Acórdão nº 6328/11.7TBALM-A.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 10-01-2019
Data de Julgamento | 10 Janeiro 2019 |
Número Acordão | 6328/11.7TBALM-A.L1-6 |
Ano | 2019 |
Órgão | Tribunal da Relação de Lisboa |
Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I-Relatório
1- Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que A [ Banco …,SA ] , move a B ,C e D , veio o co-executado C deduzir oposição à execução, pedindo a respectiva procedência e a consequente extinção da execução.
Alegou, em síntese, que a letra dada à execução venceu-se 31/07/2008 e a acção executiva foi instaurada apenas em 21/10/2011, o que implica que enquanto título cambiário encontra-se prescrita. A invocação de que a dívida tem como causa a que consta da letra de câmbio “reforma da letra de 73 000€ vencida em 2008-04-03” de nada vale como titulo executivo enquanto documento particular, por aquela expressão não configurar a concreta relação subjacente a emissão da letra. Além disso, o adquirente por endosso de uma letra prescrita não pode usá-la como título executivo enquanto documento particular. Além disso, a letra nunca poderia representar um mútuo de dinheiro porque, face ao valor mencionado teria de ser celebrado por escritura pública.
Além disso o oponente nunca solicitou nem obteve do exequente qualquer quantia, nem com ele teve qualquer transacção comercial.
Por outro lado, não tem qualquer dívida com o executado B a quem já pagou a totalidade da dívida referida na letra.
2- A exequente contestou.
Invoca que a letra foi aceite pelo opoente e endossada ao exequente pelo sacador B .Assim, entre a exequente e opoente/aceitante inexiste qualquer relação subjacente, não podendo aquele opor ao exequente/portador quaisquer excepções fundadas nas suas relações com o sacador.
Ao ora exequente, que não se encontra no domínio das relações imediatas com o aceitante, mas ainda assim, invocou a relação material subjacente à emissão da letra: o mútuo consubstanciado no desconto da letra inicial que veio a ser reformada. Mútuo inicial de 83 500€ que resulta, além do mais do extracto bancário do co-executado.
Além disso pelo endosso o exequente tornou-se credor do endossatário e dos demais obrigados pela letra.
A relação material subjacente está explanada no requerimento executivo.
3- Por decisão de 09/04/2014, foi a oposição julgada procedente e os executados absolvidos do pedido executivo.
É do seguinte teor essa decisão:
“1. RELATÓRIO
F M veio deduzir oposição à execução que lhe é movida pelo "A", para pagamento da quantia de 73.833,00€, alegando que a letra dada à execução está prescrita, que não foram alegados os factos que constituem a relação subjacente para que pudesse ser considerada como mero quirografo, que mesmo que sejam considerados suficientes existiria nulidade pela falta de forma de mútuo no valor da letra e, finalmente, impugnando a existência de qualquer relação subjacente.
A exequente contestou, defendendo que a oposição deve ser julgada improcedente, porquanto, estando no domínio das relações mediatas, o opoente não pode invocar exceções respeitantes à relação subjacente, que o título não foi apresentado como título cambiário, mas como quirógrafo e que a relação material subjacente está de forma clara explanada no requerimento executivo.
Posto isto, cumpre apreciar e decidir.
*
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não existem nulidades que o invalidem totalmente.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente patrocinadas.
Não se verificam outras excepções, questões prévias ou nulidades que obstem à apreciação de mérito e cumpra conhecer.
*
2. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
São suscitadas, em síntese, quatro questões pelo opoente, as quais devem ser apreciadas, pela lógica, na ordem que se segue: prescrição do título cambiário; insuficiência do título executivo; nulidade por falta de forma do mútuo que constitui relação subjacente; inexistência de relação subjacente e possibilidade de o opoente se defender no âmbito destas.
i) Prescrição do Título Cambiário
Esta é uma falsa questão, uma vez que o exequente assume logo no requerimento executivo que a letra, enquanto título de crédito, se encontra prescrita.
Trata-se de conclusão evidente, face à data de emissão da letra (30/7/2008) e à data de propositura da execução (21/10/2011), e ao prazo de três anos previsto no artigo 70º da LULL.
Face à assunção da prescrição e à identificação do título executivo como “documento particular assinado pelo devedor”, é manifesto que o exequente apresentou a letra como mero quirógrafo, sendo, por essa razão, irrelevante a prescrição do título cambiário.
Improcede esta exceção.
ii) Insuficiência do Título Executivo
Coisa diversa é a de saber se se encontram reunidos todos os pressupostos necessários para que a letra, enquanto quirógrafo, constitua título executivo suficiente.
