designadamente, nos artigos 199.° a 207.º indicados pela Recorrente, preterição de formalidade legal essencial, quanto a eventual extravasamento da extensão da acção inspectiva tributária, nomeadamente, em violação dos termos do artigo 15.0 do RCPIT.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se, o que não se verifica in casu.
Efectivamente, impõe-se ao juiz o poder/dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente - cfr. artigo 6o8.°, n.° 2 do CPC.
Nos artigos 199.° a 205.º da petição inicial, a impugnante aborda a utilização de elementos de outros exercícios para sustentar o erro na quantificação, mas em nenhum momento autonomiza e extrai as consequências jurídicas no que concerne a ilegalidade da liquidação por preterição de formalidade essencial, em violação do artigo 15.º do RCPIT, pelo que não se impunha o seu conhecimento como vício autónomo da liquidação.
Ora, se tal alegação sustenta o erro na quantificação e o tribunal "a quo", a este respeito, exarou que "é manifesto que a Impugnante reage contra a liquidação com fundamento na não verificação dos pressupostos de determinação indirecta da matéria colectável e excesso na quantificação, pelo que nos termos dos arts. 86.°, n.° 3 da LGT e 117.º, n.° 1 do CPPT, a impugnação judicial depende de prévia revisão da matéria colectável nos termos do art.º 91.º da LGT, o que não sucedeu, tal como se colhe do probatório” e julgou procedente a excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto, é evidente ter ficado prejudicado o conhecimento do erro na quantificação da matéria tributável com aquela argumentação, conforme o disposto no mencionado artigo 608.º, n.°2doCPC.
Nesta conformidade, não estamos perante questão que o tribunal devesse apreciar, tanto mais que o tribunal recorrido indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, pelo que não incorreu na nulidade da sentença prevista na parte final do artigo 125.º, n.° 1 do CPPT; improcedendo as conclusões 7.2 a 13/ das alegações do recurso.
Em face do que já ficou dito, não tomará este tribunal conhecimento do teor das conclusões 14.ª a 25ª das alegações do recurso, que inclui a impugnação da decisão da materia de facto, na medida em que a mesma se mostra circunscrita apenas à factualidade que seria relevante para apreciação da ilegalidade do extravasamento da extensão da acção inspectiva.
É notória a extemporaneidade da alegação desta questão em sede recursiva, dado que somente surge, descontextualizada, na sequência da notificação nos termos e para os efeitos do artigo 617.°, n.° 3 do CPC. Por outro lado, trata-se de questão nova, que não foi invocada nem apreciada pelo tribunal recorrido (e bem, dado que o vertido nos artigos 199.° a 207.º da petição de impugnação se destinou a evidenciar que o valores apurados e relevados pelos serviços de inspecção tributária estão incorrectos, apontando-se duas razões - cfr. artigo 198.º da petição).
Realmente, a questão da preterição de formalidade legal essencial, como questão nova, não pode ser conhecida em sede recursiva.
Como é jurisprudência pacífica do STA, reiterada em vários acórdãos, com excepção das que sejam de conhecimento oficioso, não pode em sede de recurso conhecer-se de questões novas, ou seja, de questões que não tenham sido objecto da sentença, pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores - visando anulá-las ou alterá-las com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) - e não a decidir questões que, podendo e devendo ter sido suscitadas antes, o não foram.
Neste sentido, entre muitos outros, pode ver-se o acórdão do STA, de 27/01/2016, proferido no âmbito do processo n.° 043/16, que contém vasta referência jurisprudencial.
Não se trata, claramente, de matéria de conhecimento oficioso deste tribunal, parecendo que a Recorrente, em face do julgamento "a quo” (o despacho proferido em 26/11/2021, que complementa a sentença), que alerta para a possibilidade de conhecimento de outros vícios do acto de liquidação que nada tenham que ver com os pressupostos que determinaram a avaliação indirecta ou com a quantificação da matéria tributável, tentou, ainda, “salvar a impugnação", descortinando invalidades cognoscíveis de outra natureza.
Por tudo o exposto, não é admissível esta actuação processual; não se tomando, assim, conhecimento desta questão.
Nas conclusões 26.° a 53.° das alegações do recurso, a Recorrente não se conforma com o julgamento de facto e de direito realizado pela primeira instância, quanto à inconstitucionalidade suscitada, reiterando que o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado pela inconstitucionalidade da interpretação das normas constantes dos artigos 86.°, n.° 5, da LGT, e 117.0, n.° 1, do CPPT, no sentido de que o acto de liquidação emitido nas circunstâncias do caso sub judice ser inimpugnável configura uma violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais e o princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos 20.º e 268.º, n.° 4, da CRP, aludindo, ainda, à violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade tributária.
Nas conclusões 54.º a 68.° das alegações do recurso, a Recorrente...