Acórdão nº 6371/15.7T8SNT.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça, 04-12-2018
Data de Julgamento | 04 Dezembro 2018 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 6371/15.7T8SNT.L1.S2 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
AA e BB intentaram acção de reivindicação contra BB, pedindo a condenação desta a entregar-lhes o seu prédio por ela ocupado e a indemnizá-los, até efectiva entrega, no montante mensal de 400 €.
A R contestou, alegando, em síntese, ter sempre assumido a posição de arrendatária do prédio, o que foi aceite tacitamente pelos AA, lidando com ela nessa qualidade, e pediu reconvencionalmente a condenação dos AA a pagar-lhe as benfeitorias realizadas.
Foi proferida sentença condenando a R no pedido formulado pelos AA, excepto quanto ao montante indemnizatório, que foi fixado em € 350 mensais, e absolvendo os AA do pedido reconvencional.
A R interpôs apelação da sentença, que a Relação, sem voto de vencido, confirmou na íntegra.
Do acórdão proferido pela Relação, a R interpôs revista excepcional, admitida pela competente Formação, tendo delimitado o objecto do recurso com as seguintes conclusões (sic):
«A) R. mantinha o direito de manter vivo o contrato de arrendamento, tratando-se já de um direito: “A R. sempre residiu com os seus pais, CC e DD.”.“...os AA. passaram a tratar com esta, que com aquela vivia, todos os assuntos relacionados com o contrato...” (pontos 8 e 9 da matéria dada como provada);
B) Ao que verifica-se a subsunção dos factos às normas jurídicas, correlacionadas com o fundo ou mérito da causa, impedindo que a recorrente seja condenada a restituir o imóvel, sem prejuízo do direito de propriedade dos recorridos;
C) Existiu durante todos estes anos pela R. um reforço da sua posição de confiança em virtude da prolongada vigência do limiar temporal, que a coloca ao abrigo de um desenraizamento abrupto e forçado, preservando o seu reduto habitacional, elemento nuclear de qualquer plano de vida, não podendo ser ignorado ao abrigo da nova Lei a impossibilidade de desocupação;
D) Se, as normas dispõem para o futuro, a norma transitória que deita por terra o direito da R., não deve ser aplicada;
E) Ao abrigo do disposto do artigo 204º da CRP deve ser recusada a aplicação da norma com fundamento na respectiva inconstitucionalidade;
F) A posição jurídica da R. que adquiriu, de acordo com o regime pregresso, o direito de permanência no local, por efeito do transcurso do prazo fixado no regime pregresso, acolhe os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança na previsibilidade do direito, legítima, que deriva do Estado de Direito Democrático como forma de orientação de vida”: ACS. 330/90, 297/2015, 270/99 e 682/99;
G) O locado sempre foi a única e exclusiva residência da R., atualmente com 73 anos de idade;
H) A R., com 73 anos de idade, cujo único agregado fami1iar que possuía eram os seus ascendentes, entretanto falecidos, sem meio de subsistência, sendo a sua única fonte de rendimento uma pensão de 365,79€, com a negação de provimento do presente recurso, não terá onde residir, terminando a sua história de vida como sem abrigo, ou algo mais gravoso, quando se retira o único elo de 1igação com a realidade justificando-se o supremo interesse de particular relevância social;
I) Existiu durante todos estes anos pela R. um reforço da sua posição de confiança em virtude da prolongada vigência do limiar temporal, que a coloca ao abrigo de um desenraizamento abrupto e forçado, preservando o seu reduto habitacional, elemento nuclear de qualquer plano de vida com clara violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima impostos pelo Estado de direito Democrático, ínsitos no artigo 2º da CRP, o princípio da não retroactividade das leis restritivas de direitos, 1iberdades e garantias consignado no artigo 18º nº 3 da CRP sendo o direito à habitação (art. 65º CRP) configurado como um direito fundamental e o art. 17º CRP prescreve que o regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga.».
*
Importa apreciar e decidir a questão de saber se a R deve ser tida como titular do contrato de arrendamento (celebrado com o seu pai pelo então proprietário do prédio, em Junho de 1951), para o que releva a seguinte matéria de facto tida por provada e não provada pela Relação.a) Factos provados:
1- Por escritura pública outorgada em 27/1/2000, os AA adquiriram … o prédio urbano …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva Cacém sob o nº 340 (…).
2- Pela apresentação nº 2 de 31/3/2003, mostra-se inscrita na respectiva Conservatória do Registo Predial, a aquisição, por compra, do prédio aludido ….
(…) 4- Por contrato de Junho de 1951, com início em 1/7/1951, o anterior proprietário do prédio aludido em 1., deu-o de arrendamento a CC , que o tomou para sua habitação, pelo prazo de seis meses, renováveis nos termos legais, pela renda de 380$00 mensais.
5- CC divorciou-se da sua esposa, DD, em Julho de 1972 e, por decisão do Tribunal, transmitiu-se para esta o contrato de arrendamento, tendo o senhorio reconhecido a mesma como beneficiária de tal transmissão.
6- Em 14/8/2014, faleceu DD, com 90 anos de idade, no estado de divorciada de CC .
7- Antes de DD falecer, esteve acamada durante um período de tempo não concretamente apurado, estando incapacitada fisicamente e perturbada no seu entender e querer.
8- A R sempre residiu com os seus pais, CC e DD.
9- Em consequência do estado de saúde de DD mencionado em 7., e a pedido da R, os AA passaram a tratar com esta, que com aquela vivia, todos os assuntos relacionados com o contrato aludido em 5..
10- A R enviava aos AA cartas destinadas ao pagamento da renda do contrato aludido em 5., nas quais figurava, como remetente, “DD” e assinava essas cartas por debaixo da menção “P’ DD”, pagamentos que os AA recepcionavam.
11- Por carta datada de 29/12/2014 e recebida pela R em 2/1/2015, os AA comunicaram a esta o seguinte: “(...) tomámos agora conhecimento do falecimento da sua mãe a 14/8/14, de que nunca nos deu conhecimento. Dado V. Exª não ter direito à transmissão do contrato de arrendamento, solicitamos nos informe por escrito, no prazo de 10 dias, da sua disponibilidade para entrega voluntária da casa, (...)”.
12- Por carta datada de 8/1/2015, a R., através da sua mandatária, comunicou aos AA o seguinte: “ (...) informou, ainda que, não por escrito, o óbito da Exma. Senhora DD ao Senhorio BB. Tal facto não prejudica a transmissão do contrato. Encontramo-nos disponíveis para actualizar a renda em vigor”.
(…) 17- A R tem cerca de 73 anos de idade.
b) Factos não provados:
I) DD esteve acamada durante dez anos.
(…) III) Os AA lidavam com a...
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