Acórdão nº 6143/13.3TBBRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 14-09-2017
Data de Julgamento | 14 Setembro 2017 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA. |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 6143/13.3TBBRG.G1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
I – RELATÓRIO
AA instaurou, em 18 de setembro de 2013, na então Vara Mista da Comarca de … (Juízos Centrais Cíveis de …, Comarca de …), contra BB, ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 54 165,37, acrescida dos juros de mora legais, desde a citação até integral pagamento, bem como todas as prestações e prémios vincendos atinentes ao contrato de mútuo, celebrado com o Banco CC, e aos contratos de seguro multirriscos e de vida, e que lhe fosse reconhecido o direito de propriedade sobre os bens móveis identificados nos artigos 21.º a 26.º da petição inicial, assim como a Ré condenada a restituir-lhos.
Para tanto, alegou, em síntese, que A. e R., depois de terem contraído entre si casamento, sob o regime da separação de bens, em 1999, celebraram um mútuo bancário, no valor de € 220 000,00, com contrato de seguro multirriscos associado, com vista à aquisição de fração autónoma, para habitação do agregado familiar, a qual foi adquirida apenas pela R.; em 1 de agosto de 2011, deixaram de viver em comunhão de mesa, leito e habitação, vindo o casamento a dissolver-se, por divórcio por mútuo consentimento, por sentença de 15 de janeiro de 2013; até à propositura da ação, o A. pagou, em prestações do mútuo e prémios de seguro, a quantia de € 54 165,37; e os móveis, que compõem o recheio da fração, foram adquiridos exclusivamente por si, recusando-se a R. a restituí-los.
Contestou a Ré, por exceção e impugnação, alegando, designadamente, que, no início da união de facto, em 1997, o A. residiu num apartamento da R. e, depois, na fração identificada na petição inicial, sempre sem pagar água, luz, telefone, condomínio, etc., despesas suportadas pela R.; quando da aquisição daquela fração, a R. deu de dação em pagamento o seu apartamento; A. e R. celebraram um acordo de repartição das despesas inerentes à vida familiar e à prestação da casa, ficando sempre o A. com o reembolso do IRS; e os referidos bens móveis foram-lhe doados pelo A.
Já depois de proferido o despacho saneador, identificado o objeto do processo e enunciados os temas da prova, a R. deduziu articulado superveniente, para a compensação da quantia de € 95 450,12, que não foi admitido.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 4 de janeiro de 2016, a sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a Ré a restituir ao Autor a quantia de € 20 107,44, acrescida de juros, à taxa legal de 4 %, desde a citação até integral pagamento; a pagar ao Autor a quantia paga por este, a título de prémios dos contratos de seguro identificados no n.º 6 dos factos provados, no período compreendido entre 1 de agosto de 2011 e a data da propositura da ação, com o limite de € 8 466,66, a liquidar ulteriormente, acrescida de juros, à taxa legal de 4 %, desde a citação até integral pagamento; a restituir ao Autor todas as prestações respeitantes ao contrato de mútuo identificado nos n.º s 4 e 5 dos factos provados e todos os prémios relativos aos referidos contratos de seguro que tenha pago ou venha a pagar desde a propositura da ação; reconheceu ao Autor o direito de propriedade sobre os bens móveis identificados no n.º 16 dos factos provados; e condenou a Ré a restituí-los ao Autor.
Inconformados com a sentença, A. e R. (esta subordinadamente) apelaram para o Tribunal da Relação de …, que, por acórdão maioritário de 27 de outubro de 2016, dando provimento à apelação do A. e negando-o ao recurso da R., revogou a sentença, condenando a Ré a restituir ao Autor a quantia de € 45 698,71, acrescida de juros, à taxa legal de 4 %, desde a citação até integral pagamento; a pagar ao Autor a quantia paga por este, a título de prémios dos contratos de seguro identificados no n.º 6 dos factos provados, no valor de € 8 466,66, acrescida de juros, à taxa legal de 4 %, desde a citação até integral pagamento; a restituir ao Autor todas as prestações respeitantes ao contrato de mútuo identificado nos n.º s 4 e 5 dos factos provados e todos os prémios relativos aos contratos de seguro identificados no n.º 6 dos factos provados, que o Autor tenha pago ou venha a pagar desde a propositura da ação; reconhecer ao Autor o direito de propriedade sobre os bens móveis identificados no n.º 16 dos factos provados; e condenar a Ré a restituí-los ao Autor.