Antes da redação introduzida no NCPC (atual artigo 703º, n.º 1, alínea c) que considera títulos executivos: “Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde quem neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.”), já vingava, maioritariamente, na jurisprudência dos tribunais superiores, a tese que agora o legislador consagrou expressamente. O que importa saber é se, tendo o exequente recebido por endosso a letra, pode a mesma valer como título executivo enquanto quirógrafo e se os factos alegados são suficientes para caracterizar a relação subjacente. E ambas as perguntas merecem resposta negativa.
A ratio da admissibilidade do título de crédito prescrito como título executivo enquanto mero quirógrafo consiste no facto de o documento constituir um reconhecimento de dívida, assinado pelo devedor.
Contudo, apenas podemos considerar a letra prescrita como um reconhecimento de dívida do opoente/sacado para com o co-executado B/sacador, e não para com o A "Banco…, S.A.", que só “surge” por via de um endosso.
Por outras palavras, da letra prescrita não resulta qualquer reconhecimento pelo Opoente de uma dívida para com o A "Banco …, S.A.".
Ou seja, o título prescrito usado só pode ser usado como quirógrafo no âmbito das relações imediatas. É que, importa não esquecer que, estando prescrita a letra, o exequente A "Banco…, S.A." não pode invocar transmissão por via de endosso, porquanto está a fazer valer o título como documento particular.
Em segundo lugar, sempre soçobraria a pretensão do exequente, porquanto apenas são alegadas conclusões (financiamento prorrogado), e não factos constitutivos da relação subjacente: contrato originariamente celebrado, cuja prorrogação se estaria a fazer através da reforma, sobre o qual nada se sabe. Aliás, não sendo o exequente parte na relação subjacente, sempre tais factos seriam insuficientes sem que fossem também alegados os factos subjacentes ao endosso efetuado, o que também não foi feito.
Em suma: o título cambiário só pode servir de título executivo enquanto quirógrafo no âmbito das relações imediatas e com cabal alegação dos factos constitutivos da relação subjacente.
Face a isto, conclui-se pela procedência da oposição, não se chegando sequer a conhecer das demais questões suscitadas, não se deixando, contudo, de atentar em como o exequente se contradiz, na sua contestação (artigo 4º a 10º), defendendo que o opoente não se pode defender por exceção por estarmos no âmbito de relações mediatas, apesar de o título ter sido dado à execução como mero quirógrafo…
3. DECISÃO
Pelo exposto, julgo procedente a oposição à execução e, consequentemente, absolvo os executados do pedido executivo.
Custas pela exequente.”
4-Inconformado, o exequente recorreu dessa decisão, pedindo a respectiva revogação, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
1ª- O ora...
I-Relatório
1- Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que A [ Banco …,SA ] , move a B ,C e D , veio o co-executado C deduzir oposição à execução, pedindo a respectiva procedência e a consequente extinção da execução.
Alegou, em síntese, que a letra dada à execução venceu-se 31/07/2008 e a acção executiva foi instaurada apenas em 21/10/2011, o que implica que enquanto título cambiário encontra-se prescrita. A invocação de que a dívida tem como causa a que consta da letra de câmbio “reforma da letra de 73 000€ vencida em 2008-04-03” de nada vale como titulo executivo enquanto documento particular, por aquela expressão não configurar a concreta relação subjacente a emissão da letra. Além disso, o adquirente por endosso de uma letra prescrita não pode usá-la como título executivo enquanto documento particular. Além disso, a letra nunca poderia representar um mútuo de dinheiro porque, face ao valor mencionado teria de ser celebrado por escritura pública.
Além disso o oponente nunca solicitou nem obteve do exequente qualquer quantia, nem com ele teve qualquer transacção comercial.
Por outro lado, não tem qualquer dívida com o executado B a quem já pagou a totalidade da dívida referida na letra.
2- A exequente contestou.
Invoca que a letra foi aceite pelo opoente e endossada ao exequente pelo sacador B .Assim, entre a exequente e opoente/aceitante inexiste qualquer relação subjacente, não podendo aquele opor ao exequente/portador quaisquer excepções fundadas nas suas relações com o sacador.
Ao ora exequente, que não se encontra no domínio das relações imediatas com o aceitante, mas ainda assim, invocou a relação material subjacente à emissão da letra: o mútuo consubstanciado no desconto da letra inicial que veio a ser reformada. Mútuo inicial de 83 500€ que resulta, além do mais do extracto bancário do co-executado.
Além disso pelo endosso o exequente tornou-se credor do endossatário e dos demais obrigados pela letra.
A relação material subjacente está explanada no requerimento executivo.
3- Por decisão de 09/04/2014, foi a oposição julgada procedente e os executados absolvidos do pedido executivo.
