Acórdão nº 620/1999.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 05-05-2011
Data de Julgamento | 05 Maio 2011 |
Case Outcome | NEGADA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 620/1999.C1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. AA e mulher, BB, intentaram acção declarativa, com processo sumário, contra o FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL”, pedindo a condenação do Réu no pagamento da quantia de € 65. 286,21 (Esc. 13.088.710$00), pelos danos sofridos em consequência do acidente de viação que vitimou o seu filho, acrescida de juros à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, contados desde a data da citação.
Para tanto, alegam que no dia 24/10/1995, pelas 21h50m, ao km 154,150, na EN 1, Venda da Cruz, Pombal, o filho dos Autores, DD, de 28 anos de idade, foi atropelado e veio a falecer em 27/10/1995, quando atravessava a estrada , com vista a aceder ao local onde se encontrava estacionado o veículo pesado que conduzia: chegado ao meio da EN, parou sobre o traço que divide as hemi-faixas de rodagem por ter avistado um veículo que circulava no sentido Sul-Norte, a velocidade não inferior a 140 km/h; tal viatura, a cerca de 10 metros do local onde havia de cruzar-se com o DD, saiu da hemi-faixa de rodagem em que devia circular e - após uma travagem de dez metros - embateu no peão, pondo-se em fuga, não mais sendo localizado; chovia na altura do acidente e não existia qualquer passadeira a menos de 50 metros, não havendo trânsito em qualquer dos sentidos, estando o local iluminado.
Concluem a petição sustentando que o acidente se deveu a culpa exclusiva do condutor do veículo ligeiro, que circulava a velocidade excessiva dentro de povoação, ocupando as duas faixas de rodagem; Quanto aos danos que pretendem ver ressarcidos, invocam o prejuízo patrimonial de € 13.467,54 (Esc. 2.700.000$00) de perdas salariais (a que haverá de deduzir € 8.037,08 (Esc. 1.611.290$00) de pensões recebidas da seguradora de acidentes de trabalho); quanto aos danos não patrimoniais, pretendem ser ressarcidos pelos valores de € 9.975,96 (Esc. 2.000.000$00) compensatório do sofrimento do DD, ao aperceber-se da iminência da morte e de € 29.927,87 (Esc. 6.000.000$00) pela lesão do direito à vida, e ainda pelo montante de €9.975,96 (Esc. 2.000.000$00), para cada um dos AA., a título de danos morais próprios.
Contestou o Réu CC, alegando desconhecer os factos alegados na petição inicial e reputando de exageradas as quantias peticionadas. Suscitou ainda a intervenção da Companhia de Seguros Fidelidade, por já haver indemnizado parcialmente os Autores, no âmbito do seguro de responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho
A Seguradora foi admitida a intervir, tendo apresentado articulado próprio em que peticionou o pagamento do montante de € 15.740,06, referentes a pensões e despesas já pagas aos Autores, tendo o CC impugnado os factos invocados.
Após saneamento e condensação da matéria litigiosa, a Seguradora interveniente veio ampliar o pedido para o montante de € 44.149,42, referentes aos € 15.740,06 pagos a que acresceram € 28.409,36. Por sua vez, os AA. actualizaram também o seu pedido, alterando o valor correspondente ao dano emergente das dores e agonia do falecido para € 15.000,00; o montante compensatório da lesão do direito à vida para € 40.000,00 e o valor pecuniário correspondente ao dano moral sofrido pessoalmente pelos AA. para € 15.000,00 para cada um deles.
Tendo sido admitidas tais ampliações dos pedidos originários, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença a julgar a acção improcedente, por imputar ao peão sinistrado a culpa exclusiva na produção do acidente mortal, absolvendo o Réu CC do peticionado pelos Autores e pela interveniente Companhia de Seguros Fidelidade – Mundial, S.A..
2.Inconformados, apelaram os AA. e a Seguradora interveniente, tendo a Relação, no acórdão ora recorrido, julgado a apelação dos autores parcialmente procedente, revogando, em parte, a sentença e condenando o réu FGA a pagar aos autores a indemnização de €90.000, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do acórdão até integral pagamento; e a apelação da interveniente principal improcedente, confirmando, embora com fundamentação diversa, a sentença, na parte em que absolvera o réu do pedido deduzido pela interveniente.
