Acórdão nº 63/13.9TBMDR.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 19-10-2021
Data de Julgamento | 19 Outubro 2021 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 63/13.9TBMDR.G2.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]:
I. Relatório
No processo especial de inventário por óbito de AA e de sua esposa BB, falecidos, respectivamente, em …/1/1989 e …/8/2012, requerido em 28/5/2013, em que exerce o cargo de cabeça de casal o seu filho CC, prestadas declarações de cabeça de casal e apresentada, por este, a relação de bens, reclamou dela o outro interessado DD, pedindo a exclusão das verbas n.ºs 4, 17, 18, 19, 20 e 26, por os bens nelas identificados terem sido alienados pelos inventariados, bem como parte do dinheiro por ter sido gasto com o funeral e pagamento de despesas da responsabilidade da herança, encontrando-se o restante depositado em bancos e confessando a existência de um fio de ouro e de um par de brincos e pretendendo que fosse relacionado o passivo que indica sob as verbas n.ºs 38 a 41.
Ouvido o cabeça-de-casal e produzida a prova oferecida, foi proferido despacho, em 26/8/2015, onde se decidiu julgar parcialmente procedente a reclamação e consequentemente:
«a) Manter relacionadas as verbas n.ºs 17, 18, 19, 20 e 26 nos termos em que as mesmas se encontram;
b) Determinar que se exclua da relação de bens a verba n.º 4;
c) Determinar que, dentro da rubrica «Dinheiro» a criar, se aditem:
- a verba n.º 1 com a redação “Depósito na Conta da … no montante de € 2.885,03”;
- a verba n.º 2 com a redação “Depósito na Conta do Banco … no montante de € 54,01”;
- a verba n.º 3 com a redação “Depósito na Conta da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ......, C.R.L., no montante de € 550,26”;
d) Determinar que, dentro da rubrica «objetos de ouro» a criar, se aditem:
- a verba n.º 1 com a redação “um pequeno fio de ouro no valor de € 30,00”;
- a verba n.º 2 com a redação “um par de brincos em ouro no valor de € 300,00”;
f) Determinar que, dentro da rubrica «passivo» a criar, se adite a verba única com a redação “obras de acabamento e melhoramento do prédio relacionado sob a verba n.º 2 realizadas pelo Interessado DD no período compreendido entre 1982 e 1988 e por ele custeadas no valor atualizado de € 8.721,39”».
Interposto recurso desse despacho pelo cabeça-de-casal, não foi o mesmo admitido, dada a falta de pagamento da respectiva taxa de justiça, por despacho de 17/2/2016, superiormente confirmado, na respectiva reclamação, por decisão de 17/10/2016 e acórdão de 2/2/2017 do Tribunal da Relação de .......
Na conferência de interessados, realizada no dia 10/10/2018, em que estiveram presentes ambos os interessados, sendo o DD acompanhado do seu mandatário, procederam à rectificação da verba relacionada sob o n.º 2, ao aditamento da verba n.º 36, à correcção da verba n.º 1 da rubrica «dinheiro», à aprovação do passivo relacionado e à forma do seu pagamento ao credor DD, bem como acordaram na adjudicação do ouro ao mesmo interessado. E, na falta de acordo acerca da partilha dos restantes bens, procederam à sua licitação, nos termos que constam da respectiva acta.
Foi proferido despacho determinativo da partilha, depois rectificado, a requerimento do interessado DD, por despacho de 26/10/2019, onde se decidiu:
«…. Nesta conformidade, deve proceder-se à partilha pela seguinte forma:
Somam-se os valores dos bens inventariados descritos na relação de bens de fls. 126-134, com as alterações decorrentes da decisão de 26.08.2015, transitada em julgado, em conformidade com o que foi acordado na conferência de interessados quanto ao prédio urbano relacionado sob a verba n.º 2 e quanto à verba n.º 36 e com o aumento proveniente das licitações, e, uma vez deduzido/subtraído o valor do passivo (a ser pago ao credor/interessado DD), o remanescente divide-se em partes iguais, por tantos serem os filhos dos inventariados, cabendo uma ao seu filho CC e outra ao seu filho DD (cfr. artigos 2132.º, 2133.º, n.º 1, alínea a), 2139.º, n.º 1, todos do Código Civil)”.
***
No preenchimento dos quinhões atender-se-á ao que foi acordado e licitado na conferência de interessados de 10.10.2018, como se fez consignar no despacho de fls. 766 e ss. dos autos.
…»
Foi elaborado mapa informativo com a alegação de que, face ao modo como se ordenou o preenchimento dos quinhões, o herdeiro CC receberá bens de valor superior à respectiva quota, tornando-se devedor de tornas ao outro herdeiro (o DD) no valor de 75.981,04 €.
Reclamado o pagamento das tornas pelo credor, não foram depositadas pelo devedor e, uma vez notificado, veio aquele pedir que, pelo valor constante da informação prevista no art.º 1376.º do CPC, lhe sejam adjudicadas as seguintes verbas destinadas ao devedor de tornas CC: 1, 9, 25, 28 e 36; necessárias ao preenchimento da sua quota, tendo procedido, para tanto e de imediato, ao depósito da importância de 18,96 € (dezoito euros e noventa e seis cêntimos), correspondente ao valor que por força da adjudicação tem de pagar a título de tornas ao interessado/cabeça-de-casal CC, o que foi deferido nos termos do n.º 2 do art.º 1378.º do mesmo Código.
