Acórdão nº 6453/15.5T8VIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 28-05-2024
Data de Julgamento | 28 Maio 2024 |
Case Outcome | NEGADA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 6453/15.5T8VIS.C1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
I. RELATÓRIO
Recorrente: AA
Recorrido: BB
1. AA intentou acção sob a forma de processo comum contraBB peticionando que seja declarada a nulidade e a incapacidade de produzir quaisquer efeitos na ordem jurídica nacional do testamento identificado nos autos e atribuído à falecida CC, cidadã portuguesa, lavrado na Suíça.
Para tanto invocou, em resumo, que a referida CC faleceu na Suíça, no dia ........2013, no estado de solteira, deixando como seus herdeiros legais o seu irmão, o autor, e a sua sobrinha.
Mais alegou ter tido conhecimento da existência de um documento cuja autoria é atribuída à falecida, redigido em língua alemã, escrito esse que configurará uma disposição de ultima vontade, pelo qual terá instituído como seu único e universal herdeiro o aqui réu, que igualmente instituiu como seu testamenteiro.
Alega desconhecer se de facto tal documento foi redigido / assinado pela falecida, bem como a categoria profissional da pessoa perante a qual terá sido redigido, bem como se foi, ou não, lido este testamento à falecida, o local onde foi elaborado e quem o elaborou.
Por último, alega que os testamentos feitos por portugueses no estrangeiro só produzem efeitos se tiver sido observada a forma solene na sua feitura ou aprovação, o que não se verificou na situação ajuizada, sendo este testamento inválido na ordem jurídica portuguesa por não revestir as exigências de forma impostas quer pela lei nacional quer as impostas pelo instrumento de direito internacional pelo qual se devem reger os testamentos de cidadãos nacionais residentes no estrangeiro.
2. Citado, veio o réu contestar, alegando que vivia com a falecida em união de facto desde 2011, em ..., comuna de ..., onde residiram até à data do seu óbito, tendo sido instituído como herdeiro universal da de cujus por testamento realizado pelo cartório notarial de ..., entidade com competência legal e funcional para aquele acto na Suíça.
Pugna pela aplicação da lei estrangeira – lei suíça – mais afirmando que as formalidades a observar são as previstas na lei suíça e que foram respeitadas no testamento dos autos, decorrendo na Suíça, processo sucessório, no âmbito do qual foi considerado o legitimo herdeiro da falecida, beneficiário de todos os seus bens e responsável pelo pagamento de todos os impostos e encargos devidos pela sucessão e pelo processo.
3. Na sentença pode ler-se:
“o Tribunal julga a presente acção totalmente procedente e, em consequência, decide declarar a nulidade do documento denominado “testamento” e referido em 8. dos factos provados e a incapacidade do mesmo produzir qualquer efeito na ordem jurídica nacional”.
4. Não conformado com esta decisão, interpôs o réu recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que, em Acórdão, decidiu:
“considerar procedente o recurso interposto e revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julga a acção interposta por AA contra BB, totalmente improcedente”.
5. Desta vez é o autor quem interpõe recurso de revista.
Conclui as suas alegações nos seguintes termos:
“1. O Recorrente não pode concordar com o acórdão proferido em 23.01.2024, na medida em que o mesmo considera que um testamento considerado inválido, pode produzir efeitos no ordenamento jurídico português.
2. Na verdade, a questão que se coloca é a de interpretação da lei a aplicar, quanto à validade do testamento.
3. Afigura-se ao Recorrente que a lei não suscita dúvidas e que se deve aplicar, no que concerne ao domínio das sucessões, a lei pessoal, ou seja, a lei da nacionalidade.
4. Na verdade, o documento denominado de “testamento” foi redigido na Suíça e a falecida tinha nacionalidade portuguesa.
5. A sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento, conforme artigo 62º/Código Civil.
6. A lei pessoal é a da nacionalidade do individuo, de acordo com o preceituado no artigo 31º/1/Código Civil.
7. Não colhe o argumento defendido no acórdão, quando refere que no artigo 31º/2/Código Civil, tem uma limitação à regra de que a lei pessoal é a da nacionalidade do indivíduo.
8. Preceitua o artigo 31º/2/Código Civil:
“São porém reconhecidos em Portugal os negócios jurídicos celebrados no país da residência habitual do declarante, em conformidade com a lei desse país, desde que esta se considere competente.”
9. Na opinião do Recorrente, da leitura deste ponto, não se vislumbra excepção ao critério da lei pessoal ser a lei da nacionalidade, no que toca às sucessões.
10. O artigo 31º/2/ Código Civil, reconhece os negócios jurídicos celebrados no país da residência habitual, tal não significa aceitar que documentos inválidos conduzam à produção de efeitos no ordenamento jurídico português.
11. Além de que, preceitua o artigo 65º/Código Civil que, se a lei pessoal do autor da herança no momento da declaração exigir, sob pena de nulidade, a observância de determinada forma, ainda que o acto seja praticado no estrangeiro, a exigência deve ser respeitada.
