ACÓRDÃO Nº 657/2018
Processo n.º 870/16
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrida a B., S.A., o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), de Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que confirmou a decisão de não conhecer as nulidades da sentença proferida em primeira instância, por estas não terem sido arguidas pelo recorrente «expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso», ao abrigo do n.º 1, do artigo 77.º, do Código de Processo do Trabalho (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro).
2. Notificado para alegar, o recorrente apresentou as seguintes conclusões:
«A. A posição do Recorrente é de simples enunciação: o STJ adotou o entendimento normativo do art. 77.º n.º 1 do C.P.T., no sentido de que, em processo laboral, não deve ser apreciada a nulidade da sentença arguida em recurso de apelação, quando a mesma não tenha sido suscitada no requerimento que antecede as alegações propriamente ditas, mas sim no corpo destas e nas respetivas conclusões, o qual, na tese do Recorrente, é inconstitucional, por manifesta ofensa do direito a um processo equitativo (ademais tendo em conta o novo regime estatuído pelo art. 641.º n.º 1 do C.P.C., o qual estatui que, em todas as situações, o juiz a quo deve pronunciar-se sobre as nulidades arguidas em sede de recurso).
B. Contudo, firmou-se uma jurisprudência que, em nome dos princípios da celeridade e de economia processuais, encontraria justificação na formulação do art. 77.º, n.º 1 do C.P.T., no sentido de impor ao juiz a quo a obrigação de se pronunciar sobre a nulidade arguida, o que não aconteceria no regime do processo civil. Tal jurisprudência encontrou respaldo no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 403/2000, de 27 de setembro (de resto, invocado pelo Supremo Tribunal de Justiça).
C. Porém, aquando da prolação de tal acórdão, vigorava a redação então vigente do art. 668.º, n.º 4 do C.P.C., que estatuía que, em face da arguição das nulidades da sentença em recurso dela interposto, “é lícito ao juiz supri-la, aplicando-se, com as necessárias adaptações e qualquer que seja o tipo de recurso, o disposto no art. 744.º”. Ou seja, o juiz podia suprir a nulidade arguida, mas não estava obrigado a pronunciar-se sobre a matéria.
D. Nesse âmbito, poder-se-ia encontrar uma explicação, embora remota, que justificaria a necessidade de arguição da nulidade dever ser feita no requerimento de interposição do recurso propriamente dito, de forma a impor ao juiz a quo, no processo laboral, a obrigação de se pronunciar sobre o vício invocado.
E. Mas, à luz do C.P.C. vigente, essa remota utilidade deixou de existir, uma vez que, nos termos do art. 641.º, n.º 1 do C.P.C., apresentados os recursos e as respetivas contra-alegações, o juiz a quo “aprecia os requerimentos apresentados, pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso se a tal nada obstar”.
F. Ou seja, atualmente, o juiz tem sempre de se pronunciar sobre as nulidades da sentença que tiverem sido arguidas em sede de recurso, incluindo as que tenham sido suscitadas no corpo das alegações, razão pela qual, seja no processo civil comum, seja no processo laboral, é irrelevante que a nulidade da sentença tenha sido arguida no requerimento que antecede a interposição do recurso ou no corpo das alegações.
G. Deste modo, a interpretação do art. 77.º, n.º 1 do C.P.T. tem de ser feita de forma atualista, considerando também o regime do processo civil, que é de aplicação subsidiária, e a ratio global do sistema processual, deixando de se justificar um regime que imponha a necessidade de arguição da nulidade em pauta no requerimento de interposição de recurso, desconsiderando tal matéria se o vício tiver sido suscitado – mesmo que de forma expressa e autónoma – no corpo das alegações do recurso e nas respetivas conclusões.
H. É por isso que o entendimento adotado pela Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça no sentido supra exposto se revela absolutamente arbitrário e destituído de qualquer utilidade ou justificação racional.
I. E, assim sendo, é inconstitucional, por ofensa do direito a um processo equitativo, tal como previsto no art. 20.º, n.º 4 da C.R.P.»
3. A Recorrida concluiu as contra-alegações apresentadas, afirmando:
«Não há, pois, que misturar as regras do processo civil com as regras do processo laboral, que são e sempre foram diversas, apenas sendo de aplicar aquelas quando estas são omissas na regulação de uma questão concreta. O que não é o caso já que, na situação em análise, há norma expressa no CPT: o artº 77º, nº 1.
Ademais, o que o ora recorrente em rigor pretende era, não uma interpretação atualista desta norma, mas a sua pura e simples derrogação por alteração superveniente da lei processual civil.
Mas teríamos então de abandonar os factos assentes e as bases instrutórias nos despachos saneadores dos processos laborais para passarmos a adotar apenas os novos temas de prova consagrados no C.P.C., entre muitas outras diferenças que se naturalmente se acentuaram com a aprovação de nova legislação processual civil, sob pena de, no entendimento do ora recorrente, todo o processo de trabalho que regulasse de forma diversa do processo civil passar a dever considerar-se violador do artº 20º, nº 4, da C.R.P. e do princípio do processo equitativo.»
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A título prévio, impõe-se esclarecer que a este Tribunal compete decidir sobre a questão de constitucionalidade normativa enunciada, ou seja, sobre a pretensa violação do n.º 4, do artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP) pelo n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), quando interpretado no sentido de que a arguição de nulidades da sentença nas alegações, e não no requerimento de interposição de recurso, obsta ao seu conhecimento pelo tribunal superior.
Já a arguição de que a decisão recorrida peca por fazer uma interpretação desadequada do direito infraconstitucional não coloca uma questão de constitucionalidade que este Tribunal deva conhecer.
Assim, a validade e adequação da interpretação normativa adotada pelo tribunal a quo, à luz do disposto no n.º 1, do artigo 641.º, do Código de Processo Civil...