Acórdão nº 648/22.2PHAMD.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 21-03-2024
Data de Julgamento | 21 Março 2024 |
Case Outcome | PROVIDO EM PARTE. |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 648/22.2PHAMD.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Proc. n.º 648/22.2PHAMD.L1.S1
Recurso Penal
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Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça.
I- Relatório
1. Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção de tribunal coletivo, o arguido AA, devidamente identificado nos autos, e realizada a audiência de julgamento o Tribunal Coletivo, por acórdão proferido a 7 de julho de 2023, decidiu julgar parcialmente procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público e, consequentemente (transcrição parcial):
“- Condenar AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio, p. e p. pelo art.131.º do Código Penal, agravado pelo uso de arma proibida, nos termos do disposto no art.86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de 14 (catorze) anos de prisão; de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.86.º, n.º 1, al. d), com referência aos arts. 2.º, n.º 1, al. m), e 3.º, n.ºs 1 e 2, al. f), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de 1 (um) ano de prisão; e, em cúmulo jurídico destas penas, nos termos do art.77.º do Código Penal, condenar o mesmo arguido na pena única de 14 (catorze) anos e 3 (três) meses de prisão;
- Absolver AA da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e) e h), do Código Penal, agravado pelo uso de arma proibida, nos termos do disposto no art.86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02; (…).”
2. Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso, para o Tribunal da Relação de Lisboa, o assistente BB, em representação dos 2 filhos menores do ofendido – CC e DD, concluindo a sua motivação do modo seguinte:
concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição):
A. O Tribunal a quo efetuou uma deficiente valoração da prova incorrendo, assim, em vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, assim como incorreu no vício de erro notório de apreciação da prova, nos termos respectivamente das al. a) e c) do nº 2 do art.º 410º do CPP
B. No acórdão recorrido o Tribunal a quo afasta a especial censurabilidade da conduta do arguido, e com ela a não qualificação do homicídio, por referência à existência de desentendimentos anteriores.
C. A eventual existência de desentendimentos não é bastante para afastar a especial censurabilidade da conduta do arguido.
D. O homicídio não ocorreu na residência da vítima, pelo que o “carácter impulsivo da actuação levada a cabo pelo arguido” que é equacionada pelo Tribunal como circunstância que leva ao afastamento da qualificação do crime, não pode colher.
E. O motivo fútil é considerado especialmente censurável em razão da desproporção entre a conduta concreta do agente e os motivos que a ela levaram
F. As circunstâncias em que o crime ocorreu revelam premeditação na prática dos factos por parte do arguido.
G. O Tribunal a quo tinha o dever de proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido, enquadrando os mesmos, também, nos termos da al. j) do nº 2 do art.º 132º do Código Penal.
H. O acórdão recorrido deve ser revogado e deve o arguido ser condenado pela prática do crime de homicídio por referência às al. e) e j) do art.º132º do Código Penal.
Nestes termos, e mos mais de Direito que V. Exas Venerandos Juizes Desembargadores doutamente suprirão, deverá o arguido ser condenado pela prática do crime de homicídio Qualificado.”
3. Também irresignado com o acórdão proferido, dele interpôs recurso o arguido AA, para o Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo do seguinte modo (transcrição):
“1. Discordamos quer da condenação pelo crime de detenção de arma proibida quer da consequente agravação do crime de homicídio pelo uso de arma proibida.
2. Se assim não fosse, verificar-se-ia um alargamento da punibilidade a condutas que não representam qualquer perigo para o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora em causa, levando a que qualquer pessoa que saísse à rua com uma faca de cozinha de lâmina com um comprimento igual ou superior a 10 cm estivesse a cometer um crime de detenção de arma proibida.
3. Somos assim do entendimento que nas armas brancas o que contribui decisivamente para o preenchimento do quadro incriminatório é a natureza indefinida da sua funcionalidade e que uma faca de cozinha, ainda que não justificada a sua detenção, tem uma aplicação definida (a afectação às lides domésticas) que não é a de meio de agressão contra pessoas, pelo que o uso desviado das propriedades do objecto não pode servir como critério para o definir como arma proibida, impondo-se assim a absolvição do Recorrente pelo crime de detenção de arma proibida.
4. Igualmente, não havendo detenção de arma proibida, não pode operar o agravamento da pena quanto ao crime de homicídio simples p.p art 131º CP pelo uso de arma proibida, nos termos do disposto no art. 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02.
