Acórdão nº 64/03.5TCSNT.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 02-03-2021
Data de Julgamento | 02 Março 2021 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA. |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 64/03.5TCSNT.L2.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,
I – relatório
1. COFRE DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS E AGENTES DO ESTADO, anteriormente designado como Cofre de Previdência do Ministério das Finanças, intentou, em 08.01.2003, acção contra AA e BB, pedindo:
- resolução do contrato de compra e venda de imóvel, em regime de propriedade resolúvel, celebrado com a Ré com fundamento no incumprimento desta;
- condenação dos Réus a reconhecerem a propriedade do Autor sobre o imóvel e a entregarem o imóvel devoluto;
- cancelamento do registo do imóvel a favor da Ré e quaisquer outros, declarando-se subsistente a inscrição a favor do Autor;
- condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €17 097,69 de prestações, encargos, quotas em atraso e juros em atraso, nos juros à taxa das dívidas ao Estado sobre €16 994,48, desde Outubro de 2002, e nas prestações mensais de €639,20 que se vencerem até decisão judicial transitada em julgado, bem como em €400,00 mensais, a título de enriquecimento sem causa, desde a data do trânsito em julgado dessa decisão até entrega efectiva do andar ao Autor, acrescidas dos respectivos juros, calculados à taxa de juros das dívidas ao Estado.
Alegou para o efeito e essencialmente:
- ter celebrado, em 16-12-1999, com a Ré, casada em regime de separação de bens com o Réu, contrato de compra e venda de imóvel, em regime de propriedade resolúvel, pelo preço de Esc. 22.950.000$00, para residência exclusiva e permanente dos Réus e do seu agregado familiar;
- ter a Ré ficado adstrita, nos termos do contrato, ao pagamento do preço do imóvel, em 300 prestações mensais, à taxa de 4,75%;
- ter a Ré deixado de pagar as mensalidades vencidas, os encargos de seguros, juros e penalizações correspondentes, desde Março de 2001;
- terem as prestações sido actualizadas, nos termos do contrato, para €718,22 mensais, entre 03-2001 e 11-2001, e para €639,20, a partir de Dezembro de 2001.
- ter a Ré sido notificada, por carta, para pagar os valores em dívida, não tendo feito qualquer pagamento, sendo a dívida de €107.472,10.
- não ter a Ré procedido à entrega do imóvel, sendo o valor de mercado relativo ao arrendamento do mesmo não inferior a €400,00 mensais.
2. Após citação os Réus apresentaram contestação invocando, fundamentalmente, que perante a impossibilidade económica de satisfazerem os créditos do Autor celebraram, em Setembro de 2001, com o então Presidente do Cofre, acordo verbal pelo qual o contrato de compra e venda seria extinto e o imóvel entregue ficando a suas expensas os custos de escritura e reconversão dos registos. Referiram ainda que na sequência e em cumprimento do referido acordo procederam à entrega das chaves do imóvel, em Outubro de 2001, ficando a aguardar que o Autor os contactasse para formalização da cessação do contrato.
Deduziram reconvenção, pedindo que seja declarada a resolução do direito de propriedade, nos termos do artigo 51.º, do DL 465/76, de 11/06, com todas as consequências legais, com efeitos reportados à data de 01 de Outubro de 2001, atenta a validade do acordo celebrado entre as partes em Setembro de 2001.
Subsidiariamente, pediram que seja reconhecido que a falta de pagamento dos montantes acordados resultou da mora do credor ao induzi-los sobre a existência de um acordo e, nos termos do artigo 293.º, do Código Civil, seja declarada a conversão do acordo celebrado entre as partes, em Setembro de 2001, na declaração judicial de suspensão, desde essa data, da contagem do prazo e da obrigação de pagamento de amortização do empréstimo celebrado, devendo ser declarado ad futurum o reinício do prazo e o reinício da obrigação de pagamento das prestações em dívida.
3. Realizado julgamento (23.04.2015) foi proferida sentença (04.05.2015), que julgou parcialmente procedente a acção e improcedente o pedido reconvencional, declarando resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre as partes, ordenando o cancelamento da respectiva inscrição a favor da Ré e reconhecendo o Autor o proprietário do imóvel. Absolveu o Réu de todos os pedidos e condenou a Ré a entregar ao Autor o imóvel livre e devoluto de pessoas e bens e a pagar-lhe as prestações vencidas e não pagas, desde Março de 2001, acrescidas de juros à taxa legal e respectivas penalizações e seguro, valor a liquidar em execução de sentença e em que será abatido o valor do imóvel entregue.
4. Inconformados os Réus apelaram, tendo o Tribunal da Relação …. (por acórdão de 1 de Junho de 2017), julgado a apelação improcedente, confirmando a sentença.
5. Interposto pela Ré recurso de revista (inicialmente excepcional, tendo sido admitido como revista normal) foi proferido acórdão que revogou o acórdão e determinou a sua substituição por outro que tivesse em conta o efeito cominatório legal pela falta de apresentação de réplica.
