Acórdão nº 6305/12.0TBMAI-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 08-04-2024
Data de Julgamento | 08 Abril 2024 |
Número Acordão | 6305/12.0TBMAI-B.P1 |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Relatora: Ana Olívia Loureiro
Primeira adjunta: Eugénia Cunha
Segundo adjunto: Manuel Fernandes
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório:
1. Por apenso a ação executiva intentada contra AA e após penhora de bem comum, veio BB requerer contra o executado, de quem se encontra divorciada, inventário para partilha dos bens comuns,
2. O executado foi nomeado cabeça de casal por despacho de 18-04-2023, ali se tendo ordenado a sua citação, nomeadamente e no que aqui releva, para apresentar a relação de bens “nos termos da alínea c), do nº 3, do artigo 1097º e do artigo 1098º”;
3. O cabeça de casal requereu a sua escusa do cargo por requerimento de 24-05-2023, o que lhe foi indeferido por despacho de 28-06-2023.
4. A 19-09-2023 veio o cabeça de casal juntar aos autos a relação dos bens partilhar tendo a mesma sido notificada à requerente do inventário por via de notificação entre mandatários
5. A 23-10-2023 a interessada e requerente do inventário BB apresentou requerimento de reclamação à relação de bens tendo a sua mandatária notificado a mandatária do cabeça de casal nos termos do previsto no artigo 221º do Código de Processo Civil.
6. A 06-12-2023 foi proferida decisão que julgou procedente a reclamação à relação de bens, decisão que foi notificada às partes em 07-12-2023, após o que, por despacho de 15-01-2024, foi ordenada a notificação das partes para proporem a forma à partilha.
II - O recurso:
É da decisão de 06-12-2023 que recorre o cabeça de casal, pretendendo a sua revogação.
Para tanto, alega o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões do recurso a que deu entrada em 23-01-2024:
“1ª Reduz-se o presente recurso à discussão de duas questões centrais:
a) Se a notificação da reclamação contra a relação de bens tem de ser efetuada oficiosamente pela secretaria, independentemente de os interessados terem ou não constituído advogado, não o podendo ser pela mandatária da interessada reclamante à mandatária do cabeça de casal;
b) Se a falta de resposta do cabeça de casal à reclamação apresentada contra a relação de bens não tem efeito cominatório (admissão dos factos alegados na reclamação). Reduz-se o presente recurso à discussão de duas questões centrais: a de saber se da prova produzida resulta provada a existência de danos patrimoniais mensais suportados pela Autora e se houve erro na apreciação da prova produzida e na aplicação do direito.
2ª Salvo o devido respeito por mais douto entendimento, o Tribunal a quo não andou bem na sua interpretação quanto ao artigo 1105º do C.P.C., quando considerou notificada a mandatária do cabeça de casal da reclamação à relação de bens com a notificação eletrónica que lhe foi dirigida pela ilustre mandatária da requerente nos termos do artigo 221º do C.P.C.
3ª Na verdade, da leitura e análise do artigo 1105º do C.P.C. depreende-se que os interessados têm de ser notificados da oposição/impugnação/reclamação que tenha sido deduzida, devendo tal notificação ser levada a cabo pela secretaria de forma oficiosa.
4ª Até porque, a resposta à reclamação deve ocorrer sob a cominação, conteúdo e advertências previstas no artigo 1105º, n.º 1 e 2 do C.P.C, efeito que só resulta da dita notificação oficiosa ou em cumprimento de despachos judiciais e não são prerrogativas das partes e, portanto, não consta das notificações realizadas entre mandatários.
5ª Além disso, se o espírito do legislador fosse nesta situação em concreto de aplicar o artigo 221º do C.P.C., jamais o legislador escreveria e, portanto, resultaria da própria letra da lei “são notificados os interessados”, pois bastava-se com a indicação do direito de resposta, à semelhança do que fez o legislador em tantas outras normais processuais.
6ª Acresce ainda que, o artigo 220º, n.º 2 do C.P.C. dispõe sob a epígrafe “Notificações Oficiosas: “cumpre ainda à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude da disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas, ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz nem prévia citação”, pelo que, a secretaria, em face da reclamação apresentada, tinha e tem de oficiosamente notificar a mandatária do cabeça de casal nos termos e para os efeitos dos artigos 1105º C.P.C., o que não fez, omitindo, assim, um ato previsto na lei.
7ª Acresce ainda que, as notificações entre mandatários estão previstas no processo declarativo comum para os atos que se pratiquem posteriormente à notificação da contestação (Cfr. artigo 221º, nº 1 do C.P.C.), o que não é o caso nos presentes autos. E mesmo que assim se entendesse, o que não se concede, sempre se diga que, a resposta à reclamação de bens equivale a uma contestação.
