Acórdão nº 654/19.4T8VCD-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 12-04-2023

Data de Julgamento12 Abril 2023
Case OutcomeNEGAR A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão654/19.4T8VCD-A.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,


I - Relatório

1. BBG S.A., com sede na Rua ..., propôs a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA, com domicilio em ..., formulando os seguintes pedidos:

- a condenação do Réu no pagamento à Autora do montante de €16.949,35 (dezasseis mil, novecentos e quarenta e nove euros e trinta e cinco cêntimos), acrescido de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento;

- a condenação do Réu a entregar à Autora, devidamente assinado, o auto de receção da obra;

Alternativamente, se assim não se entender,

- ser o Réu obrigado a designar data para que a Autora possa “validar” os trabalhos realizados e proceder ao levantamento e correção de eventuais trabalhos adicionais necessários;

- a condenação do Réu no pagamento à Autora da quantia de €16.949,35 (dezasseis mil, novecentos e quarenta e nove euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

2. Alega, em síntese, que:

- no âmbito da sua atividade, a 30 de janeiro de 2018, acordou com o Réu o fornecimento e montagem de caixilharia constituída por perfil de alumínio, com vidro triplo, vedantes, ferragens e puxadores para uma porta pivotante vertical e vãos de abrir, bem como restantes acessórios necessários à sua correta aplicação e funcionamento;

- o fornecimento e montagem dos bens identificados tinham como contraprestação o pagamento do valor total de €52.709,74, tendo sido convencionada a forma de pagamento descrita no artigo 4.º da PI;

- o Réu incumpriu o contrato porque não procedeu aos pagamentos conforme o acordado pelas partes, encontrando-se em dívida o valor de €15.812,92 e, ainda, o montante de €500,00 (quinhentos euros), devido pelo transporte de portadas de carpintaria;

- a 12 de junho de 2018, após a conclusão dos serviços, o Réu remeteu uma carta à Autora, afirmando que esta inobservou os prazos acordados e que detetou a existência de vários defeitos, razão pela qual entendeu proceder à retenção de 20% do valor total da empreitada até à eliminação dos defeitos. Contudo, os seus argumentos carecem de fundamento.

3. O Réu contestou. Invocou, inter alia, a exceção de incompetência internacional.

Alegou, para tanto, que da Convenção de Lugano II relativa à competência judiciaria e à execução de decisões em matéria civil e comercial, de 16 de setembro de 1988, decorre o princípio fundamental (art. 2.º) segundo o qual as pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado. Refere também que esse princípio é reforçado pelo regime alternativo, consagrada no art. 5.º, da mesma Convenção, de acordo com o qual é competente, em matéria contratual, o Tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida. Assim, estando em causa um contrato de empreitada celebrado com o Réu, que reside na ..., e tendo a realização da obra acordada lugar em território ..., é competente a jurisdição .... Por fim, menciona que a Autora pretende retirar a existência de um pacto atributivo de competência da proposta contratual aceite e assinada pelo Réu. Contudo, essa proposta, junta como doc. n.º 1 com a petição inicial, que contém o valor do orçamento, a descrição da proposta, as exclusões e condições contratuais, não se encontra assinada pela própria Autora.

4. A Autora pronunciou-se sobre a exceção de incompetência internacional, invocando a aplicabilidade da Convenção de Lugano II. Nos termos do art. 23.º, a validade do pacto pressupõe que seja celebrado “a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado”. Afirma ainda que, conforme n.º 2 do mesmo preceito (“Qualquer comunicação por via electrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à «forma escrita»”), uma vez que a proposta foi debatida pelas partes e analisada pelo Réu, que a recebeu por via eletrónica, o pacto é válido.

5. Foi proferida decisão que determinou a competência internacional dos Tribunais portugueses e, consequentemente, a improcedência da exceção de incompetência em razão da nacionalidade.

6. Não conformado, o Réu interpôs recurso de apelação.

7. A Autora apresentou contra-alegações.

8. Por acórdão de 13 de setembro de 2022, o Tribunal da Relação do Porto decidiu pela improcedência do recurso interposto pelo Réu, confirmando a sentença recorrida.

