Acórdão nº 6564/16.0T8LSB-A.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 23-05-2019

Data de Julgamento23 Maio 2019
Número Acordão6564/16.0T8LSB-A.L1-2
Ano2019
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Imobiliária Construtora GP…, S.A. interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou parcialmente procedentes os embargos de executado que deduziu, por apenso à ação executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo ordinário, que lhe move PA….
No requerimento executivo, apresentado em 02-03-2016, este Exequente veio exigir o pagamento da quantia 140.185,21 €, alegando que:
1. O ora Exequente é Notário, competindo-lhe, enquanto profissional dotado de fé pública, a prática de diversos actos, nomeadamente a realização de reconhecimentos de assinatura com menção especial a pedido.
2. A dívida é certa, líquida e exigível.
3. O pagamento de conta pode ser exigido judicialmente, quando não satisfeito voluntariamente.
4. O título executivo que serve de base à presente Execução é uma nota de honorários de notário, nos termos do disposto na alínea d) do número 1 do artigo 703.º do C.P.C. e número 2 do artigo 19.º do Decreto-Lei 26/2004, de 4 de Fevereiro.
5. Fica dispensada a exposição sucinta dos factos, por os mesmos já constarem no título executivo, nos termos do artigo 724.º, número 1, alínea e).
(…) O crédito do ora Exequente corresponde a:
- € 125.440,00 (cento e vinte e cinco mil, quatrocentos e quarenta euros), a título de capital em dívida;
- € 14.745,21 (catorze mil, setecentos e quarenta e cinco euros e vinte e um cêntimos), a título de juros de mora vencidos até à presente data, calculados às sucessivas taxas legais em vigor para as obrigações de natureza comercial;
- Aos montantes acima referidos, deverão ainda acrescer os juros vincendos até integral e efectivo pagamento dos montantes em dívida e, bem assim, os custos havidos com o presente processo executivo”.
Juntou dois documentos: um certificado notarial, elaborado em 19-02-2016, e uma Fatura, n.º 2015/5419, datada de 04-11-2015, na qual consta: (i) como cliente/destinatária do serviço a Executada; (ii) no descritivo “Actos Reconhecimento de assinatura com menções especiais [4.000]” e “Honorários total 128.000,00”; (iii) e no valor total a pagar (considerando o acréscimo de IVA de 29.440 € e o valor retido de IRS de 32.000 €) 125.440 €.
No referido certificado, faz-se constar designadamente o seguinte:
“No dia dezanove de Fevereiro de dois mil e dezasseis, o Notário PA…, com Cartório Notarial sito na Rua …, número …, … andar, em Lisboa,
CERTIFICA que:
Nos termos do Estatuto do Notariado aprovado pelo D.L 26/2004 de 4 de Fevereiro, secção III, trata a retribuição do Notário na sua função incindível de oficial público e profissional liberal.
Nos termos do nº 1 do artº 17 do citado diploma legal o Notário é retribuído pela prática de actos notariais, nos termos constantes da tabela aprovada por portaria do Ministério da Justiça.
O nº 2 refere que a tabela pode determinar montantes fixos, variáveis entre mínimos e máximos, ou livres, e o Notário elabora a respectiva conta, com a especificação de todas as verbas que a compõem e menciona nela, a importância total a cobrar - artº 18.
O pagamento da conta fica a cargo de quem requerer a prática do acto, sendo a responsabilidade dos interessados solidária. O pagamento da conta pode ser exigido judicialmente quando não satisfeito voluntariamente servindo de título executivo a conta assinada pelo Notário no que respeita aos montantes constantes da tabela e aos encargos legais - artº 19.
A tabela de honorários e encargos notariais foi aprovada pela portaria nº 385/2004, de 16 de Abril pela qual o artº 1.º, desta portaria, sob a epígrafe honorários, menciona que pelos actos praticados pelos notários são cobrados os honorários e encargos constantes da tabela, acrescidos do imposto sobre o valor acrescentado e do imposto de selo, quando a ele houver lugar, nos termos legais.
Na tabela afixada no Cartório os honorários aplicados ao reconhecimento de assinatura com menção especial a pedido são € 16,00 por cada assinatura.
Anexo conta registo número (…), de 02/07/2014”.
Citada a Executada, deduziu oposição, defendendo-se, na petição de embargos, apresentada em 24-05-2016, por impugnação de facto e de direito, pugnando pela sua absolvição do pedido. Mais requereu que fosse admitida a intervenção principal provocada das sociedades NB…, S.A. e G… Unipessoal, Lda..
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- A transmissão dos direitos reais de habitação periódica (DRHP) teve lugar no âmbito de operações de venda de um imóvel do então BE…, S.A. à G…, Lda., que implicavam a compra do estabelecimento hoteleiro nele existente, que era o edifício principal, (propriedade do BE…, S.A. e arrendado à Executada entre novembro de 2010 e 31 de janeiro de 2014, sobre o qual incidiam direitos reais de habitação periódica, a maior parte dos quais eram da titularidade da Executada) e de outros imóveis autónomos (propriedade da Executada) e que faziam parte da exploração, tais como o campo de ténis, piscina, jardim e esplanada, e ainda os bens móveis e os DRHP;
- Todas essas compras e vendas e respetivas condições foram negociadas exclusivamente pelo BE…, S.A. e pela compradora, a G…, Lda., tendo o BE… informado a Executada de que as despesas com as operações de venda, incluindo a transmissão dos DRHP, seriam pagas pela compradora, em conformidade, aliás, com o art. 878.º do CC, pelo que não é a Executada a responsável pelo pagamento da quantia exequenda;
- A Executada não teve outra intervenção nos negócios realizados para além da que adveio da sua presença na respetiva formalização;
- O número de reconhecimentos de assinatura não está correto, pois o número de títulos foi de 2.709 a que corresponderiam, caso não se considerasse como ato único, um total de 5.418 assinaturas;
- Só em 23 de abril de 2014 (na véspera da escritura) foi dado conhecimento à Executada de quem era a sociedade compradora, data da escritura e Notário, tendo essa data ata, hora e Cartório Notarial sido escolhidos pelo BE…, S.A. e pela G… Unipessoal, Lda.;
- Ninguém, e muito menos o Exequente, transmitiu à Executada que esta tinha despesas a pagar, em particular as respeitantes ao reconhecimento das assinaturas dos títulos de DRHP;
- À Executada não foi pedido o pagamento do reconhecimento das assinaturas nos títulos de DRHP, por altura em que os reconhecimentos foram feitos, em julho de 2014, nem sequer em data próxima dos reconhecimentos;
- Apenas em setembro, princípio de novembro de 2015, teve a Executada conhecimento de que os reconhecimentos não tinham sido pagos, e somente em 4 de novembro de 2015 foi pelo Exequente remetida à Executada a fatura dada à execução;
- Os reconhecimentos foram feitos como se de ato único se tratasse, resultando do art. 10.º, n.º 8, da Portaria n.º 385/2004, de 16 de abril, uma arbitrariedade, desproporcionalidade e excesso que justifica que seja declarado inconstitucional.

