Acórdão nº 609/19.9T8FND.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 23-03-2021

Data de Julgamento23 Março 2021
Case OutcomeNEGAR A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão609/19.9T8FND.C1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.



No Tribunal Judicial da ... - Juízo Local Cível do ... – na presente ação com forma de processo comum, a sociedade Símbolo Justo, Lda. demanda AA, pedindo que seja a ré condenada a celebrar consigo o negócio projetado na comunicação à preferência e aceite pela autora com estipulação de prazo, bem como a condenação da ré numa sanção pecuniária compulsória à taxa diária de €50,00 por cada dia de atraso na celebração da escritura pública de compra e venda.

Alegou, para o efeito, que após a ré lhe transmitir que iria vender o imóvel a que alude no artigo 8.º da petição inicial, exerceu cabalmente o seu direito de preferência, tendo a ré incumprido o mesmo.

Na contestação, a ré defende que, não obstante ter enviado a missiva a que a autora alude no artigo 8.º na petição inicial, a mesma consubstanciou um mero lapso, até porque o aludido imóvel não foi objeto de contrato de compra e venda e sim de arrendamento. Mais informou aí a ré que iria intentar de imediato a competente ação de preferência contra a autora e que requereria a suspensão da presente instância, invocando como fundamento a pendência de causa prejudicial.

Neste sentido veio a ré posteriormente a requerer a suspensão da instância por ter intentado intentou a ação de preferência a que aludiu.

No despacho saneador veio o tribunal a indeferir o pedido de suspensão da instância requerido pela ré e, julgando a ação procedente condenou “a ré AA a celebrar com a autora o negócio projetado na comunicação à preferência Símbolo Justo, Lda., descrito no ponto 5 dos factos provados, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença e (…) com vista a assegurar a eficácia do acima determinado, fixo em €50,00 a importância devida por cada dia em que a ré não cumprir o determinado (…).”

Inconformada veio a Ré interpor recurso de apelação, sendo deliberado e a final proferido acórdão do seguinte teor:

“Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a Apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida”.


*


Novamente inconformada, com o decidido pela Relação, interpõe recurso de Revista para este STJ a ré, e formula as seguintes conclusões:

1ª - A primeira questão fundamental do direito consiste, assim, em apurar qual o efeito jurídico da recepção pelo titular do direito à preferência da comunicação feita pelo obrigado da sua intenção de venda do imóvel – contendo os elementos essenciais do projectado negócio e necessários à decisão do titular do direito – e da consequente recepção pelo segundo da comunicação pelo primeiro da sua vontade de exercer tal direito.

2ª - A segunda questão fundamental do direito é a de saber se, verificada a existência de outra acção que se constitui como causa prejudicial da presente acção, se deve determinar a suspensão da instância desta, mesmo que aquela tenha sido intentada posteriormente a esta e não existindo quaisquer indícios de que aquela tenha sido intentada unicamente para se obter a suspensão ou de que a causa dependente está tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”.

3ª – quanto à primeira questão entendemos que a tese que melhor se coaduna com os interesses em conflito é a de que a notificação para preferência aproxima-se da figura do convite a contratar, sendo-lhe aplicável o artigo 227.º do Código Civil (cfr. o acórdão-fundamento de 08/01/2009, proferido no processo n.º 08B2772 que, por economia processual, aqui reproduzimos na íntegra).

4ª – a ré, aqui recorrente, não pode, assim, ser condenada nos termos em que o foi devendo ser absolvida dos pedidos.

4ª - Atento o prescrito no art.º 672º, n.º 2 do CPC e o alegado a montante, estão verificados os pressupostos para que o presente recurso de revista excepcional seja admitido quanto a tal questão.

5ª – Com efeito, como se disse, a questão em apreço tem relevância jurídica bastante para que a sua apreciação seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

6ª – justifica-se, outrossim, a admissão do presente recurso na medida em que estão em causa interesses de particular relevância social, conforme se tentou demonstrar.

7ª – Verifica-se, por último, que o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/01/2009, proferido no âmbito do Processo n.º 08B2772 de que se junta cópia e se encontra disponível, designadamente, em www.dgsi.pt>jstj.nsf.

8ª – É, assim, de acolher, no caso dos autos, a posição jurisprudencial que decorre do acórdão-fundamento.

9ª - no que tange à segunda questão, não estando demonstrados minimamente quaisquer dos requisitos ínsitos no n.º 2 do art.º 272º do CPC e, por outro, não sendo juridicamente correcta a asserção no acórdão recorrido de que é “impossível proceder à suspensão da instância com base na prejudicialidade do que se discute noutra, se esta tiver sido proposta posteriormente”, deve efectivamente ser decretada a suspensão da presente instância enquanto a acção de preferência intentada pela aqui recorrente não se mostrar decidida.

10ª – Também a apreciação desta questão se justifica, conforme supra se alegou, à luz do disposto no art.º 672º, n.º 1, alínea a) do CPC.

8ª – (repetida a numeração) A sentença e o Acórdão recorridos violam, assim, designadamente o disposto nos art.ºs 227º e 416º do C. Civil, o art.º 272º, n.º 2 e º do C. P. Civil e os princípios constitucionais do direito de propriedade privada, da proporcionalidade, da protecção da confiança, da segurança e da paz jurídicas.

Deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, anular-se a sentença e o Acórdão recorrido, substituindo-se por outro Acórdão de acordo com o propugnado nas conclusões antecedentes”.


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Mais requer, a recorrente, de harmonia com o disposto no art. 686, n.º 2 do CPC, que o julgamento do recurso se faça com intervenção do pleno das Secções Cíveis.

*


O processo foi remetido à Formação, tendo esta deliberado admitir o recurso, nos seguintes termos.

“Ora, como o próprio acórdão recorrido documenta, a questão de saber se a comunicação prevista no nº 1 do art. 416º do CC que preencha os requisitos nele enunciados configura, ou não, uma proposta de contrato não tem obtido uma solução uniforme nos nossos tribunais, independentemente de apurar se tal dissídio jurisprudencial se inclina maioritariamente para qualquer dos sentidos trilhados. E é o que, desde logo, também patenteia a falta de sintonia entre o acórdão recorrido e o invocado como fundamento, sem necessidade de aferir se a subsunção jurídica feita em qualquer dessas decisões operou sobre o mesmo núcleo factual.

Sinalizada a existência dessa divergência jurisprudencial, que pode gerar insegurança na aplicação do direito, mostra-se idoneamente justificada a excepcional intervenção deste Supremo Tribunal, com vista a clarificar, uma vez mais, o entendimento sobre a matéria atinente à primeira das questões suscitadas e a ultrapassar tal insegurança, podendo o seu impacto determinar, para além do concreto litígio, a apreciação de outros muitos casos em que se suscite uma semelhante controvérsia.

Face ao exposto, admite-se a revista excepcional apenas quanto à decisão sobre o mérito e devolve-se ao Exmo. Relator a apreciação sobre a admissibilidade do recurso na parte que tem por objecto a decisão de indeferimento do pedido de suspensão da instância”.

Por despacho notificado foi decidido que:

- Não se verificavam os requisitos de admissão do recurso de revista ordinária, no segmento do recurso respeitante à existência, ou não, de outra ação que se constituiu como causa prejudicial da presente ação e que fosse determinativa da suspensão da instância desta.

- Por isso, não foi admitido o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, neste segmento, prosseguindo os autos para apreciação, apenas, do segmento do recurso que incide sobre a decisão de mérito (revista excecional).

- Remetido o processo ao Exmº Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça para efeitos do disposto no art. 686 do CPC, pelo mesmo foi despachado no sentido do indeferimento do pedido de julgamento ampliado da revista.

Foram dispensados os vistos dos Exmos Conselheiros adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir.


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Nas Instâncias foi julgada como provada a seguinte matéria de facto:

1. Encontra-se inscrito em nome da autora o imóvel sito em ..., com natureza rústica e inerente matriz ...33 e natureza urbana e inerente matriz ...23, com cultura arvense de regadio, cultura arvense, montado de sobreiros, olival, pinhal, pomar de citrinos, mato e pastagem e edifício com ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o artigo ....26

2. O dito imóvel confronta a norte com BB, a sul com CC, a nascente com EE e a poente com FF.

3. Encontra-se inscrito em nome da autora imóvel sito em ..., com natureza rústica e inerente matriz …32, com pinhal e mato e descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o artigo ....26

4. O dito imóvel confronta a norte e nascente com DD e sul e poente com caminho público.

5. No dia 23 de maio de 2019, a autora recebeu uma missiva endereçada pela ré datada de 14 de maio de 2019 com os seguintes dizeres: “Venho na qualidade de proprietária dar conhecimento a V. Ex(a) (s). que vamos vender o prédio inscrito na respectiva matriz urbana sob o n.º …50 e na matriz rústica sob o n.º ...54 e descrito na Conservatória do Registo Predial do ..., sob o n.º ...76, sito em ... ..., ... pelo valor de quarenta e dois mil euros, a GG. A escritura pública de compra e venda ou documento particular autenticado será realizado no prazo máximo de 30 dias na cidade de ... e o pagamento do preço será efectuado da seguinte forma: i) com a assinatura do contrato de promessa de compra e venda é paga através de cheque a quantia de 4.200 euros (quarto mil e duzentos euros), que ocorrerá após o prazo para V. Ex(a) (s.) preferirem na...

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