9. De novo não conformado, o Réu interpôs recurso de revista, formulando as seguintes Conclusões:

“a) Não é passível de ser considerada como efectiva, para efeitos de definição da jurisdição competente, a alusão inserta nas condições de venda segundo a qual a competência para o julgamento dos presentes autos pertence à Comarca de ..., por violar o disposto no art. 95.º, n.º 1 do Cod. Proc. Civil, quando este afasta a admissibilidade pacto privativo que ofenda as regras da competência em razão da matéria, da hierarquia ou do valor da causa, sendo, por inerência a mesma clausula inadmissível por força do art. 94.º, n.º 3, al. b) do mesmo Cod. Proc. Civil, o que, desde logo, obsta a que se considere a existência de um pacto atributivo de jurisdição valido;

b) Da mesma forma que tem a aceitação de foro jurisdicional de ocorrer através da formalização, concludente e irrevogável, de tal intenção, o que, no caso vertente, notoriamente não ocorreu, dado que: (i) o pretenso pacto não foi celebrado por escrito, nem teve confirmação escrita, não sendo a sua invocação suprimento da falta de assinatura; (ii) não se pode considerar validamente aceite, por um dos contraentes, o pacto de atribuição de foro constante de um anexo a um pedido de encomenda de serviços formulado por uma das partes, em cláusula geral, e sem individualização e autonomia do referido pacto de jurisdição;

c) Assim, tendo presente os elementos subjacentes à consideração de dizeres como convenção atributiva de competência jurisdicional à luz dos arts. 23.º, n.ºs 1 e 2 da Convenção de Lugano e 94.º do Cod. Proc. Civil, inexiste, no caso concreto, elemento de sustentação de atribuição de competência internacional ao Tribunal da Povoa do Varzim:

d) Nunca um pacto atributivo de competência poderá ser considerado, à luz do art. 17.º da Convenção de Lugano, se o mesmo for prévio (e não posterior) à existência do litígio e se na relação intervir alguém com a qualidade de consumidor, verificando-se, no caso vertente, de forma cumulativa, ambas as condições;

e) Quer porque o invocado pacto atributivo de competência figura em documento pré existente ao inicio da relação comercial, quer por ser consumidor a pessoa a quem são fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos direitos destinados a uso não profissional por quem exerce uma actividade económica com vista á obtenção de benefícios (vide art. 15.º, n.º 1 e 16.º, n.º 2 da Convenção de Lugano), o que é notoriamente o caso do recorrente;

f) De tal forma que as facturas foram emitidas em nome do recorrente como consumidor final, destinando-se os bens a um imóvel sua propriedade, onde o mesmo reside, independentemente de o mesmo ter a actividade profissional de arquitecto;

g) Violados, assim, se aferem, salvo melhor opinião, os comandos legais assinalados nas presentes conclusões de recurso.”

10. Não foram apresentadas contra-alegações.

II – Questões a decidir

Atendendo às conclusões das alegações do Recorrente, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC -, está em causa a questão de saber se se verifica ou não, in casu, a exceção dilatória de incompetência internacional dos Tribunais portugueses.

III – Fundamentação

A. De Facto

Foram considerados como provados os seguintes factos:

1. A Autora tem sede na Rua ....

2. O Réu reside em ..., na ....

3. Foi acordado entre a Autora e o Réu o fornecimento, instalação e montagem de um conjunto de caixilharias com perfil de alumínio de marca “Schuco”, com vidro triplo, fixações, vedantes, ferragens e puxadores para a porta pivolante vertical e vãos de abrir, bem como todos os acessórios necessários á sua correcta aplicação e funcionamento de acordo com as especificações do fabricante, na casa de família do R. sita em ...;

4. Tal acordo consta da proposta escrita junta a fls. 15 vs. e segs., a qual se mostra assinada pelo Autor;

5. O ponto .º 4 daquela proposta, inserida na “Condições Gerais de Fornecimento” sob a epígrafe “Condições da Proposta”, estipula:

“Em caso de litígio o Foro competente será o da Comarca de ... com expressa renúncia a qualquer outro”;

6. O n.º 9 da mesma proposta, imediatamente antes da identificação das partes e da assinatura do Réu, refere que “A formalização da proposta por parte do cliente pressupõe o conhecimento e aceitação das presentes Condições Gerais de Fornecimento”;

7. O Réu é arquitecto de profissão;

8. O Réu, sob a supervisão técnica de BB, da “S... Portugal”, realizou todo o trabalho de desenho e desenvolvimento da “solução Schuco” objecto da empreitada contratualizada entre as Partes e aqui em discussão.”

B. De Direito

Tipo e objeto de recurso

1. No âmbito da presente ação declarativa de condenação intentada por BBG S.A., com sede em ..., ora Recorrida, contra AA, o Réu, ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, interpôs recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13 de setembro de 2022 que negou provimento ao recurso de apelação e confirmou integralmente a sentença recorrida.

2. A sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância havia decidido julgar...

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