Acórdão nº 655/06.2TBCMN.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 11-12-2012
Data de Julgamento | 11 Dezembro 2012 |
Case Outcome | CONCEDIA EM PARTE |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 655/06.2TBCMN.G1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Recurso de Revista nº 655/06.2TBCMN.G1.S1[1]
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I – RELATÓRIO
AA, residente no lugar do ..., freguesia de ..., Caminha, intentou acção declarativa, sob a forma ordinária, contra BB e marido CC, residentes na Praceta ..., nº …, …, F..., DD e marido EE, residentes na Rua ..., nº …, ..., Amora, pedindo a condenação solidária dos demandados no pagamento da quantia de 145.818,89€, acrescida de juros de mora, por danos na mercadoria e lucro líquido perdido, e ainda na quantia mensal de 1.250,00€, desde Setembro de 2006, acrescida de juros, correspondente ao prejuízo mensal que a autora está a suportar com o estabelecimento encerrado.
Para tanto, alega, em síntese, que é titular de um estabelecimento comercial instalado em prédio dos réus, sito em Caminha, e de que faz parte o direito ao arrendamento sobre o local por que paga a renda mensal de 130,24€.
Sucede que surgiram infiltrações de água no tecto do imóvel que se foi deteriorando a ponto de parte dele cair, a autora requereu uma vistoria, os réus foram notificados pelos técnicos da Câmara Municipal para a realização das obras necessárias, mas não as executaram.
Devido ás sucessivas infiltrações de humidade ficou danificada mercadoria, por falta de obras a autora encerrou temporariamente o locado em 1998 deixando de ganhar no seu comércio, até à data da instauração da acção, a quantia líquida de 120.000,00€. Aos réus compete reparar tal prejuízo.
Regularmente citados, os réus contestaram invocando, considerando as duas contestações de forma conjugada, e em síntese, que em consequência de obras no prédio contíguo ao locado houve infiltrações neste de água das chuvas, nunca tendo o responsável por essas obras concluído a reparação das fendas causadas, obras que o Município não fiscalizou.
O prédio tem mais de 100 anos, pelo facto de as rendas serem baixas eram os inquilinos que procediam às pequenas reparações do telhado, janelas e outras, mas o prédio deixou de ter condições de segurança e habitabilidade impondo a necessidade não de obras mas de demolição e construção de um novo prédio.
Nessa reconstrução as rés teriam de gastar quantia não inferior a 250.000,00€, que em função do valor da renda paga pela autora só estaria recuperada ao fim de 159 anos, pelo que é inaceitável a obrigação de efectuar as obras para a autora continuar a usufruir o locado, constituindo um flagrante abuso de direito.
A autora abandonou o locado em Janeiro de 1998, deixou de pagar as rendas atempadamente e sem os aumentos legais, dedicou-se a outras actividades, e impugnam a existência de prejuízos.
Concluíram considerando dever ser a acção julgada improcedente e a autora condenada como litigante de má fé.
Deduziram reconvenção, peticionando os réus EE:
- a resolução do contrato de arrendamento com fundamento no encerramento do locado desde 1998, no não pagamento das rendas, pagamento de algumas fora de prazo e de outras sem actualização legal, e na não utilização prudente do locado causando nele deteriorações consideráveis.
Subsidiariamente, ainda pediram que se declarasse extinto o contrato por caducidade derivada da perda da coisa locada.
Por sua vez, os réus BB e marido CC pediram:
- a extinção do contrato por caducidade, e restituição imediata do locado;
- a condenação da autora a pagar-lhes uma indemnização não inferior a 25,00€ por dia, a título de ocupação do imóvel, até ao dia da sua efectiva restituição;
Mais requereram, os primeiros, a intervenção acessória provocada de FF e mulher, autores das obras no prédio contíguo, e do Município de Caminha, por falta de celeridade nas intervenções camarárias, responsáveis pelos prejuízos que a autora tenha sofrido, devendo, caso os réus sejam condenados, sê-lo também com eles solidariamente.
A autora replicou impugnando os factos suporte dos pedidos reconvencionais, cuja improcedência peticionou juntamente com a condenação dos réus em multa e indemnização não inferior a 10.000,00€ por litigância de má fé.
Foi elaborado despacho que não admitiu o chamamento requerido (fls. 354/357).
No despacho saneador foram admitidos os pedidos reconvencionais e procedeu-se à condensação dos autos, com reclamação, indeferida, dos réus DD e marido.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, após a prolação da decisão da matéria de facto (fls. 1180/1183), isenta de reclamação, foi proferida sentença (fls. 1186 a 1216) que julgou improcedente a acção e parcialmente procedentes as reconvenções, sendo declarado resolvido o contrato de arrendamento relativo ao estabelecimento comercial de venda de confecções e pronto-a-vestir, e a autora condenada a despejar o local.
Inconformada, da mesma apelou a autora.
