Acórdão nº 597/20.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 27-04-2023
Data de Julgamento | 27 Abril 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 597/20.9BELSB |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Sul |
I. Relatório
M. G., enquanto Cabeça de casal da HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA DE I. F., arguida nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 13.03.2021, que, em sede de impugnação judicial da decisão do Município de Odivelas, no âmbito de processo contraordenacional, manteve a decisão de aplicação da coima no valor de €3.000,00, acrescida de € 71,20 a título de custas, pela prática da contraordenação p. e p. pelo art. 98.°, n.° 1, alínea d), do Decreto-Lei n.°555/99, de 16.12., pela violação do disposto no art. 4.°, n.° 5, do mesmo diploma legal.
Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 175 e ss., ref. SITAF:
«(…)
A/ O procedimento contra ordenacional encontra-se extinto pelo decurso do tempo - prescrição - pois, a este propósito alegou-se e, não foi considerado não provado, aliás, o Tribunal não pretendeu que se produzisse prova nesse sentido, que as obras em causa vêm já do tempo dos autores da herança, ambos falecidos, respetivamente, em 01.09.2012 e 04.11.2012, os quais haviam efetuado as mesmas há mais de 40 anos. Ora, decorre que, se mais não fosse, pelo menos, desde o decesso dos causantes, até à notificação da recorrente que ocorreu em 31/01/2019, que se mostra decorrido o prazo prescricional e, desse modo, não pode a acusação proceder, porquanto, até essa data não se verificou qualquer facto que o suspendesse ou interrompesse;
B/ Não se vê donde constem do texto da decisão factos considerados provados que possam integrar o elemento subjetivo do tipo (negligência ou dolo), pois, da acusação e, agora, da decisão, apenas, consta uma conclusão na al. c), com o seguinte teor: “A arguida na qualidade de cabeça de casal da massa da herança, representou a realização do facto típico como consequência possível da sua conduta conformando-se com a sua realização”, sendo esta fórmula uma mera conclusão de conceitos jurídicos, que não de factos e, não tem, pois, a virtualidade, de substituir os factos integradores da negligência ou dolo, impondo-se, assim a rejeição da acusação;
C/ Aliás, o apontado segmento conclusivo, está, até, em contradição com a fundamentação da decisão, agora, em crise, pois, nesta, adianta o Tribunal, o dolo da recorrente, sem que, tenha dado como provado qualquer comportamento desta livre, voluntário e consciente, o que, como se sabe, importa a nulidade da decisão;
D/ O Tribunal afasta a questão da aquisição originária do direito, contudo, ela é relevante, pois, se os causantes já assim detinham a fração há mais de 40 anos é, evidente, que, pelo decurso do tempo, já adquiriram o direito correspondente à sua posse, o qual prevalece sobre a norma de direito administrativo e, desse jeito, já não pode haver a imputação de qualquer facto contra ordenacional;
E/ Assim, mesmo que o Tribunal possa entender sobrevir a CO, não se vêm razões para ser afastada a admoestação, em face do modo de aquisição do direito pela recorrente;
F/ Igualmente, a entender-se de outro modo, no que se não concede, não se vislumbram razões para nos afastarmos do limite mínimo da coima especialmente atenuada, pois, foi a própria A., quem, ainda que sem factos, concluiu pela negligência. De resto, a este título, não se compreende como e onde se baseou o Tribunal para concluir que a conduta da sindicante é dolosa como o escreve na antepenúltima página da sua decisão. (…)».
Admitido que foi, o Ministério Público respondeu ao recurso interposto, pugnando pela sua improcedência e concluindo como se segue – cfr. fls. 187 e ss., ref. SITAF:
a) «(…) - A infração, em causa, trata-se de omissão, permanente. Assim,
b- O momento de consumação coincide com o termo do prazo, em que o Agente devia ter atuado (art°s 5°, 27° do RGCO; Ac do STJ, de 21/02/07, P n° 06P4552)
c- Enquanto perdura a inautorizada utilização habitacional da arrecadação, o ilícito subsiste, apenas terminando com obtenção da necessária Autorização Camarária.
d- No ilícito de mera ordenação social, o juízo de culpa é eminentemente jurídico, não se tratando de facto, nem susceptível de nele se materializar, podendo ser instrumentalmente extraído da conjugação de factos, dos quais o Julgador (n)extrai juízo de censura.
e- Não se trata de culpa jurídico-criminal.
f- A conduta, em causa, foi prolongada no tempo.
g- A sanção e sua medida (próxima do mínimo legal) não afrontam qualquer das dimensões do princípio da proporcionalidade.
h- Está em causa o uso habitacional, sem Autorização, dado a arrecadação.
i- A lei civil arreda da usucapião os direitos de uso e de habitação, não usucapíveis (art° 1287° do CC).
j- Recte e M°P° declararam prescindir de produção de prova, com decisão por simples Despacho.(…).»
Nesta instância, o DMMP teve vista nos autos – cfr. art. 74.º, n.º 4, do RGCO e art.s 416.º e 417.º, nº 1, do CPP e emitiu pronúncia – cfr. fls. 200, ref. SITAF.
I. 1. Questões a apreciar e decidir
O objeto do recurso define-se pelas conclusões do Recorrente e respetiva motivação – cfr. art. 412.º, n.º 1, do CPP (1) sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – cfr. art. 379.º e 410.º, nºs 2 e 3, do CPP. (2)
Neste pressuposto, no presente recurso jurisdicional cumprirá conhecer, antes de mais, da prescrição do procedimento contraordenacional e, em caso de esta não ter ocorrido, dos erros de julgamento imputados à decisão recorrida.
II. Fundamentação de facto e de Direito
Considera-se aqui transcrita a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida.
*
As questões suscitadas pela Recorrente resumem-se, em suma, em determinar se a sentença recorrida incorreu em erro ao considerar que:
i) ainda não decorreu o prazo prescricional – cfr. alínea A) das conclusões de recurso.
ii) a conduta da Recorrente é punível a título de dolo – cfr. alíneas B) e C) das conclusões de recurso, invocando ainda, nesta última, uma possível contradição na decisão recorrida, no seu entender, passível de gerar a sua nulidade; e que
iii) não se encontra adquirido, por aquisição originária, o direito à utilização do edifício nos termos em que está a ser feita – cfr. alínea D) das conclusões de recurso.
Sem conceder, pretende ainda a Recorrente que este tribunal de recurso altere a pena aplicada, para uma pena de admoestação e, se lhe aplique o limite mínimo a coima aplicável – cfr. alíneas E) e F) das conclusões de recurso.
*
Cumprindo conhecer, tendo presente que, ao abrigo do disposto no art. 75º n.º 1, do RGCO, este tribunal de recurso apenas conhece da matéria de direito.
i) Da prescrição do procedimento contraordenacional
Em causa está a utilização da edificação para fim diverso do autorizado no alvará de utilização, que se reconduz a uma violação do art. 4.°, n.º 5, p. e p. pelo art. 98.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12. [RJUE], o que motivou a condenação da arguida no pagamento de...
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