Para alcançar tal decisão, começa o acórdão a Relação por abordar a problemática da dinâmica do acidente, fazendo-o nos seguintes termos:
Considerou a sentença que o peão iniciou o atravessamento da faixa de rodagem sem se certificar que a distância que o separava do veículo no momento, atenta a sua velocidade, permitia evitar a ocorrência do embate.
Com isso, enquadrou a conduta no art. 104, nº 1 do CE de 1994 (versão aqui aplicável), que dispõe: “ Os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respectiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente.”
Sucede, no entanto, que não se provou a distância a que a vítima se encontrava do veículo quando iniciou a travessia da faixa de rodagem, se ela viu o veículo nesse momento ou se o mesmo já lhe era avistável (não é de excluir a possibilidade de o veículo não ser avistável, apesar de traçado se desenvolver, segundo o croquis, em recta).
Não é, assim, possível concluir que a vítima tenha infringido o disposto no nº 1 do art. 104 do CE de 1994.
Considerou, também, o tribunal que, ao invés de proceder ao atravessamento de forma célere, a vítima parou na faixa de rodagem perturbando o trânsito, de modo que o veículo iniciou uma travagem, que finalizou no embate.
E, na verdade, o mesmo art. 104, no seu nº 2 estabelece: “ A travessia da faixa de rodagem deve fazer-se o mais rapidamente possível.”
Acrescentando no seu nº 4: “É proibido aos peões parar na faixa de rodagem ou estacionar nos passeios de modo a prejudicar ou perturbar o trânsito.”
É provável que o facto de a vítima se encontrar no eixo da via tenha estado na origem do comportamento do veículo, que travou antes de embater na vítima.
Mas isso não significa, sem mais, que o facto de a vítima ter parado tenha sido idóneo e objectivamente adequado a prejudicar ou a perturbar o comportamento de um condutor que dentro das regras de trânsito.
Não se pode, pois, concluir que à vítima era possível atravessar a faixa de rodagem mais rapidamente, inclusive sem parar e que ao parar o fez de modo a prejudicar ou perturbar o trânsito.
Nem se pode concluir, como fez a sentença, que a vítima se tenha proposto atravessar a via de forma inopinada e desatenta, cerceando, com o seu aparecimento inesperado, a possibilidade de o condutor do veículo evitar o embate, tudo em violação do art. 3, nº 2 do CE.
Ao conduzir dentro da localidade e a uma velocidade superior a 50 Km/ h o condutor do veículo infringiu o disposto no nº 1 do art. 27 do CE de 1994, que impunha como limite máximo de velocidade instantânea dentro das localidades o de 50Km/h.
Porém, o Sr. Juiz afastou a culpa do condutor, por não se ter apurado que a velocidade superior a 50 Km/h tivesse sido determinante para o acidente.
Cremos, no entanto, que não ajuizou bem.
É que tem sido geralmente entendido que a inobservância de leis e regulamentos e, em especial, a prova da violação de normas de perigo abstracto, tendentes a proteger determinados interesses, como são as regras do Código da Estrada, definidoras de infracções em matéria de trânsito rodoviário, faz presumir a culpa na produção dos danos daí decorrentes (dispensando-se, assim, a prova da falta de diligência) bem como a existência de causalidade, com a ressalva de que ficam excluídas da causalidade e do âmbito definido para a responsabilidade decorrente de certo facto as consequências atípicas ou anormais, por aí concorrer uma causa externa, que faz quebrar o nexo causal (cfr. Ac. STJ de 10/3/1998, BMJ 475º-635, Ac. STJ de 1.2.2002, CJ STJ VIII-I-50, Ac. STJ de 26.06.2003 e Ac. STJ de 6.2.97, in www.dgsi.pt).
Ora, no caso sub judice, a presunção de culpa e de causalidade que advém da violação por parte do condutor do art. 27, nº 1 do Código da Estrada de 1994 não se mostra ilidida por qualquer causa externa ou por qualquer circunstância da qual resulte que a contravenção àquela norma estradal foi estranha à vontade do contraventor ou não foi determinante do embate (cfr., ainda, Ac.R.C. 15.3.83, Col. 83-2-15, Ac. R.C. de 21.5.85, Col. 85-3-81).
Na verdade, não está demonstrado que o excesso de velocidade tenha sido indiferente à produção do acidente. Nada permite concluir que o acidente se verificaria sempre mesmo que o condutor fosse mais devagar.
Imputam, também, os recorrentes ao condutor do veículo a contravenção ao nº 1 do art. 24 do CE, segundo o qual “ O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições atmosféricas, à intensidade do tráfego e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente,...
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