Acórdão Nº 634/24 de Tribunal Constitucional, 25-09-2024

Número Acordão634/24
Número do processo212/21
Data25 Setembro 2024
Classe processualRecurso

ACÓRDÃO Nº 634/2024

Processo n.º 212/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Penafiel, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla “LTC”), do despacho proferido por aquele tribunal em 16 de dezembro de 2020.

2. O aqui recorrido instaurou uma ação administrativa comum, contra várias entidades, entre as quais o Estado Português, tendo sido inicialmente remetida a citação para o Centro de Competências Jurídicas do Estado. Veio, porém, o Ministério Público junto do TAF de Penafiel apresentar requerimento invocando a nulidade por falta de citação, o qual deu lugar a despacho proferido pelo tribunal a quo de 16 de dezembro de 2020, determinando:

«A recusa de aplicação das normas constantes dos artigos 11.º, n.º 1, in fine e 25.º, n.º 4 do CPTA, resultantes das alterações introduzidas pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, e interpretadas no sentido de que nas ações instauradas contra o Estado Português nos Tribunais Administrativos o Ministério Público não é citado, ficando a sua intervenção processual dependente de solicitação pelo Centro de Competências Jurídicas do Estado a quem compete coordenar essa intervenção, por violação do artigo 219.º, n.os 1 e 2 da Constituição;

- Dar como verificada a nulidade por falta de citação do réu Estado, declarando-se a nulidade de todo o processado posterior à p.i., e determinando-se a citação do Estado no Ministério Público.»

3. É do despacho do TAF de Penafiel, datado de 16 de dezembro de 2020, que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, em requerimento formulado nos seguintes termos:

«O Ministério Público, na ação à margem identificada, que A. move a B. e C., na qualidade de progenitores e responsáveis pela guarda da menor D., o Ministério da Educação e o Estado Português, vem ao abrigo do disposto nos artigos 280.° n.º 1, al. a), n.º 2 al. a) e n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), 70°, n° 1, alínea a), e 72° n° 1 alínea a) e n° 3, da Lei n° 28/82, de 15/11, na sua atual versão, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do douto despacho proferido em 16 de dezembro de 2020, que expressamente recusou a aplicação, no caso dos autos, das normas constantes dos artigos 11.°, n.º 1, in fine e 25.°, n.º 4 do CPTA, resultantes das alterações introduzidas pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, quando interpretadas no sentido de que nas ações instauradas contra o Estado Português nos Tribunais Administrativos o Ministério Público não é citado, ficando a sua intervenção processual dependente de solicitação pelo Centro de Competências Jurídicas do Estado a quem compete coordenar essa intervenção, por violação do artigo 219.°, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, que impõe que o Estado seja representado pelo Ministério Público e violar o estatuto de autonomia do Ministério Público.

Por ter legitimidade e estar em tempo em tempo, queiram V. Exas. considerá-lo interposto, o qual tem efeito suspensivo e subida imediata nos próprios autos

4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal, foram as partes notificadas para alegarem.

O recorrente sustentou a inconstitucionalidade «das normas recorridas, constantes dos n.º 1 do artigo 11.º e o n.º 4 do artigo 25.º, ambos do CPTA2019, em toda e cada ação ou meio processual administrativo em que o “Estado” é demandado, nos tribunais administrativos, a citação é dirigida sempre e unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, um serviço central da administração direta do Estado, mas que, ainda assim, mais ficou investido por força de tais normas jurídicas, de poderes para depois resolver livremente (“a possibilidade de”) se o “Estado” será, ou não, representado na causa pelo Ministério Público e, caso afirmativo, para lhe “transmitir” a citação e “coordenar os termos da respetiva intervenção em juízo”».

Notificado para o efeito, o recorrido não contra-alegou.

5. Sobrevindo o início de funções como Presidente do Tribunal Constitucional do primitivo Relator, foram os presentes autos redistribuídos (artigo 50.º, n.º 2, da LTC).

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

6. O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e tem como objeto as «normas constantes dos artigos 11.º, n.º 1, in fine e 25.º, n.º 4 do CPTA, resultantes das alterações introduzidas pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, e interpretadas no sentido de que nas ações instauradas contra o Estado Português nos Tribunais Administrativos o Ministério Público não é citado, ficando a sua intervenção processual dependente de solicitação pelo Centro de Competências Jurídicas do Estado a quem compete coordenar essa intervenção», por violação do artigo 219.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.

Tendo em conta a delimitação do objeto do recurso, importa começar por fazer uma precisão: apesar do requerimento de interposição de recurso mencionar «normas recorridas» (plural), o que está em causa – conforme é, aliás, depois especificado pelo recorrente na conclusão 34.ª das alegações produzidas no recurso de constitucionalidade – é a recusa de aplicação da norma que resulta da interpretação conjugada do segmento final do n.º 1 do artigo 11.º e do n.º 4 do artigo 25.º, do CPTA, na redação conferida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, segundo a qual, nas ações instauradas contra o Estado Português nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público não é citado, ficando a sua intervenção processual dependente de solicitação pelo Centro de Competências Jurídicas do Estado, ao qual compete coordenar essa intervenção.

Esta norma, materialmente, coincide com aquela que foi apreciada no recente Acórdão n.º 539/2024. Ali se decidiu declarar inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma «que resulta da interpretação conjugada dos artigos 11.º, n.º 1, e 25.º, n.º 4, do Código de Processos nos Tribunais Administrativos (aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro), segundo a qual, nos tribunais administrativos, quando seja demandado o Estado ou na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, a representação do Estado pelo Ministério Público é uma possibilidade, sendo a citação dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo», com fundamento na violação do disposto no n.º 1 do artigo 219.º da Constituição.

O juízo positivo de inconstitucionalidade assentou nos seguintes fundamentos:

«[…]

6. Para a plena compreensão do sentido e alcance da solução normativa que decorre da alteração legislativa levada a cabo pela Lei n.º 118/2019 é útil ter presente o essencial da evolução do regime legal relativo à representação processual do Estado pelo Ministério Público nos tribunais administrativos. Tal evolução foi traçada com particular detalhe no Acórdão n.º 857/2022 (v. os n.ºs 9 a 14) em termos que serão de perto acompanhados nos pontos seguintes.

6.1. Como houve oportunidade de observar no referido aresto, antes da entrada em vigor do CPTA, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais («ETAF») então vigente estabelecia amplamente que o «Ministério Público representa o Estado nas ações em que este for parte, nos termos da lei de processo administrativo» (v. o artigo 69.º, n.º 2, do ETAF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de abril, na redação conferida pela Lei n.º 4/86, de 21 de março). Esta disposição, porém, pressupunha já uma importante limitação dos poderes de representação do Estado pelo Ministério Público, baseada na tradicional contraposição entre o recurso contencioso e o contencioso das ações: ao contrário das ações sobre contratos administrativos e de responsabilidade civil extracontratual em que o Estado figurasse como demandado, os recursos contenciosos de impugnação de atos administrativos não eram verdadeiras ações propostas contra o Estado (Mário Aroso de Almeida, “Principais alterações ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos introduzidas pela Lei n.º 118/2019, de 17 de...

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