Acórdão nº 6119/17.1T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28-11-2019
Data de Julgamento | 28 Novembro 2019 |
Número Acordão | 6119/17.1T8VNF-A.G1 |
Ano | 2019 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I – RELATÓRIO
1.1. J. P. intentou acção de impugnação de deliberações sociais contra X, Unipessoal, Lda., formulando os seguintes pedidos:
«a) Serem declaradas inexistentes, nulas – nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 56º do Código das Sociedades Comerciais, as deliberações tomadas na “assembleia” ilegal da Ré de 12 de Julho de 2017, com todas as legais consequências, nomeadamente o cancelamento do registo comercial de destituição de gerente e a manutenção do Autor como gerente da sociedade Ré;
b) Ou, caso assim se não entenda, declaradas anuladas nos termos do nº 3 do artº 58º do Código das Sociedades Comerciais, as deliberações tomadas na “assembleia” ilegal da Ré de 12 de Julho de 2017, com todas as legais consequências, nomeadamente o cancelamento do registo comercial de destituição como gerente e a manutenção do Autor como gerente da sociedade Ré;
c) A Ré condenada no pagamento ao Autor da indemnização prevista no nº 7 do artº 257º do CSC, considerando que este auferia um vencimento mensal de € 11.500,00 por mês, catorze meses por ano;
d) A Ré condenada no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 25.000,00;
e) Todas as importâncias devem ser acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento».
*
A Ré contestou, por excepção e por impugnação, e deduziu pedido reconvencional, concluindo do seguinte modo:«i. Deve ser julgada procedente, por provada, a exceção da nulidade de todo o processo acima invocada, absolvendo-se a R. da instância;
Sem prescindir, caso assim não se entenda (o que não se concede):
ii. Deve ser julgada procedente a exceção da incompetência do Tribunal em razão da matéria acima invocada, absolvendo-se a R. da instância quanto aos pedidos c), d) e e) do petitório da petição inicial;
iii. Devem ser julgadas procedentes as exceções da ilegitimidade do A. e da caducidade da acção quanto aos pedidos de anulabilidade da alegada deliberação acima invocadas, absolvendo-se a R. desse pedido (alínea b) do petitório da petição inicial);
iv. A presente ação deve ser julgada totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se integralmente a R. de todos os pedidos.
v. Deve a reconvenção ser julgada procedente, por provada, e o A./Reconvindo condenado a:
a. Pagar à R./Reconvinte, a título de indemnização por danos por esta sofridos, a quantia total já liquidada de € 211.871,28 (duzentos e onze mil oitocentos e setenta e um euros e vinte e oito cêntimos) quanto aos danos acima referidos, e a quantia total ainda ilíquida que se vier a apurar ser devida em consequência dos danos acima referidos cujo quantitativo ainda não está liquidado, deduzindo-se, quanto a esta última, pedido genérico, ao abrigo do disposto nos artigos 556.º, n.º 1, al. b) e c) do CPC e artigo 569.º do Código Civil, devendo todas estas quantias ser acrescidas dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de juros comerciais sucessivamente em vigor;
b. Restituir à R./Reconvinte, a título de enriquecimento sem causa – caso se verifiquem os circunstancialismos acima referidos a este respeito -, os vencimentos que esta lhe pagou desde julho de 2017 até à presente data, que ascendem ao montante global de € 54.506,26 (cinquenta e quatro mil quinhentos e seis euros e vinte e seis cêntimos), bem como os que eventualmente ainda lhe pagará no futuro, deduzindo-se, quanto à restituição destes últimos, pedido genérico, ao abrigo do disposto nos artigos 556.º, n.º 1, al. b) do CPC e artigo 569.º do Código Civil, devendo todas estas quantias ser acrescidas dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de juros comerciais sucessivamente em vigor».
*
O Autor apresentou réplica, defendendo a improcedência das excepções e da reconvenção.*
1.2. Depois de realizada a audiência prévia, foi proferido despacho-saneador, onde se decidiu:«a) Julgar procedente, por provada, a excepção da cumulação ilegal de pedidos decorrente da incompetência em razão da matéria deste Juízo do Comércio para conhecer dos pedidos deduzidos nas alíneas C) a E) da petição inicial e, em consequência, absolver da instância, quanto a eles, a Ré;
b) Não admitir o pedido reconvencional deduzido pela Ré/Reconvinte;
c) Julgar verificada a excepção da ilegitimidade activa do Autor quanto ao pedido deduzido na alínea B) e, consequentemente, absolver a Ré da respectiva instância».