12.Assim, o testamento feito por cidadão português em pais estrangeiro, só produz efeitos em Portugal, se tiver sido observada uma forma solene na sua feitura ou aprovação, cfr. artigo 2223º/ Código Civil.
13. Quando se refere a necessidade de observar uma forma solene na feitura ou aprovação do testamento, cfr. artigo 2223º/ Código Civil, significa que se exige a intervenção de uma entidade dotada de fé pública na sua elaboração ou na sua aprovação e bem assim a presença de duas testemunhas.
14.Além de que, o testamento está sujeito à disciplina prevista na Convenção Relativa à Lei Uniforme sobre a Forma de Um Testamento Internacional, visto ter sido redigido por um cidadão português no estrangeiro.
15.O artigo 5º da referida Convenção refere que:
“O testador deverá assinar o testamento na presença das testemunhas e da pessoa habilitada ou, se já o houver previamente assinado, reconhecer como sua a assinatura.”
16.Preceituando o artigo 1º da Convenção que, o testamento só será válido se respeitar as formalidades previstas na mesma.
17. Uma vez que Portugal aderiu à Convenção, em 09.02.1978, aprovada pelo Decreto nº 252/75, de 23.05, as regras definidas nesse documento de aplicação internacional, devem ser respeitadas.
18. Assim, o testamento para ser válido deveria em Portugal ter a intervenção de uma entidade dotada de fé pública e mencionar a identificação das testemunhas e ser assinado pelas mesmas. Tal não resulta da prova produzida nos autos.
19.Acresce que, refere-se no acórdão aqui em crise, que estamos perante um testamento holográfico e que o mesmo está previsto e é permitido pelo artigo 505º/Código Civil Suíço.
20.O testamento holográfico é um documento totalmente manuscrito e assinado pelo testador, sem necessidade de intervenção de um notário.
21.O testamento holográfico não é permitido em Portugal.
22.Acontece que, no caso em apreço, verificaram-se duas situações distintas, que leva a colocar sérias dúvidas sobre que tipo de testamento existiu.
23.Na verdade, consta do ponto 10 dos factos provados, que:
“No dia 06/12/2013 foi realizado, pelo Cartório Notarial de ... e a pedido de CC, um esboço de testamento, aí tendo estado presentes, além da falecida e do Sr. Notário, mais duas pessoas.”
24.Se a testadora se dirigiu a um Notário, presume-se que quisesse fazer um testamento público, um documento formal e nesse caso, teriam de ser respeitadas formalidades legais, nomeadamente a assinatura de testemunhas, cfr. artigo 499º a 501º/ Código Civil Suíço.
25.Assim, não se compreende a razão de ter sido feito um esboço de testamento, na presença de um Notário e de testemunhas e posteriormente ter feito um manuscrito.
26.Acresce que é desconhecido o teor do esboço realizado no Notário, pelo que não se sabe se o documento junto aos autos, expressa a real vontade da testadora.
27.Até porque, a testadora encontrava-se em fase terminal, de uma doença oncológica, pelo que o grau de consciência e compreensão da testadora, estava comprometido.
28.Estranha-se ainda que, uma das testemunhas tenha referido ter feito a tradução, palavra por palavra, do testamento, visto ter sido referido pelas testemunhas, que a testadora, vivia há mais de 30 anos na Suíça e que conhecia perfeitamente a língua alemã.
29.Nessa medida, tratando-se o testamento de um documento com disposições para o futuro, sem possibilidades de se confrontar a testadora sobre a sua real vontade, dúvidas não deviam existir sobre o que foi pretendido pela testadora e qual o tipo de testamento que pretendia outorgar.
30.E bem assim, se a testadora estaria com capacidade de entender o sentido da sua declaração, pois a mesma faleceu sete (07) dias após outorgar o testamento, encontrando-se nos cuidados paliativos.
31.Os doentes em fase terminal, encontram-se debilitados, muitas vezes sem capacidade de falar, de escrever e têm a parte cognitiva afectada, não têm a consciência plena do que fazem.
32.Aliás, isso mesmo foi confirmado pelo irmão da falecida, que a visitou no dia 12.12.2013, três dias após a assinatura do testamento e que afirmou que a irmã quase não falava e nem sequer conseguia pegar na caneta.
33.Pelo que, sempre deveria ser considerado inválido o testamento, pois existia incapacidade acidental da testadora. Nesse sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo nº 4331/16.0...-7, de 20.12.2018:
“Deve ser anulado, por incapacidade acidental, o testamento outorgado por quem, no momento e devido a doença, estava incapaz de entender o sentido da sua declaração e carecia do livre exercício da sua vontade para poder dispor dos seus bens para depois da morte.”
34. Conforme bem refere o acórdão aqui em crise, o testamento é inválido segundo a lei pessoal, neste caso a lei portuguesa,
35. Existem quatros princípios que norteiam o registo predial português: Princípio da obrigatoriedade, princípio da legalidade do...
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