Acórdão nº 628/09.3PTPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 27-10-2010

Judgment Date27 October 2010
Acordao Number628/09.3PTPRT.P1
Year2010
CourtCourt of Appeal of Porto (Portugal)
1ª secção criminal
Proc. nº 628/09.3PTPRT.P1
________________________

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:


I – RELATÓRIO:

No processo comum (tribunal singular) n.º 628/09.3PTPRT.P1, do 2º Juízo da 1ª secção, o Magistrado do Ministério Público deduziu acusação contra o arguido B…….., pela prática como autor material de 1 (um) crime de desobediência p.p. pelo artº 348º, nº1, al.b) do Código Penal.
Remetidos os autos para julgamento aos juízos criminais do Porto, pela Srª Juiz a quo foi proferido o seguinte despacho: ( transcrição)
(…)IV) O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido B…….., imputando-lhe a prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348º, nº 1, al. b), do Código Penal.
Dispõe o art. 311º, nº 2, al. a), do Código de Processo Penal que se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada.
A acusação é manifestamente infundada quando, além do mais, os factos não constituírem crime (cfr. al. d) do nº 3 do preceito legal supra citado).
Ora, no caso, a acusação pública deduzida contra o arguido é manifestamente infundada porquanto, em nosso entender, os factos nela descritos não constituem crime.
Senão vejamos:
O Ministério Público acusa o arguido de, no dia 9/Novembro/2008, em desobediência à ordem que lhe foi dada pela autoridade policial competente, ter conduzido um veículo que lhe havia sido anteriormente (em 21/Setembro/2007) apreendido, por falta de seguro de responsabilidade civil obrigatório, sendo que, aquando da referida apreensão, o arguido foi constituído fiel depositário do veículo em causa e advertido de que não o podia utilizar, sob pena de incorrer no crime de desobediência.
Dispõe o art. 348º do Código Penal que:
“1. Quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados ou emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias se:
a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou
b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.
2. A pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada.”
Como bem refere a Dr.ª Cristina Monteiro in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo III, pg. 351, “Faltar à obediência devida não constitui, porém, por si só, facto criminalmente ilícito. A dignidade penal da conduta exige, para além do que fica dito (comunicação regular), que o dever de obediência que se incumpriu tenha uma de duas fontes: ou uma disposição legal que comine, no caso, a sua punição; ou, na ausência desta, a correspondente cominação feita pela autoridade ou pelo funcionário competentes para ditar a ordem ou o mandado”.
Não existindo nenhuma disposição legal que comine a punição da indiciada conduta do arguido com o crime de desobediência (simples ou qualificada), pois caso contrário o Ministério Público tê-la-ia referido na acusação que deduziu, temos de concluir que a fonte da desobediência não está prevista na lei, o que afasta, desde logo, a aplicação da alínea a) do nº 1 e do nº 2 do art. 348º do Código Penal.
Importa, por isso, averiguar se tal conduta é subsumível à alínea b) do n.º 1 do art. 348º do Código Penal.
Esta alínea b) existe para os casos em que nenhuma norma jurídica, seja qual for a sua natureza, prevê um determinado comportamento desobediente, caindo no âmbito da mesma, conforme nota Cristina Líbano Monteiro (ob. cit. pág. 354), desobediências não tipificadas, não previstas em qualquer ramo do direito sancionatório, que ficam dependentes, para a sua relevância penal, de uma simples “cominação funcional”.
Ora, «não podendo fugir à letra da lei, será tarefa dos tribunais ajuizar, caso a caso, se o princípio da insignificância ancorado no carácter fragmentário e de ultima ratio da intervenção penal, não levará com frequência a negar dignidade penal a algumas condutas arguidas de desobediência (do art. 348º) porventura pelo excesso de zelo de um dedicado servidor da administração pública. Aquilo que nem sequer foi considerado merecedor de tutela por parte de uma ordem sancionatória não penal, dificilmente (por maioria de razão) será merecedor de tutela penal. Como excepção, restarão porventura desobediências em matérias que, pelo seu recente aparecimento ou aquisição de importância aos olhos da comunidade jurídica, não foram ainda objecto de oportuna intervenção legiferante (sublinhado nosso)» (Cristina Líbano Monteiro, cit. 354).
No caso, apesar de não se discutir a legalidade da ordem e a legitimidade da autoridade que a proferiu (pois a falta de seguro constitui contra-ordenação, devendo o veículo ser apreendido pelas autoridades de fiscalização ou seus agentes quando transite naquelas condições – cfr. art. 162º, nº 1, al. f), do Código da Estrada, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 44/2005, de 23/02), bem como a regularidade da comunicação, o certo é que, existindo ilícito próprio no qual se subsume a conduta do agente que não respeite a proibição de conduzir um veículo apreendido por falta de seguro obrigatório (cf. art. 161º, nº 7, do Código da Estrada),considera-se que a autoridade policial não podia cominar como crime de desobediência o desrespeito pela ordem dada.
Face à clarividência da respectiva argumentação, com a qual concordamos na íntegra, atrevemo-nos a transcrever aqui as conclusões do recurso interposto pelo Ministério Público da sentença proferida em 30.03.2007, pelo 4º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, que condenou o arguido pela prática de um crime de desobediência simples, previsto e punido pelo art. 348º, nº 1, al. b), do Código Penal, por factos semelhantes aos destes autos, retiradas do Ac. da Relação de Lisboa, de 05.12.2007, votado por unanimidade, proferido no processo nº
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