Acórdão nº 6474/03.0TVPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 14-06-2010

Data de Julgamento14 Junho 2010
Número Acordão6474/03.0TVPRT.P1
Ano2010
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 6474/03.3TVPRT.P1
Recurso de Apelação
Distribuído em 17-03-2010
Relator: Guerra Banha
Adjuntos: Des. Anabela Dias da Silva e Des. Henrique Antunes
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I – RELATÓRIO
1. B……….., LIMITADA, com sede em ……., Vila Nova de Gaia, instaurou, nas Varas Cíveis da comarca do Porto, acção declarativa de condenação com processo comum ordinário, contra C…….., S.A., com sede na cidade do Porto.
Alegou, em síntese, que, para pagamento de um fornecimento efectuado pela empresa italiana D………., SRL, com sede em ….., enviou pelo correio o cheque com o n.º 762023…., no montante de 17.397,76€, emitido nominativamente, a favor da referida D………, em 02-01-2003, sobre a sua conta aberta na Agência do ….. do Banco réu com o n.º 12451410….., no qual foi aposto o carimbo com os dizeres "para levar em conta", procedimento que constituía prática habitual; acontece que o referido cheque foi furtado nos correios italianos e o autor ou autores do furto, utilizando o número da conta da autora e demais dados que constavam daquele cheque e recorrendo à técnica da digitalização, fabricaram um outro cheque falso, que imprimiram em papel de características diferentes do utilizado pelo Banco réu, e nele escreveram o montante de 35.500,00€, a data de 14-01-2003 e como local de emissão "Famalicão", e, sem outros elementos, foi apresentado em 15-01-2003, num dos balcões de Lisboa do Banco réu, por um tal E………., para depósito numa conta de que era titular; apesar de, na altura, a conta da autora não ter saldo disponível, o que nunca tinha acontecido durante 24 anos de relações bancárias com o Banco réu, este debitou aquele montante na sua conta, sem a contactar previamente, sem cuidar de se informar sobre a origem e destino do cheque e sem atender às várias anomalias que apresentava por comparação com os genuínos cheques por si impressos e por comparação com a prática seguida pela autora.
Pediu, em consequência, que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 35.500,00€, acrescida de juros de mora à taxa prevista no art. 102.º do Código Comercial, contados desde 15-01-2003 até efectivo e integral pagamento, e os juros capitalizados anualmente nos termos do disposto no art. 560.º, n.ºs 1 (parte final) e 2, do Código Civil.
A ré contestou por excepção e por impugnação. Por excepção, invocou a incompetência absoluta do tribunal cível para conhecer do pedido deduzido pela autora, no pressuposto de que, estando a correr processo-crime sobre os factos alegados como causa de pedir, o art. 71.º do Código de Processo Civil impõe que o pedido seja deduzido nesse processo crime; por impugnação, alegou que o cheque apresentado a pagamento não revelava sinais ou indícios evidentes de ser contrafeito, preenchia todos os requisitos exigíveis pela respectiva Lei Uniforme e as assinaturas correspondiam (por semelhança) às constantes da respectiva ficha de assinaturas em poder do Banco, e, para além disso, a autora não tinha actuado prudentemente no envio do cheque por correio normal, em vez de correio registado, e por não ter logo avisado a ré do seu extravio, por forma a acautelar que o cheque fosse pago.
A autora replicou à matéria da excepção.
No despacho saneador, a fls. 348, foi conhecida e julgada improcedente a excepção dilatória deduzida pela ré, declarando que o tribunal cível era competente em razão da matéria para conhecer do objecto da presente acção.
Realizada a audiência de julgamento e decidida (fls. 805-809) a matéria de facto controvertida que constava da base instrutória, foi proferida sentença, a fls. 836-843, que, julgando a acção procedente, condenou a ré a pagar à autora a quantia de 35.500,00€, acrescida dos juros de mora à taxa legal para as operações comerciais, a contar da citação da ré até integral e efectivo pagamento.

2. Da sentença apelaram a ré (fls. 847) e a autora (fls. 850).
A ré extraiu das suas alegações, a fls. 855-870, as conclusões seguintes:
1º- O cheque dito falsificado não se encontra nos autos e não é líquido, nem seguro, que o relatório autuado a fls. 741 se lhe refira.
2º- Já que o número que lhe foi atribuído respeita a outro cheque, emitido, também, sobre o Banco C……….. por terceira sociedade, que efectivamente se encontra reproduzido em anexo.
3º- Ou seja, ao único relatório exibido foi atribuído o n.º 2003/12884 e teve como objecto o apontado cheque, subscrito pela ASA.
4º- Logo, não incidiu sobre o emitido pela B…………, pelo que é alheio ao litígio sub judice.
5º- Donde, não poder basear, como baseou, a decisão condenatória proferida, o que apenas seria possível se o cheque efectivamente em causa fosse, finalmente, detectado, por forma a permitir a realização de exame pericial que, indiscutivelmente, o tivesse por alvo e objecto.