Organizado o mapa da partilha em harmonia com o despacho determinativo da mesma e o preenchimento dos quinhões e posto em reclamação, o cabeça-de-casal apresentou “reclamação”, alegando que “aguarda pela sentença homologatória da partilha para retomar o diferendo constante do recurso de Apelação interposto em 09-09-2015, a fls.., devidamente alegado e concluído. A verificar-se omissão de bens, tal determina a nulidade das licitações”, reiterando que “no entendimento do cabeça de casal deve manter-se a verba N.º 4, a qual não podia ser excluída”, “tal como devem manter-se relacionadas as verbas N.º 17, 18, 19, 20 e 26” e que “deve revogar-se a decisão que determinou, com erro, a exclusão da verba N.º 4 por não ter sido adquirida por um terceiro, porquanto pertence inequivocamente à herança deixada por BB” porque “tal verba N.º 4 integra a herança e não pode ser excluída da relação de bens, nem às licitações e, tendo sido excluída, é manifesto que determina a nulidade das licitações, nos termos que irão ser na oportunidade alegados nas respetivas conclusões”, concluindo que “outras questões serão também suscitadas, no recurso que irá ser interposto/alegado e concluído”.
Por despacho de 8/9/2020, foi indeferida tal “reclamação”, por não se fundar em caso previsto no art.º 1379.º, n.º 2, do CPC, porquanto o cabeça-de-casal «não deduz qualquer reclamação nos termos legalmente previstos, limitando-se a reafirmar a sua intenção de interpor recurso da sentença homologatória da partilha que vier a ser proferida – diz mesmo que está a aguardar pela mesma para esse efeito – e a expor os fundamentos para tal, “para retomar o diferendo constante do recurso de apelação interposto em 09-09-2015”».
Seguiu-se sentença homologatória da partilha “constante do mapa com a ref.ª ……56 de 23.03.2020, o qual se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, adjudicando a cada um dos herdeiros os quinhões que aí lhe foram atribuídos”.
Inconformado, o cabeça-de-casal apresentou recurso de apelação da sentença homologatória da partilha e do despacho interlocutório de 26/8/2015, proferido no incidente de reclamação de bens, insurgindo-se contra a exclusão da verba n.º 4 e o relacionamento do passivo.
Apenas foi admitido o recurso da sentença homologatória da partilha, mas não o recurso do despacho interlocutório de 26/8/2015, por se entender que havia transitado em julgado, por despacho de 26/11/2020.
O recorrente não reagiu contra este despacho.
O Tribunal da Relação ...... conheceu do recurso admitido e, por acórdão de 22/4/2021, os Ex.mos Juízes Desembargadores que integram o respectivo colectivo deliberaram julgar o mesmo improcedente e “confirmar a sentença homologatória da partilha”.
Ainda não conformado, o cabeça-de-casal interpôs recurso de revista normal e, subsidiariamente, excepcional, e apresentou a correspondente alegação que terminou com as seguintes conclusões:
“PRIMEIRA
Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça porque independentemente da possível situação de dupla conformidade, a fundamentação expressa nas 1ª e 2ª Instâncias é essencialmente diferente, sendo assim admissível a revista normal, a título principal – artigo 671.º, n.º 3 do NCPC/13.
SEGUNDA
Mas, também é admissível, a título subsidiário a revista excepcional em virtude de estar em causa uma questão de usurpação de propriedade - a Verba n.º 4 - por usucapião fraudulenta, bem como o regime do recurso aplicável do processo de inventário, cujas apreciações pela sua relevância jurídica são necessariamente pertinentes para uma melhor aplicação do direito; para além de estarem em causa interesses de particular relevância social – alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do NCPC/13.
TERCEIRA
O Acórdão recorrido na análise que faz nas páginas 27 a 33 da normação do CPC/61 não atendeu à norma revogatória do artigo 4.º do Diploma Preambular – Lei 41/2013, de 26 de Junho, nem à imediata aplicação do NCPC/13 determinada pelo seu artigo 5º.
QUARTA
O Acórdão recorrido não se pronunciou sobre as 11 Conclusões do recurso, transcritas nas páginas 24 e 25 desse Aresto, motivo por que deixou de se pronunciar sobre as questões que devia apreciar, nomeadamente a questão do relacionamento da Verba n.º 4, cujo tema está contido nas 3.ª e 4.ª Conclusões, preterindo também as demais conclusões, o que constitui causa de nulidade do Acórdão recorrido, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do NCPC/13, pelo que aqui e agora se requer que o mesmo seja declarado nulo.
QUINTA
E porque as páginas 27 a 33 do Acórdão recorrido comportam um texto ambíguo, obscuro e ininteligível eivado de manifesta imprecisão e indefinição, tal desvalor gera também a nulidade do Acórdão, de harmonia com a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do NCPC/13.
SEXTA
No 1.º recurso interposto as questões nucleares não transitavam em julgado pois o caso julgado apenas atingiu a questão adjectiva, da taxa...
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