É do seguinte teor essa decisão:
“1. RELATÓRIO
F M veio deduzir oposição à execução que lhe é movida pelo "A", para pagamento da quantia de 73.833,00€, alegando que a letra dada à execução está prescrita, que não foram alegados os factos que constituem a relação subjacente para que pudesse ser considerada como mero quirografo, que mesmo que sejam considerados suficientes existiria nulidade pela falta de forma de mútuo no valor da letra e, finalmente, impugnando a existência de qualquer relação subjacente.
A exequente contestou, defendendo que a oposição deve ser julgada improcedente, porquanto, estando no domínio das relações mediatas, o opoente não pode invocar exceções respeitantes à relação subjacente, que o título não foi apresentado como título cambiário, mas como quirógrafo e que a relação material subjacente está de forma clara explanada no requerimento executivo.
Posto isto, cumpre apreciar e decidir.
*
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não existem nulidades que o invalidem totalmente.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente patrocinadas.
Não se verificam outras excepções, questões prévias ou nulidades que obstem à apreciação de mérito e cumpra conhecer.
*
2. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
São suscitadas, em síntese, quatro questões pelo opoente, as quais devem ser apreciadas, pela lógica, na ordem que se segue: prescrição do título cambiário; insuficiência do título executivo; nulidade por falta de forma do mútuo que constitui relação subjacente; inexistência de relação subjacente e possibilidade de o opoente se defender no âmbito destas.
i) Prescrição do Título Cambiário
Esta é uma falsa questão, uma vez que o exequente assume logo no requerimento executivo que a letra, enquanto título de crédito, se encontra prescrita.
Trata-se de conclusão evidente, face à data de emissão da letra (30/7/2008) e à data de propositura da execução (21/10/2011), e ao prazo de três anos previsto no artigo 70º da LULL.
Face à assunção da prescrição e à identificação do título executivo como “documento particular assinado pelo devedor”, é manifesto que o exequente apresentou a letra como mero quirógrafo, sendo, por essa razão, irrelevante a prescrição do título cambiário.
Improcede esta exceção.
ii) Insuficiência do Título Executivo
Coisa diversa é a de saber se se encontram reunidos todos os pressupostos necessários para que a letra, enquanto quirógrafo, constitua título executivo suficiente.
Antes da redação introduzida no NCPC (atual artigo 703º, n.º 1, alínea c) que considera títulos executivos: “Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde quem neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.”), já vingava, maioritariamente, na jurisprudência dos tribunais superiores, a tese que agora o legislador consagrou expressamente. O que importa saber é se, tendo o exequente recebido por endosso a letra, pode a mesma valer como título executivo enquanto quirógrafo e se os factos alegados são suficientes para caracterizar a relação subjacente. E ambas as perguntas merecem resposta negativa.
A ratio da admissibilidade do título de crédito prescrito como título executivo enquanto mero quirógrafo consiste no facto de o documento constituir um reconhecimento de dívida, assinado pelo devedor.
Contudo, apenas podemos considerar a letra prescrita como um reconhecimento de dívida do opoente/sacado para com o co-executado B/sacador, e não para com o A "Banco…, S.A.", que só “surge” por via de um endosso.
Por outras palavras, da letra prescrita não resulta qualquer reconhecimento pelo Opoente de uma dívida para com o A "Banco …, S.A.".
Ou seja, o título prescrito usado só pode ser usado como quirógrafo no âmbito das relações imediatas. É que, importa não esquecer que, estando prescrita a letra, o exequente A "Banco…, S.A." não pode invocar transmissão por via de endosso, porquanto está a fazer valer o título como documento particular.
Em segundo lugar, sempre soçobraria a pretensão do exequente, porquanto apenas são alegadas conclusões (financiamento prorrogado), e não factos constitutivos da relação subjacente: contrato originariamente celebrado, cuja prorrogação se estaria a fazer através da reforma, sobre o qual nada se sabe. Aliás, não sendo o exequente parte na relação subjacente, sempre tais factos seriam insuficientes sem que fossem também alegados os factos subjacentes ao endosso efetuado, o que também não foi feito.
Em suma: o título cambiário só pode servir de título executivo enquanto quirógrafo no âmbito das relações imediatas e com cabal alegação dos factos constitutivos da relação subjacente.
Face a isto, conclui-se pela procedência da oposição, não se chegando sequer a conhecer das demais questões suscitadas, não se deixando, contudo, de atentar em como o exequente se contradiz, na sua contestação (artigo 4º a 10º), defendendo que o opoente não se pode defender por exceção por estarmos no âmbito de relações mediatas, apesar de o título ter sido dado à execução como mero quirógrafo…
3. DECISÃO
Pelo exposto, julgo procedente a oposição à execução e, consequentemente, absolvo os executados do pedido executivo.
Custas pela exequente.”
4-Inconformado, o exequente recorreu dessa decisão, pedindo a respectiva revogação, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
1ª- O ora...
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