De seguida, por se ter entendido ser possível conhecer parcialmente do mérito da causa, decidiu-se, em saneador-sentença, julgar improcedente a acção no que tange ao pedido de declaração de nulidade das decisões tomadas em 12.07.2018, por falta de convocação (questão de saber se a reunião deveria ter sido precedida de convocação da sócia única e do gerente) e por não ter tido lugar na sede da sociedade (questão de saber quais as consequências de a reunião não ter ocorrido na Praça …, nº .., em Braga).
No mais, prosseguiram os autos com a definição do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova, quanto à «verificação dos pressupostos legais que permitiriam a declaração de nulidade das deliberações tomadas na reunião de 12/7/2017 da Ré X, Unipessoal, Lda.».
*
1.3. Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação daquela decisão e formulou, a terminar as suas alegações, as seguintes conclusões:«1 – Vem o presente recurso interposto da com a sentença proferida nestes autos com a Refª 160203946, que decide julgar procedente, por provada a ajuizada exceção de cumulação ilegal de pedidos decorrentes da incompetência em razão da matéria deste Juízo de Comercio para conhecer dos pedidos deduzidos nas alíneas C) a E) da petição inicial e, em consequência absolve da instância, quanto a eles, a Ré;
Julga, verificada a exceção da ilegitimidade activa do Autor quanto ao pedido deduzido na alínea B) e, consequentemente, absolve a Ré da respetiva instância;
E, julga improcedente a presente ação no que tange ao pedido de declaração de nulidade das decisões tomadas em 12/7/2018, por falta de convocação e por não ter tido lugar na sede da sociedade.
2 – A competência material do tribunal afere-se em função dos termos em que o autor fundamenta ou estrutura a pretensão que quer ver reconhecida e que o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor (i. é, o pedido) se encontra necessariamente correlacionado com o facto concreto que lhe serve de fundamento/causa de pedir, pelo que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida este Tribunal é competente em razão da matéria para apreciar a pretensão do Autor.
3- Os direito sociais são os direitos cuja matriz direta e imediatamente, se funda na lei societária (lei que estabelece o regime jurídico das sociedade comerciais) e/ou no contrato de sociedade.
4 - Podem ser titulares de direitos sociais a sociedade, os sócios, os credores sociais e terceiros.
5 - Na atribuição de competência especializada às Secções de Comércio para preparar e julgar as ações relativas ao exercício dos direitos sociais releva a circunstância de estarmos perante matérias que exigem especial preparação técnica e sensibilidade e envolvem dificuldades/complexidades que podem repercutir-se também na respetiva solução.
6 - Importando analisar a atuação societária à luz de critérios de racionalidade empresarial, para a sua compreensão e para determinar as respetivas consequências, designadamente, em sede de responsabilidade civil, são necessários conhecimentos especiais para que estão mais vocacionados os tribunais a que foi atribuída competência especializada nessa área.
7 - Invocando o Autor, na petição inicial, a qualidade de gerente e a sua destituição sem justa causa, e reclamando da sociedade Ré, além do mais, a indemnização pela destituição da gerência - relevando, assim, nomeadamente, a atuação societária e o interesse da sociedade -, deverá entender-se que tal acção se reporta a direitos sociais, integrando-se na previsão da alínea c) do n.º 1 do art.º 121º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26.8).
8 - Como tal, a competência material para o seu julgamento pertence à Secção de Comércio.
9 – O Autor foi gerente da Ré desde a data da sua nomeação, função que desempenhou desde a referida data até à data das deliberações que se impugnam nos presentes autos.
10 - A deliberação em crise, que determinou a destituição do autor da função de gerente implica, por si só, a perda da retribuição que vinha auferindo a título de remuneração da gerência, facto justificativo de seu interesse na procedência do pedido.
11 - Ademais, tem-se defendido que qualquer interessado, mesmo estranho à sociedade pode instaurar acção de anulação de deliberações sociais, justificando para tanto o seu interesse traduzido na utilidade que para si deriva da procedência do pedido, o que sucede in casu.
12- Por conseguinte, o Autor tem legitimidade ativa.
13 – A sentença recorrida faz errada interpretação e aplicação, entre outras disposições do artº 30º do CPC, da alínea c) do n.º 1 do art.º 121º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26.8), dos artºs 456º e 58º do Código das Sociedades Comerciais.
Termos em que, nos melhores de Direito que V.Exª.s doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento e consequentemente revogada a sentença recorrida, com as legais consequências, como é de inteira Justiça».
*
A Ré contra-alegou e requereu a ampliação do âmbito do recurso, formulando, a este último propósito, as seguintes conclusões:«A título subsidiário da procedência de qualquer um dos fundamentos do recurso (ineptidão insuprível da petição inicial):
W. A Ré, na contestação, arguiu a verificação nulidade de todo o processado por ineptidão da petição inicial – que configura exceção que devia ser conhecida em despacho saneador, que implica a absolvição da instância quanto...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO