Acórdão nº 615/18.0JAPDL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 01-07-2021
Data de Julgamento | 01 Julho 2021 |
Case Outcome | NEGADO PROVIMENTO |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 615/18.0JAPDL.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Proc. nº 615/18.0JAPDL.L1. S1
Recurso penal
Acordam, precedendo conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I.
1. Nos autos de processo comum (Tribunal Colectivo) acima identificados provenientes do Juízo Central Cível e Criminal ..................... Juiz 2, foi proferido acórdão em 20.10.2020, que decidiu condenar o arguido AA:
. pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido (p. e p.) pelos artigos171.º, nºs.1 e 2 e 177.º, nº.1, al. a), do Código Penal (CP) (a que se reporta o primeiro episódio ocorrido no início de agosto de 2018) na pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão;
. pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, nºs.1 e 2 e 177.º, nº.1, al. a), do CP (a que se reporta o segundo episódio ocorrido no início de agosto de 2018) na pena de 6 (seis) anos de prisão;
. pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos artigos171.º, nºs.1 e 2 e 177.º, n.º.1, al. a), do CP (a que se reporta o terceiro e derradeiro episódio ocorrido no início de agosto de 2018) na pena de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão; e,
. fixar a pena única em 10 (dez) anos de prisão.
2. Inconformado, recorreu o arguido deste acórdão, para o Tribunal da Relação ….. (TR..), que por acórdão de 3.03.2021, decidiu negar provimento ao recurso, julgando-o improcedente na totalidade.
3. O arguido veio recorrer deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões na sua peça recursiva, que se transcrevem:
(…)
I. Na pena aplicada ao arguido, foram quanto a nós, claramente violados os artigos 40.º, 71.º nºs 1 e 2 alíneas a), b) c) e d), todos do Código Penal.
II. No que à medida da pena concerne, é nosso entendimento que a pena para além de fazer face às exigências de prevenção geral de revalidação contra-fáctica da norma violada, terá que ter em conta as exigências individuais e concretas de socialização do agente, sendo certo que na sua determinação ter-se-á que entrar em linha de conta com a necessidade de evitara a dessocialização do agente.
III. Na esteira do acima dito, a pena de 10 anos de prisão, mostra-se indubitavelmente desajustada.,
IV Considerada que seja corretamente valorada a matéria dada como provada e respetivo enquadramento jurídico efetuado pelo Tribunal “a quo”, sempre se imporá uma substancial redução da pena de prisão aplicada ao recorrente, em obediência aos princípios da adequação, e humanidade das penas.
V. A este propósito, não se olvide o que dentre o mais resultou provado. A saber: “verifica-se uma boa relação com vizinhos e comunidade, com respeito mútuo, e a família é tida como organizada e com hábitos de trabalho, cumprindo as ações que constam no Acordo de Inserção Social ao abrigo da prestação de Rendimento Social de Inserção.
AA é tido no meio como pessoa bem integrada, com conduta pró social, responsável e com hábitos de trabalho. Não apresenta problemática aditiva, nem ´´e frequentador de cafés na Freguesia, situação confirmada por fontes da comunidade.”
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, revogar-se a decisão recorrida, reduzindo Vossas Excelências a pena de prisão de 10 anos aplicada ao arguido AA.
Assim se fazendo a vossa tão desejada e costumada, JUSTIÇA!
(…).
4. Este recurso foi admitido por despacho judicial de 21.04.2021.
5. A Magistrada do Ministério Público junto do TR.. veio apresentar a sua resposta ao recurso, concluindo que (transcrição):
(…)
1.O recurso é manifestamente improcedente.
2.A pena aplicada ao arguido é justa, correspondendo às exigências de prevenção geral e especial e à culpa do arguido.
3.O arguido foi condenado na pena única de 10 anos de prisão.
4.Tendo em conta a moldura penal abstratamente aplicável ao crime de abuso sexual de crianças, agravado, de 4 a 13 anos e 4 meses de prisão, logo se alcança que a pena de 10 anos de prisão não é excessiva.
5.Tal pena já teve em conta as circunstâncias que militam a favor do arguido e que o mesmo referiu na interposição de recurso. Certamente terá sido com o respetivo fundamento que as penas parcelares e pena única não foram mais agravadas.
6.Afiguram-se-nos bem justificada a pena aplicada ao arguido em que foi condenado nos presentes autos.
7.Deste modo, não merece, em nosso entender, reparo a pena aplicada ao recorrente, porque equilibrada e justa.
8.É, pois, manifesta a improcedência do recurso do arguido, claudicando todos os seus argumentos.
Termos em que, face ao exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra o decidido no douto acórdão recorrido, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
(…)
6. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, onde no Parecer a que corresponde o artigo 416.º do CPP, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta acompanhou os fundamentos apresentados pela Magistrada do Ministério Público na resposta ao recurso do arguido, bem assim como os fundamentos aduzidos pelas instâncias para a escolha da medida da pena única aplicada, tendo em consideração o grau de ilicitude global dos factos cometidos pelo recorrente, sendo ofendida a sua filha menor de idade BB, considerando não exceder a pena única de 10 anos, o grau de acentuada culpa com que o recorrente atuou, razão pela qual se pronunciou igualmente pela improcedência do recurso.
