Acórdão nº 625/18.8T8AGH.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 11-02-2021
Judgment Date | 11 February 2021 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Procedure Type | REVISTA |
Acordao Number | 625/18.8T8AGH.L1.S1 |
Court | Supremo Tribunal de Justiça |
I - AA e BB instauraram contra Caravela – Comp. de Seguros, SA, ação declarativa comum, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 216.000,82, acrescida de juros legais, a título de indemnização por danos patrimoniais e danos não patrimoniais.
Alegaram que, no dia …-7-13, a sua filha CC foi atropelada mortalmente pelo veículo automóvel segurado na R., conduzido por DD. O acidente deu-se por culpa exclusiva da condutora.
As vidas dos AA. estão marcadas para sempre com o grande sofrimento causado pela morte da sua única filha de 7 anos de idade.
Pretendem que se arbitre a indemnização de € 130.000,00 pelo direito à vida da vítima e € 5.000,00 pelos danos que sofreu antes de morrer, € 35.000,00 pelos danos sofridos pelo A., € 35.000,00 pelos danos sofridos pela A. e € 1.261,82 pelas despesas de funeral.
A R. contestou, pugnando pela improcedência total da ação, invocando que a condutora seguia cumprindo as regras estradais e que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do A. que deixou a filha menor de 7 anos sozinha na berma da estrada, tendo esta atravessado a estrada inesperadamente, sem dar tempo ou espaço para a condutora desviar o veículo. Os pedidos referentes a danos não patrimoniais são manifestamente exagerados.
Foi proferida sentença que, assentando na distribuição da responsabilidade na proporção de 40% para o A., pai da menor sinistrada, e de 60% para a segurada da R., condenou esta a pagar:
- Aos AA. em conjunto, a quantia de € 45.000,00, pelo dano-morte da filha CC, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da sentença e até integral e efetivo cumprimento;
- Aos AA. em conjunto a quantia de € 3.000,00, pelos danos sofridos pela CC no momento que antecedeu a sua morte, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da sentença e até integral e efetivo cumprimento;
- A cada um dos AA. a quantia de € 24.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais atinentes ao sofrimento por si sentido com a morte de CC, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da sentença e até integral e efetivo cumprimento.
- Aos AA. em conjunto a quantia de € 1.261,82, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da sentença e até integral e efetivo cumprimento.
A R. apelou e os AA. também apelaram.
A Relação julgou improcedente a apelação da R. e parcialmente procedente a apelação dos AA., de modo que, atribuindo a totalidade da responsabilidade pelo acidente à condutora do veículo segurado:
a) Condenou a R. a pagar a ambos os AA. a quantia de € 100.000,00, a título de indemnização pelo dano-morte de CC, acrescida dos juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data do acórdão e vincendos até integral pagamento;
b) Condenou a R. a pagar a cada um dos AA. a quantia de € 40.000,00, a título de indemnização pelos seus danos não patrimoniais causados pela morte da filha CC.
c) Confirmou, no mais, o dispositivo da sentença recorrida.
A R. interpôs recurso de revista em que suscitou duas questões essenciais:
a) A primeira, relacionada com a responsabilidade pelo acidente, para apurar se o acidente mortal é de imputar na totalidade ao A., pai da menor, por falta de respeito do dever de cuidado previsto no art. 491º do CC. Subsidiariamente, definir a distribuição da responsabilidade entre ambos.
b) A segunda, relativa aos montantes indemnizatórios, no sentido de serem reduzidos os valores das indemnizações pelo direito à vida da criança e pelos danos não patrimoniais dos AA. mediante juízos de equidade. E, em termos subsidiários, apurar se é legítimo o estabelecimento de alguma distinção entre os progenitores da menor relativamente aos danos patrimoniais, em concreto, se deve ser mais reduzida a indemnização a arbitrar ao A., considerando a sua responsabilidade na ocorrência do acidente e o seu percurso de vida anterior ao acidente.
Não houve contra-alegações.
Cumpre decidir.
II - Factos provados:
A. No dia …-7-13, pelas 9h00, a CC saiu com o pai (o A. AA) de motociclo para ver os animais e passear.
B. Circularam na Estrada ….. no sentido …..-….. e, entre as 10h00 e as 11h10m, pararam ao Km 29 da referida estrada, junto à berma do lado direito atento o sentido de marcha em que seguiam, para conversar com EE, amigo do A., que lhe pediu ajuda para segurar um vitelo.
