Acórdão nº 61840/22.2YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18-04-2024
Data de Julgamento | 18 Abril 2024 |
Número Acordão | 61840/22.2YIPRT.G1 |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães
1. Relatório
A 30/06/2022 EMP01... Unipessoal, Ldª e AA intentaram procedimento de injunção contra BB pedindo o pagamento da quantia de € 11.948,22, sendo € 11.817,72 de capital, € 28,50 de juros e € 102,00 de taxa de justiça, fazendo constar do referido requerimento que o contrato era de fornecimento de bens e serviços, o contrato era de 18/01/2022 e o período a que respeitava era de 01/01/2009 a 18/01/2022.
Alegaram para tanto e em síntese que o requerente AA é o único sócio e gerente da EMP01... Unipessoal, Ldª, a qual tem o objecto social que indicam; o último, inicialmente, exercia a actividade de mediação imobiliária e administração de imóveis, em nome individual; em 2013 constituiu a sociedade aqui requerente; foi o mesmo quem desde, pelo menos, o ano de 2009, geriu todo o património imobiliário da requerida; o requerente e a requerida celebraram no ano de 2009, um contrato verbal de prestação de serviços, sem qualquer prazo; inicialmente, o requerente fez tal gestão do património da requerida, em nome individual, e posteriormente através da sociedade por si constituída, no ano de 2013, também aqui requerente; o requerente começou por prestar à requerida trabalho de intermediação imobiliária, arrendamento e comercialização de imóveis; posteriormente, os requerentes passaram a prestar à requerida outros serviços, designadamente, vistorias às fracções autónomas propriedade da requerida, resolução de questões levantadas pelos arrendatários, gestão de pagamento de rendas, obras de conservação dos imóveis, contactos com entidades fornecedoras de serviços de água, electricidade, gaz, telecomunicações e outros, e gestão dos respectivos pagamentos; para além dos serviços prestados à requerida, os requerentes pagaram por conta da requerida diversas despesas; a requerida denunciou verbalmente o contrato de prestação de serviços; ficaram por liquidar pela requerida os serviços que indicam e as quantias que liquidaram por conta da requerida que também indicam; interpelaram a requerida para pagar as referidas quantias por carta de 30 de Maio de 2022; os serviços prestados à requerida pelos requerentes somam a quantia de € 7608,00, à qual acresce o IVA à taxa legal em vigor, no valor de € 1749,84; a requerida deve ainda aos requerentes a título de despesas a quantia de € 2459,88; deve ainda a requerida juros de mora vencidos sobre a quantia em dívida, desde a data de interpelação (30 de Maio de 2022) até à data da instauração da presente Injunção, à taxa legal anual de 4%, o que perfaz a quantia de € 28,50, assim com os juros vincendos até total e efectivo pagamento.
A requerida, citada, deduziu oposição em que invocou a nulidade da notificação da injunção, a ineptidão do procedimento de injunção por falta de indicação da causa de pedir, a ilegitimidade da requerente EMP01..., Ldª – invocando que nunca contratou qualquer serviço com esta requerente; a única relação que teve foi com o requerente AA -, a prescrição - invocando que as quantias peticionadas são relativas a créditos por serviços prestados nos anos de 2019 e 2020, pelo que estão prescritos nos termos do art.º 317º do CC.
E, em sede de impugnação invocou que na data que indica do ano de 2021, a requerida comunicou ao requerente AA que a partir daquela data o mesmo deixaria de lhe prestar qualquer serviço; naquela data o requerente AA foi questionado se havia algum valor em dívida, tendo o mesmo informado que nada estava em dívida; os alegados serviços que o requerente apresenta em sede de injunção foram pagos nos anos de 2019 e 2020; impugna o montante relativo a despesas ( € 2.459,88); não são devidos juros; e no art.º 69º da oposição afirma: “Assim, não corresponde à verdade tudo o vertido nos artigos 1 a 18 dos factos alegados no petitório injuntivo, pelo que vão os mesmos expressamente impugnados”; o requerente deduz pretensão cuja falta de fundamento não desconhece, devendo ser condenado em indemnização.
Remetidos os autos à distribuição, foram os mesmos distribuídos ao J ... do Juízo Local Cível de Lisboa.
O referido Juízo proferiu despacho que julgou verificada a excepção dilatória de incompetência territorial e determinou a remessa dos autos ao Juízo Local Cível de ....
Neste foi proferido despacho a ordenar a notificação dos AA. para responder às excepções, o que os mesmos fizeram, dizendo (no que releva à economia do recurso) quanto à excepção de prescrição que as quantias que os AA. reclamam não estão abrangidas pelo prazo prescricional e, ainda que assim fosse, a R. sempre reconheceu o direito dos AA. ao recebimento das quantias peticionadas.