5. Ainda que assim se não entendesse, o que por mero dever de patrocínio se concebe, entendemos que deve o Recorrente ser absolvido do crime de detenção de arma proibida por que vinha acusado, por se encontrar em concurso aparente com o crime de homicídio em que foi condenado, uma vez que apesar de ambos os crimes acautelarem bens jurídicos de diversa natureza a detenção ilegal de arma foi um crime meio relativamente ao crime-fim, o homicídio, e nele se esgotando.
6. Devendo assim o Recorrente ser condenado apenas pelo crime de homicídio p.p. art 131º CP numa pena nos seus limites mínimos atenta a ausência de antecedentes criminais.
7. Ainda que assim se não entenda, devemos aferir da justiça da espécie e medida das penas parcelares, bem como da pena única porque foi o Recorrente condenado.
8. Não considerou o tribunal à quo adequada à condenação pelo crime de detenção de arma proibida a pena de multa prevista na parte final do art.86.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23.02.
9. Dos autos, da matéria de facto dada como provada no douto acórdão ora recorrido e das regras da experiência comum, parece-nos que a pena de multa colmatará as necessidades de prevenção geral e especial.
10. Pelo que a substituição da pena de prisão em que o recorrente foi condenado pelo crime de detenção de arma proibida por uma pena de multa ajustada em função da actuação e resultados obtidos pela actuação do recorrente, será o suficiente para precaver as necessidades de prevenção geral e especial no caso em concreto.
11. Caso assim se não entenda, sempre haverá que se aferir da medida das penas parcelares e da pena única aplicadas ao recorrente, as quais considera o Recorrente serem excessivas e prejudiciais à sua ressocialização.
12. É certo que o arguido praticou o crime, mas independentemente do alcance que o douto tribunal à quo deu à confissão do arguido, este confessou o mesmo e demonstrou o seu arrependimento.
13. Por todas estas razões, estamos em crer que deverão ser inferiores as penas parcelares a serem impostas ao recorrente, não devendo as mesmas ultrapassarem os limites mínimos legais
14. Devendo igualmente ser inferior a pena única aplicada em cúmulo jurídico.
15. O Tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 40° n.°s 1 e 2, 42° n.° 1, 50° n° 1, 53° 1, 43 n° 1 al. b), 70° e 71°, 379.º, n.º 1, alínea b), todos do CP , 27 n° 1, 1ª parte, e 13° n° 1, ambos da CRP.
TERMOS EM QUE, CONTANDO O INDISPENSÁVEL SUPRIMENTO DE VªS EXAS., DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, FAZENDO- SE DESTARTE A MAIS RECTA E SÃ JUSTIÇA.”
4. O Ministério Público junto do Juízo Central Criminal de ... respondeu ao recurso interposto pelo assistente, concluindo (transcrição):
“1. O acórdão proferido nestes autos condenou AA pela prática, em autoria material e em concurso real, de:
● um crime de homicídio, p. e p. pelo art.º 131.º do Código Penal, agravado pelo uso de arma proibida, nos termos do disposto no art.º 86.º, n.º 3, a Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de 14 (catorze) anos de prisão;
● um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d), com referência aos arts. 2.º, n.º 1, al. m), e 3.º, n.ºs 1 e 2, al. f), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de 1 (um) ano de prisão.
➡Em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 14 (catorze) anos e 3 (três) meses de prisão.
2. Tendo-o absolvido da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts.º 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e) e h), do Código Penal, agravado pelo uso de arma proibida, nos termos do disposto no art.º 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02.
3. Os vícios do art.º410.º, n.º 2 são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei.
4. Neste caso, o objecto da apreciação é apenas a peça processual recorrida.
5. Ora, do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com os ditames da experiência comum, não resulta a verificação dos vícios apontados pelo Recorrente - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova - posto que daquele decorre que os factos nele considerados como provados constituem suporte bastante para a decisão a que se chegou e dele não resulta qualquer incompatibilidade entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão, assim como nele não se detecta qualquer equívoco ostensivo contrário a facto do conhecimento geral ou ofensivo das leis da física, da mecânica, da lógica ou de conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos.
6. Na doutrina, ao motivo fútil tem sido atribuído o alcance de uma razão incompreensível para a generalidade das pessoas, que não pode razoavelmente explicar (e muito menos justificar) o crime, revelando o facto,...
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