6º- Mesmo que assim se não entenda – o que apenas se hipotiza – importa registar e ter em devida consideração, o que também não sucedeu na sentença em crise, que "o documento não apresenta vestígios de viciação no seu preenchimento".
7º- O que significa que esses vícios, a existirem, não eram visíveis e, como tal, detectáveis.
8º- Uma vez que o problema não está em o cheque ser, ou não, falsificado, mas, sim, dos seus efeitos serem, ou não, patentes.
9º- E no próprio exame pericial concluiu-se que não.
10º- O que, aliás, explica que o cheque, quando apresentado no Banco C………, tenha passado "incólume" no exame, rigoroso, a que foi sujeito pelo funcionário (caixa) que o recebeu para depósito, que é um profissional experiente e habilitado nesse domínio.
11º- E que agiu segundo a prática habitual e as regras internamente divulgadas e em vigor ao tempo.
12º- As "diferenças" porventura encontradas em reunião ulteriormente efectuada nesta cidade, a serem reais, surgiram em circunstâncias específicas e diferentes, já que os presentes, que o observaram, sabiam, de antemão, tratar-se de uma falsificação, ainda que considerada perfeita e, nessa análise, serviram-se de uma lupa, que facilitou a sua tarefa.
13º- Entre o envio do dito cheque para Itália e a sua apresentação, para depósito, no Banco C……. mediaram à volta de 15 dias.
14º- Ao passo que a B……… apenas se apercebeu do sucedido mais de um mês após esse envio e, mesmo assim, por iniciativa do fornecedor italiano, a quem aquele era dirigido.
15º- Assim sendo, é manifesto que a B………. não acompanhou o trânsito do dito cheque para Itália e se "divorciou", inteiramente, da sua sorte, não obstante ter sido enviado por correio simples (nem, sequer, registado) e, como sabia perfeitamente, serem frequentes os "desvios" de correspondência nesse percurso.
16º- Do mesmo modo que, a dado passo, deixou de efectuar esses pagamentos por transferência bancária, como sucedia anteriormente, apenas para não suportar a comissão devida, muito embora o seu custo em nada afectasse a sua situação financeira, que era desafogada e o suportava perfeitamente.
17º- O que significa ter trocado, conscientemente e apenas por meras razões economicistas, um meio reconhecidamente rápido e seguro, cuja utilização o próprio Banco de Portugal recomenda e estimula, por outro, consabidamente problemático e inseguro.
18º- Deste modo, a agora apelada contribuiu, directamente, para o sucedido, através da sua acção, ao optar, a dado passo e ao contrário do que, até então, fazia, pelo envio de cheques por correio simples, bem como da sua inacção, ao não acompanhar e controlar o seu trajecto para Itália, país de destino.
19º- Como tal, deve assumir o risco inerente e tem de responder pelas suas consequências danosas, que podia e devia prever.
20º- Logo, não se admite, nem aceita, se considere que, ao proceder da forma sobredita, não tenha, pelo menos, contribuído para o sucedido.
21º- Na hipótese do Banco demandado ser condenado, também, no pagamento de juros de mora, o respectivo cálculo deve ter por base a taxa porventura fixada, entre depositante e depositária, para remunerar o saldo que a conta de depósitos desta (vulgo DO) sucessivamente apresentava, ou, na sua falta, a taxa moratória legal, que representa uma compensação pecuniária atractiva para o credor, em qualquer das hipóteses figuradas com o início quando o montante indemnizatório estiver fixado.
22º- Perante o quadro traçado, a condenação do Banco C……… no pedido formulado é inteiramente descabida e injusta.
23º- Ao entender de forma diversa, o Magistrado a quo violou o disposto nos arts. 483, 487, 570, 798 e 799, todos do CC e nos arts. 2 e 102 do CCom.
24º- Em consequência, a sentença proferida deve ser revogada e, em seu lugar, a presente acção julgada improcedente, por não provada; ou, quando muito, considerar-se que houve concorrência de culpas, em medida idêntica, entre as sociedades litigantes, com as legais consequências.
A autora limitou o objecto do seu recurso à decisão sobre os juros de mora, concluindo as suas alegações:
1º- Pelas razões referidas nos n.ºs 1 a 4 das presentes alegações que aqui se dão por reproduzidas, o recorrente é credor de juros desde a data em que o cheque foi debitado na sua conta, ou seja, 15 de Janeiro de 2003 e não apenas desde a data da citação.
2º- E isto porque a recusa do banco em anular o débito torna a situação equiparável a uma obrigação de prazo certo, pois o evento ilegal situou-se na esfera jurídica deste.
3º- Para além disso, na situação sub judice, está em causa uma indemnização pelo prejuízo causado por uma actuação que resultou de um débito indevidamente efectuado na conta da autora, procedimento, através do qual, a ré fez sua a quantia debitada, pelo que a medida da obrigação de indemnizar resulta do critério estabelecido no artigo 566.º n.º 2 do Código Civil.
4º- Ao não atribuir à autora o direito a receber os juros da quantia indevidamente debitada desde 15 de Janeiro de 2003, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 805.º n.º 2, alínea a), e 566.º
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