A 20/04/2023 foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a nulidade da notificação da injunção, a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade da requerente e a prescrição presuntiva, sendo que, quanto a esta última, a decisão recorrida tem o seguinte teor:
“Da prescrição presuntiva
As prescrições presuntivas – como ocorre com a invocada nestes autos – são presunções de pagamento, fundando-se no facto das obrigações a que se referem costumarem ser pagas em prazo bastante curto e não ser costume exigir quitação do seu pagamento; decorrido o prazo legal presume a lei que a dívida está paga, dispensando, assim, o devedor da prova do pagamento, prova essa que lhe poderia ser difícil ou, até, impossível de realizar, por falta de quitação (vide, entre outros, Vaz Serra, in RLJ, Ano 109º, pág. 246 e Almeida Costa, in “ Direito das Obrigações”, 4ª ed., pág. 795).
Para que a prescrição de cumprimento, a que se referem os artigos 312º e seguintes do C.Civil, se verifique e produza os seus efeitos não basta o mero decurso do prazo prescricional fixado na lei.
Ao simples fluir do tempo hão-de acrescer ainda outros dois requisitos: o primeiro, consiste na não exigência do crédito (o não exercício do direito) durante aquele lapso temporal; o segundo, é a invocação da prescrição pela pessoa a quem ela aproveita (cfr. arts. 315º e 303º, ambos do C.Civil ).
A estes dois requisitos poderá aditar-se ainda um terceiro, de carácter negativo, e que se traduz na inexistência daqueles factos que, por força do disposto nos arts. 313º e 314º, do C.Civil, ilidem a presunção de pagamento (vide, por todos, Antunes Varela, in RLJ, Ano 103º, pág. 256 ).
Nesta conformidade, o réu que conteste uma ação de dívida, ou outro tipo de ação onde se discuta a sua obrigação de pagar determinada quantia pecuniária terá, para se valer da prescrição presuntiva, de alegar expressa e claramente que pagou e que, em todo o caso, sempre tal se presumiria (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 21/10/1986, in BMJ nº 364, pág. 934).
A presunção de cumprimento resultante do decurso desse prazo de dois anos só pode ser ilidida por confissão expressa do não pagamento ou por confissão tácita traduzida na prática em juízo de atos incompatíveis com a presunção de cumprimento - artºs 313º e 314º do CC.
"Para que possa beneficiar da prescrição presuntiva, o réu não deve negar os factos constitutivos do direito do A, já que, fazendo-o, iria alegar em contradição com a sua pretensão de beneficiar da presunção de pagamento, na medida em que assim confessaria tacitamente o não cumprimento" - neste sentido, o Ac. deste STJ de 19-6-97, in CJSTJ, Ano V, Tomo II, pág. 134.
Ao contrário do que se passa com a prescrição propriamente dita, a lei admite em certa medida, aliás limitada, que as prescrições presuntivas sejam afastadas mediante a prova da dívida. Na verdade, a «presunção de cumprimento pelo decurso do prazo pode ser ilidida por confissão do devedor originário...» confissão essa que pode ser judicial ou extrajudicial, sendo que esta última só releva quando for realizada por escrito» (artº 313º, nº 2), o que se impõe para defesa do devedor contra meios de prova menos seguros " - conf. Prof Almeida Costa, in "Direito das Obrigações", 9ª ed, pág. 1051/1052.
Deste modo, neste tipo de prescrições o decurso do prazo legal não extingue a obrigação. São chamadas de "prescrições presuntivas" porque nestes casos a lei presumiu que decorridos os prazos fixados o devedor teria pago, o que tem a sua importância no próprio regime destas prescrições: elas são tratadas, não bem como prescrições, mas como simples presunções de pagamento, sendo afastadas pela provada existência da dívida nos limitados termos que a lei prevê.
Preceitua o citado art.º 313º do CC que «a presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor, relevando a confissão extrajudicial apenas quando realizada por escrito».
Por outro lado, dispõe o artigo 314º do CC, que «considera-se confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento».
A este propósito, observam Pires de Lima e Antunes Varela, in «Código Civil Anotado», vol. I, 4ª ed. pág. 282, que "visando as prescrições presuntivas conferir proteção ao devedor que paga uma dívida e dela não exige ou não guarda quitação, não poderia admitir-se que o credor contrariasse a presunção de pagamento com quaisquer meios de prova, exigindo-se, por isso, que os meios de prova do não pagamento venham do devedor ".
Na situação em apreço, a Ré impugnou a obrigação em si, invocando que nada deve, logo conforme atrás foi referido, contestou os factos constitutivos do direito dos Autores, e ao o fazer, alega em contradição com a sua pretensão de beneficiar da presunção de pagamento, na medida em que assim confessa tacitamente o não pagamento.
Assim e sem mais delongas por desnecessárias, não pode a Ré validamente fazer valer-se da prescrição presuntiva, nos termos vistos, ao abrigo do disposto no artigo 316º, do Código Civil.
Pelo exposto, julgo improcedente a exceção de prescrição...
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