Acórdão Nº 591/12 de Tribunal Constitucional, 05-12-2012

Número Acordão591/12
Número do processo87/12
Data05 Dezembro 2012
Classe processualRecurso

ACÓRDÃO N.º 591/2012

Processo n.º 87/12

1ª Secção

Relatora: Conselheira Maria João Antunes

Acordam na 1.ª secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC) do acórdão daquele Tribunal de 21 de dezembro de 2011.

2. O recorrente foi condenado, em 1.ª instância, em suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 4 anos e 6 meses. Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, este Tribunal acordou em conceder provimento ao recurso que havia sido interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar a decisão recorrida no sentido de não se manter a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido A., tendo o mesmo de cumprir tal pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

O recorrente interpôs recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi rejeitado com fundamento em inadmissibilidade, por decisão sumária proferida nos termos do artigo 417.º, n.º 6, alínea b), do Código de Processo Penal. Reclamou então para a conferência, que julgou a reclamação improcedente, com a seguinte fundamentação:

«Come se refere, a reformulação das condições de admissibilidade dos recursos para o STJ, decorrente da conjugação dos artigos 432º e 400º, nº 1 e respetivas alíneas, do CPP após a revisão da Lei nº 48/2007, de 29 de agosto, tem suscitado dificuldades de leitura e compreensão, com a consequente projeção em divergências na solução do problema.

Acresce que novas possibilidades abertas por novas soluções para questões específicas – como, por exemplo, o exercício da faculdade prevista pelo artigo 371º-A do CPP – acrescentam complexidade, não apenas pelo âmbito dos meios processuais criados, como pelas consequências da coordenação com o regime dos recursos.

O caso sob apreciação constitui uma das (várias) espécies problemáticas na coordenação no âmbito do regime de recursos saído da revisão de 2007 do processo penal.

A coerência do anterior modelo no que respeita aos critérios de admissibilidade de recurso para o STJ, que se baseava em três módulos essenciais (natureza do tribunal a quo; natureza e gravidade do crime, avaliadas pelo critério da pena aplicável: “dupla conforme”, isto é, a confirmação da decisão pelo tribunal da relação), foi substituída por um sistema em que, aparentemente, desaparece o critério da natureza do tribunal a quo, e o critério da natureza do crime foi substituído pela medida concreta da pena efetivamente aplicada.

Esta diferente perspetiva introduziu fatores acrescidos de dificuldades na interpretação, porque leituras imediatas, chegadas ao pé da letra, transportam desvios e incoerências sistémicas.

Divergências jurisprudenciais a propósito constituem o reflexo, inevitável, de aporias que resultam da não compatibilidade entre formulações e a imediata coerência interna do sistema e do modelo de recursos.

A recorribilidade para o STJ de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432º do CPP. De uma forma direta, nas alíneas a), c) e d) do nº 1; e de um modo indireto na alínea b), decorrente da não irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, nos termos do artigo 400º, nº 1 e respetivas alíneas, do CPP.

Há, neste regime definido pelo conjunto das referidas normas, elementos que, aparentemente descoordenados, não podem deixar de ser harmonizados, salvo risco e efeito de uma séria contradição intrassistemática.

A referência essencial para a leitura integrada do regime – porque constitui a norma que define diretamente as condições de admissibilidade do recurso para o STJ – não pode deixar de ser a alínea c) do nº 1 o artigo 432º do CPP, que fixa, em termos materiais, uma condição e um limiar material mínimo de recorribilidade – acórdãos finais, proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo, que apliquem pena de prisão superior a cinco anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito.

Não sendo interposto de decisão do tribunal coletivo, ou sendo recurso de decisão do tribunal coletivo ou do tribunal do júri que não aplique pena de prisão superior a cinco anos, o recurso, mesmo versando exclusivamente o reexame da matéria de direito, segue a regra geral do artigo 427º do CPP e deve ser obrigatoriamente dirigido ao tribunal da relação.

A repartição das competências em razão da hierarquia pelas instâncias de recurso está, assim, delimitada por uma regra-base que parte da confluência de uma dupla de pressupostos – a natureza e a categoria do tribunal a quo e a gravidade da pena efetivamente aplicada.

A coerência interna do regime de recursos para o STJ em matéria penal supõe, deste modo, que uma decisão em que se não verifique a referida dupla de pressupostos não deva ser (não possa ser) recorrível para o STJ. Com efeito, se não é admissível recurso direto de decisão proferida por tribunal singular, ou que aplique pena de prisão não superior a cinco anos, também por integridade da coerência que deriva do princípio da paridade ou até da maioria de razão, não poderá ser admissível recurso de segundo grau de decisão da relação que conheça de recurso...

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