A Relação de Guimarães, por unanimidade, no acórdão de 19/01/12 (fls. 1360 a 1364), decidiu a sua parcial procedência, assim decidindo:
“a) Julgam improcedentes os pedidos reconvencionais na parte que vem impugnada, deles absolvendo a Autora/Reconvinda, revogando correspectivamente a sentença recorrida;
b) Confirmam a sentença recorrida (dispositivo) na parte em que julgou improcedente a acção e absolveu os Réus do pedido. “.
Mostrando-se irresignados, os réus BB e marido CC, e só eles, pedem revista.
Das alegações que apresentam tiram as seguintes conclusões:
1ª- Não se pode falar num exercício manifestamente abusivo por parte dos RR. /Reconvintes, de requererem a resolução do contrato de arrendamento quando está sobejamente demonstrado nos autos que o prédio configura um caso de ruína económica e ruína física.
2ª- Concluindo também que se trata de um caso de ruína física, uma vez que o edifício apresenta um esgotamento generalizado dos seus elementos construtivos, exceptuando o alçado principal, que deverá ser mantido e preservado.
3ª- Daí que não podem restar dúvidas que estamos perante uma perda total da coisa locada, uma vez que uma reparação parcial não é tecnicamente viável.
4ª- E tal facto não é imputável aos RR./ Reconvintes, proprietários do edifício, mas sim ao facto de este ter há muito ultrapassado o seu prazo de validade, devido aos materiais utilizados e método de construção.
5ª- Efectivamente, a degradação do edifício não resultou de culpa da RR., mas sim da idade do prédio, e a própria resistência dos materiais (madeiras) que infelizmente não são eternos.
6ª- De resto, diga-se em abono da verdade, que quando a Autora tomou de trespasse o estabelecimento, em 1988, conforme consta da A) da matéria assente já o prédio possuía 96 anos de idade, e se encontrava praticamente nas mesmas condições em que se encontrava em 1994.
7ª - A Autora sabia perfeitamente, quando celebrou o trespasse do estabelecimento, que este não se localizava num prédio novo ou recente, mas sim num prédio com quase um século de existência, num estado de conservação precário.
8ª- Não poderia pois, a Autora esperar que os senhorios, com a parca renda que auferiam lhe fossem recriar o prédio.
9ª- Tanto mais que conforme consta da resposta ao quesito 38° da base instrutória, para a reparação do prédio será necessário despender uma quantia entre € 200.000,00 a 250.000,00.
10ª- Feitas as contas, com o valor pago pela A., a título de renda a obra só seria paga num período compreendido entre os 1535 meses e 1919 meses, ou seja, entre os 127 e os 159 anos.
11ª- É pois evidente que existe, como existia uma colossal desproporção entre a retribuição que os senhorios recebem pela cedência do espaço do locado, e o custo das obras que estas teriam que efectuar para lograr obter a recuperação do imóvel, e poder o A. continuar a usufruir do locado.
12ª- Uma vez que se trata de obras extraordinárias, e face ao seu elevado valor a RR. não está obrigadas a fazê-las.
13ª- A este propósito, o Acórdão da Relação de Lisboa de 11/05/95, (in Bmj 442° - 244), considerou existir abuso de direito num caso em que as obras exigidas pelo inquilino atingiam um valor correspondente a 30 anos de renda, o que torna ilegítima a reivindicação da realização dessas obras, por constituir excesso manifesto dos limites impostos pela boa-fé e pelo fim económico-social desse direito proibido pelo Art. 334° do Código Civil.
14ª- Assim e ao contrário do defendido pelo Tribunal "a quo", não existe nenhum exercício ilegítimo do direito dos RR. Ao pretenderem ver o decretado a resolução do contrato de arrendamento, pelo encerramento do estabelecimento e do arrendado desde o mês de Setembro de 1998, conforme alínea T) da matéria assente, no qual consta que "O estabelecimento da Autora encontra-se encerrado desde Setembro de 1998."
15ª- O não uso do locado por mais de um ano, confere aos RR/Reconvintes o direito de resolver o contrato de arrendamento existente, ao abrigo do disposto na al. h) do n° 1 do art. 64° do R.A.U.
16ª- Provado que ficou que a Autora está a fazer um não uso do locado, há mais de oito anos, consecutivos, o que é de per si causa de resolução do contrato de arrendamento nos termos do previsto nas alínea h) do número 1 do Artigo 64° do RAU e actualmente na alínea d) do número 2 do Artigo 1083° do NRAU.
17ª- Pelo que salvo o devido respeito, o Tribunal "a quo" ao julgar que o direito dos reconvintes à pretendida resolução do contrato não pode actuar por se revelar num exercício manifestamente abusivo, teve uma visão meramente parcial dos factos e aplicou mal o direito.
18ª- Pois, a existir abuso do direito, e diga-se em abono da verdade, este foi e é exercido por parte da Autora, que sempre agiu com o único intuito de adquirir o prédio por um baixo preço, querendo vergar os senhorios pela força do seu poder monetário.
SEM PRESCINDIR,
19ª- Atentos os factos provados, veja-se em particular as respostas aos quesitos 31°, 36°, 37° e 38° da base instrutória, ficou plenamente demonstrado que é necessário proceder à demolição do edifício para posterior reconstrução.
20ª- Deve assim, ter-se por verificada a caducidade do...
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