O Exequente/Embargada apresentou Contestação, na qual declarou que não se opunha à requerida intervenção principal e defendeu a improcedência dos embargos, sustentando, em síntese, que, nos termos legais, os honorários do Exequente com os reconhecimentos das assinaturas constantes dos títulos de DRHP são da responsabilidade da Executada, por ser a beneficiária do ato, disso lhe tendo sido conhecimento pelo Exequente, sendo este alheio a algum eventual acordo que aquela possa ter feito com terceiros no sentido de que estes assumissem uma tal dívida; não existe a invocada inconstitucionalidade.

Por despacho de 04-04-2018, indeferiu-se o incidente de intervenção principal provocada deduzido na petição de embargos.
Realizou-se audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador tabelar e de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Assim, considerou-se que o objeto do litígio consiste em “aferir se a executada se encontra obrigada ao pagamento da quantia constante do título executivo ou se o pagamento de tal quantia é da responsabilidade de terceiro, e ainda se o art.10º, nº 8 da Portaria nº385/2004 de 16 de Abril, viola os princípios constitucionais de proporcionalidade e de proibição do excesso ínsitos no art.18º da Constituição da República Portuguesa”.
Quanto aos temas da prova, foram enunciados nos seguintes termos:
“- Apurar se o exequente realizou 8 mil reconhecimentos de assinaturas em 4 mil títulos ou realizou apenas 5418 reconhecimentos em 2709 títulos;
- Apurar se as operações de compra e venda referidas nos arts.7º a 9º e 32º da PI de embargos foram negociadas entre o BE…, SA (BE…, Sa) e a G…, Unip., Lda, e só na véspera da escritura foi dado conhecimento à executada de quem era o comprador, da hora da escritura e do notário;
- Apurar se o BE…, Sa informou a executada de que todas as despesas com as operações de venda, incluindo a transmissão dos direitos reais de habitação periódica, seriam pagas pelo comprador G…, Unip., Lda;
- Apurar se os títulos de direito real de habitação periódica, apesar de ainda não formalmente transmitidos ao BE…, Sa já eram de sua propriedade desde a dação em pagamento, mantendo-se na posse da executada até à cessação do arrendamento por força do direito de exploração hoteleira e enquanto esta durou, tendo sido, entregues ao BE…, Sa logo que este os solicitou em 24-04-2014;
- Apurar se ninguém, designadamente o exequente, transmitiu à executada que esta tinha despesas a pagar com o reconhecimento das assinaturas dos títulos de direito real de habitação periódica, ou antes se a executada sempre soube desde a primeira hora, pelo menos por parte do exequente, que devia o valor relativo aos reconhecimentos”.
Realizou-se audiência final, com a prestação de declarações de parte (pelo Administrador da Executada/Embargante) e produção de prova testemunhal.
Após, foi, em 17-12-2018, proferida a sentença (recorrida), cujo dispositivo tem o seguinte teor:
“Pelo exposto, julgo os presentes embargos parcialmente procedentes e em consequência determino o
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