Vejamos:
8ª A reclamação à relação de bens, como incidente que é, corresponderia a uma petição inicial e a resposta a esta reclamação a uma contestação, pelo que o artigo 221º, do CPC, só a partir daqui é que teria aplicação e, portanto, mesmo que a mandatária da requerente tenha notificado a mandatária do cabeça de casal da reclamação à relação de bens, sempre a secretaria teria de proceder à notificação dessa reclamação à mandatária do cabeça de casal, já que notificação realizada nos termos do artigo 221º, do CPC era inócua, o que também não sucedeu in casu.
9ª Ora, a omissão da secretaria de um ato que está previsto na lei – artigo 1105º C.P.C.- violou o princípio da certeza e segurança jurídica e ainda o princípio de igualdade de armas previsto no artigo 4º do C.P.C., sendo que é jurisprudência unânime dos tribunais de primeira instância que a notificação aqui em causa no presente recurso seja levada a cabo pela secretaria.
10ª O douto despacho viola, ao absorver a omissão de um ato legalmente devido, o disposto nos artigos 1105º, nº 1 e 220º, n.º 2 do C.P.C., e constitui excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º, nº 1, al. d), in fine, do C.P.C. que desde já se invoca.
11ª Na verdade, quer se entenda como uma omissão, quer se entenda que lhe incumbe receber primeiramente a reclamação contra a relação de bens, ao decidir considerar-se notificada a mandatária do cabeça de casal nos termos do artigo 221º e 255º, do CPC, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, aplicando erradamente o direito, designadamente o trâmite legal.
12ª Assim, e face ao supra exposto, deve ser revogado e, portanto, anular-se o douto despacho ora posto em crise, e ser ordenada a notificação da mandatária do cabeça de casal nos termos do artigo 1105º do C.P.C., ato este a realizar pela secretaria.
13ª O tribunal a quo considerou ainda confessados/admitidos os factos constantes da reclamação à relação de bens, por apenas faltar resposta à reclamação por parte do cabeça de casal.
14ª Ora, como já supra se deixou exposto, a resposta à reclamação deve ocorrer sob cominação, conteúdo e advertências previstas no artigo 1105º, nº 1 e n.º 2, do C.P.C.: efeito que só resulta da notificação oficiosa (entenda-se da secretaria) ou em cumprimento de despachos judiciais e não são prerrogativas das partes, o que não sucedeu in casu.
15ª Pelo que não tendo a notificação cumprido as formalidades legais, jamais a não resposta à reclamação da relação de bens pode ter o efeito cominatório da confissão.
16ª Acresce ainda que, nos termos do artigo 1105º, n.º 3 do C.P.C. “a questão só é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados e determinadas pelo juiz, sem prejuízo do disposto nos artigos 1092º e 1093º.”
17ª Assim o Tribunal perante a relação de bens apresentada e a reclamação à mesma tem de realizar as diligências probatórias conforme prevê o artigo 1105º nº 3 do C.P.C., o que também não sucedeu in casu.
18ª Ou seja, a reclamação contra a relação de bens tem natureza impugnatória, pelo que nunca poderiam ser considerados assentes aquela matéria sem a necessária produção de prova.
19ª Ao não assim considerar incorreu-se no douto despacho em erro de julgamento que desde já se reclama.
20ª Pelo que deve ser revogado o douto despacho e substituindo-o por um que ordene a produção de prova que foi requerida na reclamação à relação de bens e não dê como provados/admitidos/assente a matéria/factos constantes da referida reclamação”.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
III – Questões a resolver:
Em face das conclusões do Recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver:
1- Apurar se a falta de resposta à reclamação à relação de bens tem efeito cominatório e, nesse caso, qual; em caso afirmativo,
2- Aferir se constitui nulidade processual a falta de notificação pela secretaria ao cabeça de casal da reclamação à relação de bens e, em caso afirmativo, se tal nulidade foi tempestivamente arguida.
IV – Fundamentação:
Os factos relevantes para a decisão são os que se encontram sumariados no relatório e resultam do histórico do processo.
Impõe-se uma breve análise da tramitação do processo especial de inventário no que tange ao incidente de reclamação à relação de bens que nele pode ter lugar. Teremos, então, que atentar nas normas que regulam o processo especial de inventário e nas normas do processo comum que supletivamente se lhe aplicam.
São as seguintes a normas legais, todas do Código de Processo Civil, que importa convocar com vista à apreciação da primeira questão enunciada:
Artigo 549º: “Os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum.”.
Artigo 574º: “1- Ao contestar, deve o réu tomar posição definida...
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