C. Como o motociclo não tinha suporte para estacionar e daquele lado onde pararam não havia qualquer muro, barreira, passeio ou estacionamento, o A. disse à criança para ficar junto à berma, mas na estrada, enquanto o ia colocar o motociclo do outro lado da faixa de rodagem, encostado ao muro que aí existe.
D. Nesse instante, já EE não se encontrava junto a este e à criança e não havia qualquer veículo a circular nem estacionado ao longo de uma extensão de cerca 200 metros daquela estrada, nem qualquer outro obstáculo à visibilidade sobre aquela estrada.
E. Sucede que quando o A. já estava do lado contrário da faixa de rodagem (àquele onde deixou a criança) a encostar o motociclo ao muro, CC iniciou o atravessamento da via.
F. Nesse momento, circulava na referida Estrada ….., no sentido …..-….., o veículo de matrícula ……-SS, conduzido por DD, acompanhada esta pelo seu marido, que se encontrava no banco dianteiro de passageiro.
G. Sendo que 83 metros após desfazer a curva aberta da ….. e quando a CC já tinha atravessado a hemi-faixa de rodagem contrária ao sentido de circulação do veículo …..-SS, a condutora do mesmo embateu na criança, atropelando-a, causando-lhe a morte.
H. O A., apercebendo-se da aproximação do veículo ….-SS, quando olhou para trás, viu o embate e já não teve tempo para qualquer reação senão gritar e correr atrás do veículo ….-SS para alcançar a CC.
I. A condutora do veículo …..-SS não travou nem desviou o seu sentido de marcha, tendo CC sido arrastada por 32,8 metros, após o que saiu por baixo do veículo ….-SS, ficando na faixa de rodagem em cima da linha divisória das duas hemi-faixas, tendo então a condutora imobilizado a sua marcha a 7,7 metros do local onde ficou imobilizado o corpo da criança.
J. A condutora do veículo …..-SS ao longo da sua marcha nunca avistou a CC, só se tendo apercebido de que atropelara uma criança depois de imobilizar o seu veículo e dele sair.
K. A condutora do veículo ….-SS exercia a condução do mesmo de modo desatento e descuidado.
L. O local do acidente é uma reta com cerca de 200 metros, antecedida de uma curva aberta no sentido ……-….., a qual, após desfeita, permite total visibilidade em toda a sua extensão, em ambos os sentidos, bermas e passeios.
M. A faixa de rodagem tem 6,10 m de largura, permitindo o trânsito em dois sentidos, e cada hemi-faixa mede 3,05 m, estando separadas com linhas divisórias descontínuas de cor branca.
N. O local é ladeado de terrenos e de casas de habitação e tem passeio para peões e estacionamento, mas estes apenas no sentido de marcha do veículo ……-SS (sentido ….. – ….).
O. Do lado contrário (sentido …../…..) não há passeio; há apenas berma com relva e 2 postes de madeira para suporte de linhas telefónicas.
P. No momento do embate o piso, de asfalto e em bom estado de conservação, encontrava-se limpo e seco e não existia chuva, névoa ou neblina.
Q. No local o limite de velocidade é de 50 Km/h.
R. À data do embate, a CC trajava um fato de treino de cor verde fluorescente e uns sapatos cor-de-rosa e tinha uma compleição física alta e com excesso de peso para a sua idade.
S. A CC depois do embate sofreu fortes dores, medo e angústia, tendo sido alvo de várias tentativas de reanimação.
T. Porém, todas goradas, vindo o seu óbito a ocorrer às 11h10m do dia …-7-013.
U. Do relatório de autópsia realizado ao corpo de CC resulta o seguinte teor, no item designado por Discussão:
“Observou-se na autópsia de CC um conjunto de lesões traumáticas externas e internas, atingindo sobretudo o Tórax e o Abdómen, que pressupõem o embate violento contra uma superfície dura, existindo, pois, um nexo de causalidade entre as lesões descritas e as circunstâncias em que se deu a morte – atropelamento. A morte sobreveio em pouco tempo por rotura de vísceras toráxico-abdominais e consequente hemorragia interna maciça. Muito provavelmente já deveria estar inconsciente devido ao traumatismo crânio-encefálico.”.
V. Do relatório de autópsia realizado ao corpo de CC resulta o seguinte teor, no item designado por Conclusão:
“1ª – É de admitir que a morte de CC tenha sido devida a hemorragia interna provocada por traumatismo toráxico-abdominal.
2ª – As lesões pleuro-pulmonares e hepáticas e esplénicas observadas são causa adequada de morte.
3ª – As lesões traumáticas descritas foram provocadas por acidente de viação-atropelamento.
4ª – Os elementos necrópsicos...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO