Acórdão nº 628/09.3BELLE de Tribunal Central Administrativo Sul, 14-05-2020

Data de Julgamento14 Maio 2020
Número Acordão628/09.3BELLE
Ano2020
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

C... (Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a acção administrativa comum instaurada contra a Rede Rodoviária Nacional – REFER, E.P.E., actualmente, na sequência do Decreto-Lei nº 91/2015, de 29 de Maio, Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP, S.A.), absolvendo a Recorrida do pedido no qual a aqui Recorrente pedia a sua condenação por motivo de responsabilidade civil associada a danos patrimoniais e não patrimoniais em consequência de um acidente por si sofrido por existência de um buraco no pavimento da plataforma da estação ferroviária de Loulé/Quarteira.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

I. A apreciação que foi feita pelo tribunal "a quo" quer dos depoimentos prestados em audiência quer da documentação junta aos autos pelo tribunal "a quo" relativamente à (i)lícitude e à culpa da Recorrida foi incorrecta. Cfr. Artigo 640°, nº l e nº2 , alínea a) do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 140° do C.P.T.A.).

II. Assim, deveria, o tribunal "a quo" ter considerado como provado que, "No dia 29 de Setembro de 2004, a Autora embarcou no comboio Alfa, com destino a Lisboa, cerca das 7 horas, havia pouca luz e o piso da plataforma de embarque e desembarque encontrava-se molhado e com parte da calçada arrancada".

III. Tal alteração da decisão sobre a matéria de facto, por motivo de erro da apreciação da prova testemunhal e documental produzida, fundamenta-se na ponderação e avaliação conjunta e conjugada do seguinte:

III. i) Não é razoável, nem expectável considerar que a Recorrente propositadamente se descuidou ao ponto de se deixar fazer tropeçar num buraco (Cfr. Pág. 20, último parágrafo da sentença recorrida).

III. ii) Os depoimentos das testemunhas W... e J..., presenciais e com depoimento direto (iam todos juntos outorgar uma escritura em Lisboa), contrariam a versão simplista que foi preconizada na parte final da pág. 17 da sentença recorrida, porquanto o 1º (W…) na audiência de discussão e julgamento de 15 de Abril de 2013, a instâncias do mandatário da Recorrente à pergunta "E o chão o que é que tinha?", respondeu "O chão estava molhado com buracos e a calçada arrancada"(o destaque é nosso) , tendo confirmado a conformidade das fotos que constam da alínea A) dos factos dados por provados e que constituem o documento nº 1 da petição inicial) Sr W...: "Sim era aquele o local", à semelhança da testemunha J... que, na mesma audiência especificou "No dia fomos fazer uma escritura na Estação de Loulé fomos apanhar o comboio às 7 da manhã e havia pouca luz no local íamos andando assim a minha mulher mete o pé esquerdo num buraco e eu joguei-lhe a mão ao braço se não batia no comboio" (o destaque é nosso).

III. iii) Além disso, os factos ocorreram em finais de Setembro em que às 7 da manhã ainda é praticamente de noite, pelo que considera-se que o tribunal "a quo" violou os princípios da experiência comum e o artigo 607º, nº 5 ab initio do C.P.C. (aplicável ex vi artigo 42º, nº 1 do C.P.T.A.), por não ter incluído na matéria de facto provada a descrição do contexto de pouca luz e o chão molhado e esburacado no qual a queda se deu, culpando a lesada por esta queda e isentando por completo a Recorrida que, no mínimo, teria que ter sinalizado o local e, como iremos ver, não o fez.

IV. Deveria o tribunal "a quo" ter considerado como provado , na alínea D) dos factos assentes (Cfr. Página 5 da sentença recorrida) o seguinte:

"Pelo oficio de 2005.02.03, a Ré comunicou à Autora, designadamente o seguinte "que a nossa Empresa tenciona proceder à renovação do pavimento das referidas plataformas, a curto prazo " e "mais se informa que a zona mais degradada, e que terá estado na origem da vossa reclamação já foi reparada", terminando tal oficio "lamentando o transtorno causado"(Cfr. Doc.nº4 da petição inicial)"uma vez que se tratam de partes de um texto emitido pelos próprios serviços da Recorrida, "o diretor de Gestão de contratos comerciais, V...", com manifesta relevância para o apuramento da sua responsabilidade (Cfr. "a zona mais degradada e que terá estado na origem da vossa reclamação já foi reparada") .

V. Ao contrário do referido nas páginas 19 e 20 da sentença recorrida, deveria ter sido dado por provado que "Logo após a queda e durante o dia em que a mesma ocorreu, a Autora sofreu dores e teve de colocar gelo".

VI. Tal alteração da decisão sobre a matéria de facto, por motivo de erro da apreciação da prova testemunhal e documental produzida, fundamenta-se na ponderação e avaliação conjunta e conjugada do seguinte:

VI.i) O tribunal não levou em conta o teor do relatório pericial que está reproduzido na alínea U) dos factos dados por assentes (Cfr. Página 11 da sentença recorrida), da autoria do Sr Dr. H..., especialista em Ortopedia do Instituto de Medicina Legal de Faro, no qual este refere o expressamente o seguinte "Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o acidente e a fractura da base do 5° metatársico. Existiu causalidade traumática suficiente. Existiu também causalidade clínica suficiente para a doente manifestar como sequelas tendinite dos peroneais ".

VI.ii) Nem todas as lesões ósseas e/ou musculares produzem de igual modo a mesma necessidade imediata de intervenção hospitalar ou até cirúrgica ou manifestam os seus efeitos de modo instantâneo (cfr. Facto notório, nos termos do disposto no artigo 5º, nº 2, alínea c) e 412º, nº l do C.P.C. (aplicável ex vi artigo 42º, nº 1 do C.P.T.A.).

VI.iii) O tribunal não ponderou sequer os depoimentos do Sr W... e J... que, na audiência de discussão e julgamento de 15 de Abril de 2013, no caso do 1º ("W..."), a instâncias do mandatário da Recorrente sobre como ficou a Recorrente após a queda, "A senhora começou logo a queixar-se" (o destaque é nosso)

A instâncias do mandatário da Recorrente: "E depois?" Ao que o Sr. W... respondeu: "Chegamos a Lisboa, apanhamos um táxi que a Sra já não podia andar, e fomos fazer a escritura."

A instâncias do mandatário da Recorrente: "Relativamente às dores como é que ela lidou com essas dores?" Ao que o Sr. W... respondeu: "Sempre a queixar-se torcia-se toda com dores"

A instâncias do mandatário da Recorrente: "Sabe se ela pôs alguma coisa no pé? ". Ao que o Sr. W... respondeu: "Sim quando íamos para lá gelo, mas não passava"

A instâncias do mandatário da Recorrente: "A viagem foi com um certo sofrimento?" Ao que o Sr. W...: "Sim a viagem a torcer-se toda fomos almoçar ela nem comeu nada cheia de dores via-se mesmo que ela tinha muitas dores".

A testemunha J..., na mesma audiência, questionado pelo mandatário da Recorrente sobre o que sucedeu após a queda, respondeu "Continuaram a viagem e pediu gelo" e ainda a nova pergunta do mesmo mandatário "Tinha dor? inchaço?..,, ao que respondeu "Dor sim, inchaço não muito. Quando chegámos fomos de táxi fazer a escritura, voltaram para a Gare do oriente para comer qualquer coisa e voltou a pedir gelo ".

VII) Deveria, por fim, o tribunal "a quo" ter considerado como provado que, "O buraco na calçada do pavimento da estação de Loulé/Quarteira que foi objecto da reclamação referida na alínea B) dos factos dados por provados não se encontrava devidamente sinalizado pela Ré" .

VIII) Tal alteração da decisão sobre a matéria de facto, por motivo de erro da apreciação da prova testemunhal e documental produzida, fundamenta-se na ponderação e avaliação conjunta e conjugada do seguinte:

VIII.i) Inexisténcia de sinalização nas fotos referidas na alínea A) dos factos dados por provados e doc. nº l da p.i., tendo as testemunhas W... e J… as reconhecido.

VIII.ii) Na carta da Recorrida junta como documento nº 4 da p.i. e aceite na alínea D) dos factos assentes da página 5 da sentença recorrida, (ainda que de modo incompleto como já vimos na alínea IV das presentes conclusões), "o diretor de Gestão de contratos comerciais, V..." nada referiu sobre a existência de sinalização, o que, a ter ocorrida, seria necessariamente uma boa forma de responder à utente reclamante.

VIII. iii) O tribunal "a quo" não levou em consideração a contradição do depoimento das testemunhas da Recorrida D... e J... com o teor do doe. nº 4 da p.i. e a alínea D) dos factos provados (Cfr. Pág. 5 da sentença recorrida), onde os primeiros ou não sabiam ou, no caso da testemunha D... diz, naquela estação, "buracos penso que não", o que só por si, esvazia por completo a credibilidade de todo o seu depoimento.

VIII. iv) Porém, o depoimento da testemunha D... ao afirmar que o acidente ocorreu (como é que ele sabe isso se não esteve no local?) tinha ocorrido numa fase ainda não remodelada e que só o foi depois, o que coincide (aqui sim) com o teor do doe. nº 4 da p.i. e a alínea D) dos factos provados (Cfr. Pág. 5 da sentença recorrida).

Com efeito, na audiência de discussão e julgamento de 15 de Abril de 2013, a instâncias da mandatária da Recorrida: "Teve conhecimento do acidente?" ao que o Sr D... respondeu "Foi-me perguntado mais tarde se eu tinha tido conhecimento, não, não tive conhecimento".

A instâncias da mandatária da Recorrida sobre o assunto, respondeu o Sr D... "(...) houve remodelações nos anos de 2003/2004. Houve obras que acabaram e outras que estavam numa outra fase, mas buracos penso que não. O acidente foi numa parte que não tinha sido remodelada, foi depois do acidente."

VIII. v) Por sua vez, a instâncias do mandatário da Recorrente, confrontado com as fotos juntas como doc. nº 1 da p.i. e mencionadas na alínea

A) dos factos dados por assentes (onde não consta qualquer sinalização), onde se perguntou como qualifica essas fotos e se o pavimento está calcetado, o Sr J... respondeu "Normalmente o piso está sempre...

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