6. Em cumprimento do referido acórdão o tribunal da Relação considerou insubsistente a sentença condenatória de primeira instância proferida, bem como a inclusão nos temas da prova consignada na audiência prévia a matéria invocada a título de pedido reconvencional, tendo para o efeito ordenado a devolução do processo à 1ª instância para a prossecução dos trâmites necessários.
7. O tribunal de 1.ª instância, analisando o acórdão do STJ, considerou que o efeito cominatório decorrente da falta de impugnação por parte do Autor à matéria (nova) alegada pelos Réus na contestação (defesa por excepção e na reconvenção) reportava-se à existência de um acordo verbal de cessação do contrato atenta a incapacidade dos mesmos para o cumprir, bem como de que seriam posteriormente contactados pelo Autor para formalizarem a extinção do contrato. Nessa medida, circunscrevendo a matéria de facto controvertida à entrega do imóvel (por não ocorrer efeito cominatório por a factualidade alegada na contestação se encontrar em contradição com a petição), manteve o despacho saneador e o objecto do litígio fixado na audiência prévia que se realizou em 15-05-2014, fixou valor à causa e enunciou os temas da prova (referentes à ocupação da fracção pela Ré desde 2001 e à entrega das respectivas chaves em Outubro de 2001) – cfr. despachos de 23-10-2018 e de 21-03-2019.
8. Realizado julgamento foi proferida sentença (em 04-06-2019) que julgou a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, decidindo:
“a) Condenar os RR a pagar ao Autor a quantia correspondente às prestações mensais em falta desde Março a Outubro de 2001 inclusivé, à razão mensal de €718,22 (setecentos e dezoito euros e vinte e dois cêntimos), acrescidas dos encargos de seguro relativos a este período e dos juros de mora à taxa legal aplicável às dívidas ao Estado, desde o respectivo vencimento até integral pagamento;
b) Absolver os RR do demais peticionado pelo Autor;
c) Condenar o Autor a reconhecer que não é devido pelos RR o pagamento de prestações mensais depois de Outubro de 2001, mês em que ocorreu a entrega do imóvel ao Autor.
d) Absolver o Autor do demais peticionado pelos RR.”.
8. O Autor recorreu da sentença, tendo o tribunal da Relação …. proferido acórdão (05-03-2020) que, decidindo em maioria, julgou a apelação procedente o recurso de apelação e, alterando a factualidade provada, revogou a sentença decidindo:
“a.) Declarar resolvido o contrato de compra e venda em regime propriedade resolúvel celebrado entre apelante/autor e apelada/ré, a 16-12-1999, relativo à fração autónoma designada pela Letra AF, correspondente ao ….º andar letra …. do prédio em propriedade horizontal sito no Casal …., atual Rua …., freguesia de ….., concelho de …. descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º …., e inscrito na matriz sob o n.º …. e em consequência:
b) Ordenar o cancelamento da Inscrição …. e quaisquer outras desta dependente a favor de AA casada com BB, na fração designada pela Letra AF, correspondente ao …º andar letra …. do prédio em propriedade horizontal sito no Casal …., atual Rua …., freguesia de …... Concelho de …. descrito na Conservatória do Registo Predial de ….., sob o n.º …., e inscrito na matriz sob o n.º …...
c) Reconhecer que o apelante/autor, Cofre de Previdência é o proprietário da fração designada pela Letra AF, correspondente ao ….º andar letra ….. do prédio em propriedade horizontal sito no Casal ….., atual Rua ….., freguesia de ……, concelho de ….. descrito na Conservatória do Registo Predial de …., sob o n.º ….., e inscrito na matriz sob o n.º …., conforme consta pela Inscrição …. convertida em definitivo pela Ap. …..
d) Condenar os apelados/réus a entregarem o imóvel referido em a) livre e devoluto de pessoas e bens ao apelante/autor.
e) Condenar os apelados/réus a pagarem ao apelante/autor as prestações vencidas e não pagas desde março de 2001 até à presente data, acrescida de juros à taxa legal aplicável às dívidas ao Estado e respetivas penalizações e seguro, valor a liquidar em execução de sentença, no qual deverá ser tido em consideração e abatido o valor do imóvel que ora se ordenou a entrega.
f) Absolver os apelados/réus dos demais pedidos contra os mesmos formulados pelo apelante/autor.”.
9. Vieram agora os Réus recorrer de revista, concluindo nas suas alegações (transcrição):
“1º) O acórdão do Tribunal da Relação …. de 05.03.2020 deve ser revogado por violação dos artigos 505º e 490º nº 2 do CPC anterior e o Acórdão do STJ de 27.02.2018 determinou que a falta de apresentação da replica pela Autora importou na confissão da factualidade alegada pelos Réus no Pedido Reconvencional
2º) A Sentença Judicial de 1ª Instancia datada de 04.06.2019 deve ser mantida porquanto limitou-se a aplicar o Direito e bem, (cumprimento dos artigos 505º e 490º nº 2 do CPC anterior) aos factos dados como provados em cumprimento ao preceituado no Acórdão do STJ de 27.02.2018 que delimitou o conteúdo e alcance da Sentença Judicial a ser proferida em 1ª Instância que aplicaria a...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO