Acórdão nº 6471/17.9T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14-11-2019

Data de Julgamento14 Novembro 2019
Número Acordão6471/17.9T8BRG.G1
Ano2019
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

... Marine, SA. instaurou, no Juízo Central Cível de Braga – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra ... Road , peticionando, a final, a condenação da ré no pagamento da quantia de 117.137,89 €, acrescida de juros de 5%, desde a data da citação e até integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese, ser titular de um direito de sub-rogação emergente do pagamento a terceiro, seu segurado, de indemnização decorrente da perda de mercadoria ocorrida em transporte contratado com a ré, por culpa a esta imputável.
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Citada, a ré não apresentou contestação.
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Por despacho datado de 27/09/2018, foram tidos como confessados os factos alegados pela autora.
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No prazo a que alude o artigo 567.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a autora alegou, dando por reproduzido o teor da petição inicial
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Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença, datada de 11-01-2019 (cfr. fls. 130 a 135), nos termos da qual decidiu julgar a ação totalmente procedente e, em consequência, condenou a ré ... Road a pagar à autora ... Marine, SA. a quantia de 117.137,89 €, acrescida de juros, à taxa de 5% ao ano, desde a data da citação e até integral pagamento.
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Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a Ré, tendo formulado, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões, que se transcrevem (cfr. fls. 178 a 202):

«1ª – Vem o presente recurso de Apelação interposto da sentença que condenou a Ré, aqui Apelante, a pagar à Autora, aqui Apelada, a quantia de € 117.137,89, acrescida de juros desde a data da citação e até integral pagamento.
2ª - Embora a incompetência absoluta do tribunal e a falta de citação sejam susceptíveis de arguição no presente recurso de Apelação, que aqui se vão arguir, a Ré, aqui Apelante, por mera cautela e dever de patrocínio, e através de requerimento apresentado em 25.03.2019, Refª 31955978, suscitou e arguiu ante o próprio Tribunal a quo essas incompetência absoluta do tribunal e falta de citação, prevenindo qualquer eventual preclusão decorrente do decurso do prazo ordinário (“Regra geral sobre o prazo”) de 10 dias previsto no artº 149º do CPC.
3ª – Os Tribunais Portugueses, concretamente este Tribunal da Comarca de Braga, é absolutamente incompetente, em razão das regras de competência internacional, para conhecer, julgar e decidir a presente demanda.
4ª - Decorre do artº 59º do CPC que a competência internacional dos tribunais portugueses se afere, em primeira linha e como regra, pelo disposto nos regulamentos europeus e demais instrumentos internacionais, e, em segunda linha, caso os regulamentos europeus e demais instrumentos internacionais nada estabeleçam sobre o caso concreto, os tribunais portugueses serão competentes caso se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as parte lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º, todos do CPC.
5ª – O Regulamento (UE) nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, aplicável a todos os Estados-Membros da União Europeia, incluindo, obviamente, Portugal e Dinamarca, estabelece normas e regras de competência judiciária em matéria civil e comercial.
6ª - E, desde logo, releva aqui sublinhar o disposto nos artsº 4º, nº 1, e 5º, nº 1, daquele Regulamento:
“Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado- Membro” (Sic., com sublinhado nosso).
“As pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente regulamento.” (Sic., com sublinhado nosso).
7ª - A Apelante, de acordo com o que o tribunal a quo deu como provado, está sedeada na Dinamarca.
8ª - A Autora, como o tribunal igualmente deu como provado, está sedeada nesse mesmo País, o que se verifica ainda em relação à M., compradora e importadora das mercadorias e segurada da Autora.
9ª – Foi também na Dinamarca que o contrato de transporte entre a compradora/importadora M. e a Ré foi celebrado!
10ª - O furto das mercadorias que constitui o fundamento da presente demanda ocorreu em Espanha (e não Portugal).
11ª – No caso em apreço, como o tribunal deu como provado, a obrigação de entrega das mercadorias pela Ré à M. devia ser contratualmente cumprida na Dinamarca (ver Secção 2, artigo 7º, do citado Regulamento (UE) Nº 1215/12).
12ª - Resultando dos autos que a Ré não compareceu em juízo nem interveio, este tribunal devia ter-se declarado oficiosamente incompetente, nos termos do artº 28º do Regulamento (UE) nº 1215/2012, de 12/12.
13ª – Não procede a objecção que assenta na letra da norma do nº 1 do artº 31º da Convenção CMR, pois que, em primeiro lugar, o escopo dessa norma é o de permitir que um nacional (pessoa colectiva ou singular) de um Estado-Membro possa recorrer directamente aos tribunais de um outro Estado-Membro para demandar um nacional (pessoa colectiva ou singular) deste último País, evitando, assim, ter de propor a acção no seu Estado de origem para depois executar a respectiva sentença no Estado-Membro da parte ré.
14ª - Esta norma não prescinde em absoluto da existência de todo e qualquer elemento de conexão, por diminuto que seja.
15ª - Um português pode demandar um dinamarquês em Portugal, e vice-versa, mas já não será admissível que dois nacionais da Dinamarca recorram à jurisdição dos tribunais portugueses, e vice-versa, tanto mais que a sentença a proferir por um dos Estados-Membros terá de ser executada no outro Estado-Membro.
16ª - Em segundo lugar, no caso de o autor não optar pela jurisdição do país no território do qual o réu tem a sua residência habitual, a sua sede principal ou sucursal ou agência por intermédio da qual se estabeleceu o contrato de transporte, só poderá optar pela jurisdição do país no território do qual estiver situado o lugar do carregamento da mercadoria se o incumprimento culposo do contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada (Convenção CMR) que imputa ao réu (causa de pedir) assentar nesse facto.
17ª - In casu, a Autora alega e imputa incumprimento culposo da Ré do contrato de transporte (de resto, celebrado na Dinamarca) com fundamento único na ocorrência do furto de parte das mercadorias em Espanha, nada tendo a ver com o carregamento das mercadorias em Portugal!
18ª - Mas, ainda que não houvesse regulamento europeu a estabelecer a incompetência dos tribunais portugueses para o caso em apreço, os tribunais portugueses também não teriam competência internacional para conhecer, julgar e decidir o presente caso pelas regras previstas no Código de Processo Civil, concretamente, artºs 62º, 63º e 94º (vide, artº 59º do CPC).
19ª - A presente acção não podia ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa.
20ª – Por aplicação do artº 71º, nº1, do CPC o lugar do cumprimento da obrigação da Apelante para entrega das mercadorias transportadas era a Dinamarca.
21ª - A acção destinada a exigir indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso da obrigação deve ser proposta no tribunal do domicílio do Réu, que, no caso da Apelante, é a Dinamarca, de acordo com o que o tribunal a quo deu por provado.
22ª - Quanto à regra do artº 81º, nº 2, do CPC, sendo a Apelante uma sociedade, devia ser demandada no tribunal da sede da administração principal, ou seja, na Dinamarca, que é onde o tribunal a quo a deu como sedeada.
23ª - Do elenco da matéria fáctica dada como provada pelo Tribunal, resulta que não foi praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram.
24ª - O furto das mercadorias do interior do camião que executou o serviço de transporte contratado e cuja indemnização por danos é peticionada na presente demanda, ocorreu em Espanha!
25ª - Do elenco da matéria fáctica dada como provada pelo Tribunal, resulta que o direito invocado pela Autora podia, e devia, ter sido reclamado e adjectivado judicialmente perante os tribunais dinamarqueses, pois ambas as partes têm essa nacionalidade, de acordo com o que o tribunal a quo deu por provado, e tendo sido nesse País que os contratos de transporte e de seguro foram celebrados.
26ª - Não se verifica que o direito invocado pela Autora só pudesse tornar-se efectivo por meio de acção proposta e território português ou que houvesse para a Autora dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro.
27ª - O Tribunal, não obstante ter dada por verificada a não devolução do aviso de recepção que acompanhou a citação, entendeu que, através de uma cópia de um documento interno do serviço postal do país de destino, se mostrava documentada a sua efectiva entrega ao destinatário.
28ª - Salvo o devido respeito, o tribunal não podia, nem devia, considerar regularmente efectuada a citação.
29ª - Não tendo sido devolvido o aviso de recepção, e, por conseguinte e mais impressivamente, não se mostrando assinado o aviso de recepção que acompanhou a citação, não se inicia nem corre o prazo para o Réu contestar, como, inequívoca e inexoravelmente, flui do disposto nos artigos 230º, nº 1, e 569º, nº 1, ambos do CPC.
30ª - O entendimento do tribunal a quo no sentido de que “mostra-se documentada a sua efetiva entrega ao destinatário” assenta numa presunção ou ilação: a de que, não obstante a falta do aviso de recepção, o destinatário recebeu a citação, o que lhe não é consentida pela lei.
31ª – A presunção de que a carta de citação foi oportunamente entregue ao destinatário assenta sempre “no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção”, como se evidencia da parte final do nº1...

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