Acórdão nº 6134/20.8T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29-05-2024

Data de Julgamento29 Maio 2024
Número Acordão6134/20.8T8VNF.G1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I.
1) Por requerimento apresentado em juízo no dia 11 de novembro de 2020, AA e BB pediram a respetiva declaração de insolvência, com exoneração do passivo restante.
Por sentença proferida no dia 20 de novembro de 2020, foi declarada a insolvência dos requerentes.
Na sequência, depois de constatada a insuficiência da massa insolvente, foi declarado encerrado o processo e, por despacho de 5 de março de 2021, foi deferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante. Nesse despacho, foi determinada a cessão, durante os cinco anos subsequentes, dos rendimentos dos insolventes ao fiduciário, com exclusão da quantia mensal correspondente a “1 salário mínimo nacional e um quatro”, que se considerou ser o montante necessário ao sustento digno de “cada um dos insolventes” (sic) e do respetivo agregado familiar.
No dia 22 de maio de 2022, o fiduciário nomeado apresentou o relatório correspondente ao primeiro ano do período de cessão, no qual fez constar que: a insolvente trabalhou como auxiliar de serviços gerais no Centro Social e Paroquial de ..., tendo auferido o salário mínimo nacional acrescido de subsídio de alimentação e dos duodécimos de subsídios de férias e de Natal, sujeito aos descontos legais; aquele salário não ultrapassou o valor fixado de rendimento indisponível que em 2021 foi de € 831,25 / mensais; o insolvente trabalhou como emassador na “EMP01... – Tetos falsos e Decorações, Lda.” auferindo o salário mínimo nacional; também não ultrapassou o valor do rendimento disponível fixado.
No dia 27 de março de 2023, o fiduciário nomeado apresentou o relatório correspondente ao segundo ano do período de cessão, fazendo dele constar que: a insolvente, até meados de outubro de 2022, trabalhou como “Auxiliar de serviços gerais no Centro Social e Paroquial de ...” auferindo o salário mínimo nacional acrescido do subsídio de alimentação e dos duodécimos de subsídios de férias e de Natal, sujeito aos descontos legais; em meados de outubro de 2022, começou a trabalhar como “Escriturária” na sociedade EMP02..., Lda., auferindo o salário mínimo nacional acrescido do subsídio de alimentação e dos duodécimos de subsídios de férias e de Natal, sujeito aos descontos legais; encontra-se desempregada desde ../../2022; o insolvente trabalhou como emassador na “EMP01... – Tetos falsos e Decorações, Lda., auferindo o salário mínimo nacional e sujeito aos impostos legais; em 19 de outubro de 2022, iniciou atividade (Categoria B – Rendimentos Empresariais) de sucatas e materiais recicláveis (CAE Principal: 43390). Concluiu não ter sido obtido qualquer valor que excedesse o rendimento indisponível.
No dia 4 de março de 2024, o fiduciário nomeado apresentou o relatório correspondente ao terceiro ano, no qual consignou que: os insolventes auferiram de rendimento anual o valor de € 15 795,04; a insolvente esteve desempregada até ao mês de maio de 2023; no mês de junho de 2023 passou a trabalhar como empregada de limpeza, auferindo o salário mínimo nacional acrescido de cartão/ticket refeição e dos duodécimos de subsídios de férias e de Natal, e sujeito aos impostos legais; o insolvente exerceu, como trabalhador independente, a atividade de “Outras Atividades de Acabamento em Edifícios”; auferiram de rendimento mensal um valor que excede em € 6 615,02 o fixado, devendo entregar o mesmo à fidúcia.
Em suporte, apresentou o seguinte mapa:
[Imagem]

Por requerimento apresentado no dia 8 de março de 2024, os insolventes vieram dizer que:

“1. Conforme resulta dos autos foi proferido, em 05/03/2021, despacho inicial de exoneração do passivo restante que fixou um salário mínimo nacional e um quarto como montante necessário ao sustento digno de cada um dos insolventes.
2. O que significa que, e de acordo com o douto despacho, o valor fixado para o ano de 2022 foi de 22.800,00 €.
3. Ora, conforme resulta do referido relatório o rendimento dos insolventes no ano de 2022 foi apenas de 15.795,04 € e, por conseguinte, inferior àquele que foi fixado como sustento minimamente digno dos insolventes,
4. pelo que, não existem valores em dívida ou a entregar a fidúcia.
5. Na verdade, os rendimentos dos insolventes devem ser apurados numa base anual e não mensal.
6. Aliás é este o entendimento maioritário da jurisprudência no sentido do rendimento dever ser apurado numa base anual e não mensal (vid. Ac. TRG de 22/04/2021, Proc. Nº 338/19.3T8GMR.G2). 7. Trata-se de evitar um tratamento discriminatório entre os insolventes com rendimentos mensais fixos e aqueles que têm trabalhos ou exercem uma atividade independente (como é o caso do insolvente marido) ou até sazonal e, consequentemente, com rendimentos incertos.
8. Na verdade, os trabalhos ou serviços prestados pelo insolvente marido correspondem, na maioria das vezes, a dois, três ou mais meses de trabalho e só no final é que é emitido o correspondente recibo (que apesar de aparentemente conter um valor/salário elevado) e que é relativo a vários meses de trabalho, como é o caso do insolvente marido).
9. Assim, deverá considerar-se como rendimento disponível dos insolventes o valor anual e não o valor calculado ou assente numa base mensal.”
Concluíram, que “não se verifica o incumprimento dos insolventes relativamente aos deveres de cessão não existindo nem estando em dívida qualquer valor e/ou obrigação de entrega de qualquer quantia para a fidúcia.”
No dia 21 de março de 2024, foi proferido o seguinte despacho sobre o requerimento dos insolventes: “Indefiro o requerido uma vez que a lei é muito clara e expressa no artigo 239º, nº4, al c) CIRE: ‘Durante o período de cessão, o devedor fica ainda obrigado a: (…) c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos de cessão’.
Assim, notifique pessoalmente os insolventes para entregarem a quantia em falta à fidúcia em 10 dias sob pena de cessação da exoneração.”
***
2) Inconformados com o despacho acabado de referir, os insolventes interpuseram o presente recurso, através de requerimento composto por alegações e conclusões, estas do seguinte teor (transcrição):
“I. As questões a decidir no âmbito do presente recurso são: nulidade do despacho por falta de fundamentação e indeferimento do pedido dos insolventes no sentido dos rendimentos dos insolventes serem apurados numa base anual e não numa base mensal.
II. O despacho em crise é nulo por falta de fundamentação, quer de facto, quer de direito, pois não indica matéria de facto, e apenas transcreve parcialmente uma disposição legal que nunca poderia levar àquela decisão.
III. Assim, o despacho/sentença será nulo, entre outros, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão ou quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Neste caso concreto estamos perante uma ausência total de fundamentação que acarreta a nulidade de tal despacho.
IV. Foi proferido, em 05/03/2021, despacho inicial de exoneração do passivo restante que fixou um salário mínimo nacional e um quarto como montante necessário ao sustento digno de cada um dos insolventes, ou seja, de acordo com o douto despacho, o valor fixado para o ano de 2022 foi de 22.800,00 €.
V. Conforme resulta do relatório final o rendimento dos insolventes no ano de 2022 foi apenas de 15.795,04 € e, por conseguinte, inferior àquele que foi fixado como sustento minimamente digno dos insolventes, pelo que, não existem valores em dívida ou a entregar a fidúcia.
VI. O rendimento indisponível deve ser feito, tendo em conta a média anual dos rendimentos, uma vez que se assim não for não fica garantido o mínimo indispensável ao seu sustento e do seu agregado familiar e que, mantendo-se esse cálculo não ficará sequer garantido o salário mínimo nacional dos insolventes, o que é violador de normas fundamentais/constitucionais.
VII. No que concerne à figura jurídica da exoneração do passivo restante, relativa ao insolvente que seja pessoa singular, pode-se ler, no preâmbulo do DL nº 53/04, de 18.3, que aprovou o C.I.R.E., as seguintes considerações: “O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste. VIII. A exoneração do passivo restante não tem, pois, como principal fim a satisfação dos credores da insolvência, tal como o previsto no artigo 1º do CIRE, embora, reflexamente, não esqueça por completo esses interesses, mas também assenta na ideia de que quem passou por um processo de insolvência aprende com os seus erros e terá no futuro um comportamento mais equilibrado no plano financeiro.
IX. A decisão deste recurso prende-se reflexamente com a interpretação a dar ao preceituado no art. 239º, nº 4, al. c), para efeitos de fixação do montante excluído do rendimento disponível, com base no já fixado (um salário mínimo nacional acrescido de ¼ para cada um dos insolventes).
X. Esta exclusão surge, aliás, como uma exigência do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, afirmado no art. 1º da Constituição da República e a que se alude na al. a) do nº 1 do art. 59º do mesmo diploma fundamental, a propósito da retribuição do trabalho.
XI. Visando o processo falimentar a execução universal do património do devedor e a satisfação tanto quanto possível integral dos direitos dos credores, a interpretação relativamente ao montante...

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