7.Cumprido o n.º 2, do artigo 417.º, do CPP, nada foi dito.
8. Efectuado exame preliminar, foram os autos presentes em conferência.
II.
9. O objecto do recurso cinge-se, unicamente, à apreciação da pena única de 10 anos que foi aplicada ao recorrente, sendo entendimento do arguido que foram claramente violados os artigos 40.º, 71.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) c) e d), todos do CP, devendo a mesma ser reduzida.
10. Para tal, recorde-se o teor do acórdão recorrido proferido no TR.. (transcrição), no que interessa à decisão do presente recurso:
(…)
É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo (transcrição):
i. Da acusação:
1.
A menor BB (= BB), nasceu no dia .. de janeiro de 2005 e é filha de CC (CC) e do arguido AA;
A menor BB reside com a sua mãe CC na .......;
O arguido AA vive com a sua companheira, DD, os dois filhos desta, a EE de 9 anos, e FF de 11, e com o filho que têm em comum, ainda bebé, na residência sita na ............., ............, ...............;
AA e CC encontram-se separados, sendo que no Verão de 2018, BB passou as férias com o pai, a convite deste, na residência acima indicada;
Nesse contexto, nos primeiros dias de agosto de 2018, AA convidou a filha para ir pescar com ele, tendo-se ambos deslocado para junto de uns rochedos contíguos à piscina ...........;
Enquanto pescavam, o arguido AA elogiou a filha, dizendo-lhe que “era muito bonita e que se ele fosse mais novo não lhe escapava”, agarrando de seguida a filha, puxando-a para si;
Nessa sequência, BB afastou-se e disse ao pai que “ia contar à polícia”;
Não obstante, logo de seguida AA voltou a agarrar e a abraçar a filha; Num dia do início do mês de agosto de 2018, por volta do meio-dia, aproveitando um momento em que se encontrava na sua residência apenas com a sua filha BB, pois a companheira do arguido tinha ido buscar leite, o arguido deslocou-se ao quarto onde esta dormia e deitou-se na cama ao lado dela;
Ato contínuo, AA acordou a sua filha e começou por perguntar-lhe “se ele fosse mais novo ela queria ficar com ele?”, dando a entender à menor que queria perguntar-lhe “se era virgem na vagina”;
Perante resposta afirmativa, AA despiu as calças de pijama e as cuecas de BB, explicando-lhe que “ia fazer um teste de virgindade”;
De seguida, calçou uma luva plástica na mão direita e pediu à filha para se colocar na posição de decúbito ventral;
Após, AA colocou óleo de amêndoas no ânus de BB e introduziu dois dos seus dedos naquele orifício;
BB queixou-se com dores, não obstante, AA introduziu de seguida o seu pénis ereto no ânus de BB, sem recurso a preservativo;
O arguido AA apenas cessou tal conduta quando se apercebeu que o seu enteado FF se encontrava a chegar a casa;
Nesse momento, pediu perdão à sua filha e pediu-lhe ainda que esta não contasse a ninguém o sucedido;
BB aceitou, com a condição de o pai “não voltasse a fazer aquilo”; Porém, alguns dias depois, quando BB se encontrava a despir-se na casa de banho da referida residência, AA entrou nesse local, observou-a, e “fez um gesto com a língua, olhando para a mesma como se a estivesse a lamber”;
Ainda em agosto de 2018, após os descritos episódios, numa tarde em que se preparava para se deslocar à ................, aproveitando-se da circunstância de a sua companheira se encontrar a tomar banho e dos enteados se encontrarem ausentes, AA entrou no quarto da sua filha;
No momento em que viu a BB pediu-lhe para se despir e, tendo ela recusado, agarrou-a, despiu-lhe as calças e empurrou-a para a cama, onde aquela ficou em decúbito ventral;
Ato contínuo, AA introduziu o seu pénis no ânus de BB, provocando-lhe dor intensa;
Nessas circunstâncias, BB pediu ao seu pai para parar;
No entanto, AA ordenou que a sua filha se calasse, tendo terminado com aquela conduta apenas quando ouviu a porta da casa de banho a abrir;
Após o descrito episódio, AA voltou a pedir perdão à filha, todavia, no dia 30 de agosto de 2018, sabendo que estava a sós com a sua filha na residência vinda de mencionar, aproximou-se de BB que se encontrava na sala a tomar conta do meio-irmão recém-nascido;
De imediato, ordenou que BB despisse as calças e as cuecas e recusando ela, o arguido despiu-a e pediu-lhe para ela sentar no pénis ereto;
Recusou e ele agarrou a menor e sentou-a no seu pénis ereto introduzindo-o...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO