Acórdão nº 625/19.0GBMFR-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 07-08-2020

Judgment Date07 August 2020
Case OutcomeINDEFERIDO
Procedure TypeHABEAS CORPUS
Acordao Number625/19.0GBMFR-A.S1
CourtSupremo Tribunal de Justiça

I. – RELATÓRIO.

AA e BB, requerem providência de habeas corpus – cfr. artigos 31º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 222º e 223º do Código de Processo Penal – por se encontrarem (sic) “a aguardar julgamento em prisão preventiva, sem prejuízo de, caso se mostrem verificados os respetivos pressupostos, a prisão preventiva vir a ser substituída pela obrigação de permanência na habitação com recurso à vigilância electrónica, por decisão proferida nestes mesmos autos”, com os fundamentos alinhados no petitório inicial que se deixam transcritos, na íntegra (sic):

1º - No passado dia 24 de julho, os arguidos (ora requerentes) foram apresentados ao Juiz de Instrução Criminal de …, para primeiro interrogatório judicial. Indiciados pela prática de um crime de roubo qualificado, p.p. pelos artigos 210º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao artigo 204º, n.º 2 al. f) do Código Penal.

2º - Os arguidos colaboraram em todas as solicitações requeridas pelo órgão polícia criminal - PJ, tendo-se deslocado pelo seu próprio pé para interrogatório não judicial, confessaram, são primários, nunca tinham estado numa situação idêntica e são menores de vinte e um anos.

3º - O arguido AA está inserido social, económica e familiarmente, tem o apoio da família e encontra-se a trabalhar.

4º - O arguido BB está inserido social, económica e familiarmente, tem o apoio da família, encontra-se a estudar e é atleta de … .

5º - Nesse interrogatório judicial, a Douta Promoção do Magistrado do Ministério Público foi no sentido de todos os arguidos ficarem sujeitos à obrigação de apresentação periódica cumulada com a proibição de contacto entre arguidos, nos termos do artigo 198º e 200º, n.º 2, al. d) do Cód. Proc. Penal.

6º - Pois, o Digno Magistrado do Ministério Público, como é possível verificar na Douta Promoção, não considera haver neste processo os requisitos necessários para a aplicação de prisão preventiva, ou seja, não existe “fuga ou perigo de fuga” nem “perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas”, artigo 204º, al. a) e c) do Cód. Proc. Penal.

7º - Ao Digno Juiz Instrução Criminal está vedado, nos termos do artigo 194º, n.º 2 do Código Processo Penal, aplicação “medida de coação diversa” da requerida pelo Ministério Público, salvo “com fundamento nas alíneas a) e c) do artigo 204º”.

8º - Também no entendimento da defesa dos arguidos supra identificados, os requisitos das alíneas a) e c) do artigo 204º não se encontra preenchidos no processo em apreço.

9º - Mas, aos arguidos foi decretada, por Despacho Judicial, prisão preventiva, sem prejuízo de, caso se mostrem verificados os respetivos pressupostos, a prisão preventiva vir a ser substituída pela obrigação de permanência na habitação com recurso à vigilância eletrónica. Encontrando-se os arguidos em prisão preventiva, que estão a cumprir desde 24 de julho, no Estabelecimento Prisional de … .

10º - A aplicação da prisão preventiva, no nosso ordenamento processual, está sujeita não só às condições gerais contidas nos artigos 191º a 195º C P Penal, em que avultam os princípios da adequação e da proporcionalidade, como dos requisitos gerais previstos no artigo 204°, como ainda dos específicos atinentes àquela concreta medida de coacção, artigo 202º.

Explicitando o princípio da legalidade ou da tipicidade das medidas de coacção, o artigo 191º, n.º 1 CPPenal, dispõe que a liberdade das pessoas só pode ser limitada, (total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei.

11º - A prisão preventiva tem natureza residual só podendo ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção, artigo 193°, n.º 2 C P Penal.

12º - A medida de coacção prisão preventiva, não pode ser aplicada se em concreto se não verificar fuga ou perigo de fuga; perigo de perturbação do decurso do inquérito e nomeadamente, perigo para aquisição, conservação ou veracidade da prova; perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa, artigo 204° alíneas a), b) e c) C P Penal.

13º - Não se verificam os requisitos gerais previstos no artigo 204° C P Penal.

14º - No que respeita ao perigo de fuga, o despacho não faz qualquer referência a tal preceito, não existindo quaisquer elementos, concretos, que permitam indiciar uma intenção ou preparação dos arguidos para fugir. Antes pelo contrário, os mesmos têm emprego fixo/ estudos e uma família devidamente estruturada.

15º - Da mesma forma, também não existem quaisquer elementos nos autos que permitam indiciar a continuação da actividade criminosa.