Inconformada com o acórdão, recorreu a Ré para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:
a) O acórdão recorrido padece de vícios insanáveis, como omissão de dever legal de convite a aperfeiçoamento e de pronúncia, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, bem como falta de fundamentação legal.
b) A decisão em apreço não atendeu aos deveres paternais e conjugais.
c) Nem tão pouco o aresto atende às regras sobre o exercício de direitos.
Com a revista, a Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido, de modo a ser absolvida dos pedidos relativos aos períodos desde a compra até ao trânsito do divórcio ou até à separação de facto.
Contra-alegou o Autor, no sentido da improcedência do recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Nesta revista, está essencialmente em discussão, para além da nulidade do acórdão recorrido, o enriquecimento sem causa e o abuso do direito.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:
1. O A. casou com a R. em 3 de setembro de 1999, sob o regime da separação de bens, e já viviam em comunhão de mesa, leito e habitação em data anterior ao casamento, pelo menos, desde setembro de 1997.
2. Por escritura pública celebrada em 7 de setembro de 2007, DD, Lda., declarou vender à R., que aceitou, pelo preço de € 220 500,00, a fração autónoma designada pela letra “T”, correspondente ao 1.º andar direito (lado norte), no Bloco B, tipo T4, destinada a habitação, com entrada pelo n.º 28, com garagem na subcave, designada pelo n.º 18, e a divisão n.º 16, no último piso do edifício, destinada a secagem de roupa, que faz parte do prédio urbano sito na Avenida …, n.º s 26 a 36, da freguesia de … (…), concelho de …, e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º 2589-… (…).
3. A fração encontra-se inscrita no registo, em exclusivo, a favor da R.
4. Na mesma escritura, a R. e o A. confessaram-se e constituíram-se solidariamente devedores ao Banco CC, S.A., da quantia de € 220 000,00, que ambos declararam receber a título de empréstimo para pagamento do preço da compra.
5. Esse empréstimo foi concedido pelo prazo de 360 meses, a contar do dia 25 de setembro de 2007, a amortizar em 360 prestações mensais, de capital e juros, a primeira com vencimento no mesmo dia do mês seguinte e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, a pagar por débito direto.
6. Mais ficaram obrigados a subscrever seguro multirriscos da fração e seguro de vida, nas condições impostas e a favor do Banco CC.
7. Desde logo, o A., a R. e as filhas passaram a residir permanentemente na fração, a qual passou a constituir a casa de morada de família.
8. Nessa altura, foi combinado, entre A. e R., que a prestação da compra da casa, seguros, água, luz, telefone, tv, net e condomínio, seriam pagos através da conta solidária de depósito a ordem n.º 15…5, aberta no Banco CC (inclui a alteração introduzida pela Relação).
9. Até à data da escritura, o A. era o único titular desta conta e, após a realização da mesma, a R. passou também a figurar como titular.
10. A R. apenas efetuou transferências bancárias para a conta associada a esse empréstimo, entre os meses de outubro de 2007 a julho de 2010, no valor global de € 17 000,00, repartidas em 36 prestações mensais e sucessivas de € 500,00.
11. A partir de 1 de agosto de 2011, A. e R. deixaram de viver em comunhão de mesa, leito e habitação e, desde então, o A. deixou de viver na fração.
12. Por sentença de 15 de janeiro de 2013, transitada em 15 de fevereiro de 2013, no âmbito do processo n.º 781/12.9 TMBRG, que correu termos na 1.ª Secção do Tribunal de Família e Menores de …, foi decretado o divórcio, por mútuo consentimento, do A. e R. e dissolvido o casamento.
13. Relativamente ao mútuo para a aquisição da fração, foram liquidados os seguintes montantes: no período de 7 de setembro de 2007 a 31 de julho de 2011, foram pagos € 19 843,28, a título de capital, e € 22 747,99, a título de juros; no período de 1 de agosto de 2011 a 28 de fevereiro de 2013, foram pagos € 10 391,51, a título de capital, e € 3 815,97, a título de juros; desde 1 de...
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