16º - Do Douto Despacho apenas refere como indicação da continuação da actividade criminosa: “ligeireza” e o grau de censurabilidade particularmente intenso (um “ajuste de contas”, para mais levado a cabo do modo como o foi!) com que os arguidos cometeram os factos apontam no sentido de existir perigo de continuação da atividade criminosa.”

17º - evidencia uma violação direta, patente, ostensiva e grosseira dos pressupostos e das condições de aplicação das medidas de coação de prisão preventiva; além de que foi decretada medida mais gravosa da promoção do Ministério Público sem se encontrarem preenchidos os requisitos legais que a legitimem.

(…) os Requerentes, AA e BB, encontram-se ilegalmente presos nos termos da al. b) do n.º 2 do artigo 222º do CPP, em clara violação do disposto nos artigos 279º e 289º, n.º 2 ambos da CRP e nos artigos 194º, n.º 2 e 217º, n.º 1 ambos do CPP.

(…) deve ser declarada ilegal a prisão dos requerentes e ordenar a sua imediata libertação, nos termos do artigo 31º, n.º 3 da CRP e dos artigos 222º e 223º, nº4, al. d) do CPP.”

O juiz de instrução deixou expressa a informação a que alude o artigo 223º, nº 1 do Código de Processo Penal


§I. a). – INFORMAÇÃO (ARTIGO 223º, Nº 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL)

AA e BB, atualmente em prisão preventiva, requereram a sua imediata libertação, alegando que a sua privação de liberdade ocorreu de forma ilegal, dando-se aqui por reproduzidos os fundamentos invocados no seu requerimento.

Encontram-se sujeitos à medida de coação de prisão preventiva desde o dia 24/07/2020, tendo a sua detenção sido validada por decisão judicial.

De acordo com o disposto no artigo 222º do Código de Processo Penal "a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus". A providência de Habeas Corpus é o meio processual adequado a uma reação expedita contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal.

A petição é dirigida em duplicado ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual o requerente se mantenha preso e deve fundamentar-se em ilegalidade da prisão por um dos seguintes motivos:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite;

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou decisão judicial.

Os arguidos encontram-se sujeitos à medida de coação de prisão preventiva, desde o dia 24/07/2020, com fundamento na existência de fortes indícios da prática de factos suscetíveis de consubstanciar a prática de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.°, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.° nº 2, al. f), do Código Penal.

Os arguidos foram detidos fora de flagrante delito na sequência de mandados de detenção emitidos pela Autoridade de Polícia Criminal, com respeito pelas formalidades-previstas nos arts. 257.° e 258.° do CPP.

A privação da liberdade decorrente da aplicação aos arguidos da medida de coação de prisão preventiva é permitida ao abrigo do disposto nos artigos 28.° da CPP e 1.°, al. j), 191.°, 192.°, 193,° 202.°, nº 1, als. a) e b), e 204.°, al. c), todos do CPP.

Foram respeitados os prazos legais de apresentação perante o JIC - artigo 254.° nº 1, al. a) do CPP e atenta a moldura penal que corresponde aos crimes pelos quais o arguido se encontra indiciado, facilmente se constatará que é admissível a imposição de medida de coação de prisão preventiva (artigo 202.° nº 1, als. a) e b) do CPP) que foi decretada por quem para tal é competente e cujo prazo máximo não se mostra excedido, razão pela qual o requerimento de Habeas Corpus carece de qualquer fundamento.

Pelas razões expostas entendo ser de manter a medida de coação de prisão preventiva a que os arguidos se encontram sujeitos, nos seus exatos termos e, por isso mesmo, não se ordena, nesta instância a imediata libertação dos arguidos, sem prejuízo, naturalmente, de superior decisão, em melhor critério do Exmo. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, para onde os autos, em cumprimento do disposto no artigo 223.° do CPP, serão, de imediato, remetidos.”


§I. b). – QUESTÃO A MERECER APRECIAÇÃO.

A solipsa questão que vem abordada na pretensão dos requerentes atina com a alegada situação de ilegalidade de decretamento da medida de coacção de prisão preventiva e correlato e sequente estado de ilegalidade (actual) de privação de liberdade em que os arguidos se encontram.


§II. – FUNDAMENTAÇÃO.

§II. a). – ELEMENTOS PERTINENTES PARA A SOLUÇÃO.

Após descrição factual concretada pelo magistrado que presidiu ao primeiro interrogatório de arguidos detidos (por ordem judicial, porque fora de flagrante delito), foi ditado o sequente veredicto (sic):

Assim, os autos indiciam fortemente a prática, pelos arguidos, em coautoria e na forma consumada, de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo...

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